29 de out. de 2023

Capitulo 6 - As sequelas da imobilidade prolongada

Capítulo 6 - João Páscoa Pinheiro, Joana Costa

Síndrome da Imobilidade

As suas consequências multissistémicas, prevenção e tratamento

 

1 – Principais objetivos formativos

  • A patologia da imobilidade - conceitos introdutórios.        
  • As consequências multissistémicas da imobilidade (músculo-esqueléticas, cardiovasculares, respiratórias, metabólicas, gastrointestinais, génito-urinárias, cognitivo-comportamentais e cutâneas).
  • Prevenção e tratamento das sequelas de imobilidade.
  • A mobilização precoce como determinante do prognóstico.

 

2 – Introdução - Síndrome de imobilidade define-se como o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da restrição (total ou parcial) do movimento. Trata-se de uma entidade clínica que apenas começou a ser valorizada a partir de meados do século XX pois até então o repouso e o acamamento, amplamente recomendados como parte do tratamento de doenças agudas e crónicas, eram apenas vistos como medidas terapêuticas. Na verdade, apesar do repouso poder ser favorável à recuperação de determinadas patologias (como patologia traumática ou na fase aguda de patologia infecciosa), reconhece-se atualmente que, quando prolongado, se traduz em consequências graves, multissistémicas, que poderão agravar a doença primária ou tornar-se mesmo a principal comorbilidade. (1) (2) (3) Além disso, a natureza cíclica do processo exponencia a deterioração funcional: a imobilidade promove perda de função multiorgânica, o que agrava o grau de dependência, cria deficiências e incapacidades, conduzindo a maior imobilidade. Os limites da imobilidade como parte integrante do tratamento ou inerente a uma determinada doença têm merecido diferentes entendimentos clínicos, refletindo a crescente preocupação médica sobre as suas consequências. Em meio hospitalar, a imobilidade é uma preocupação clínica diária e, apesar de não se conhecerem atualmente dados concretos acerca da sua prevalência, sabe-se que está associada a maior morbilidade e mortalidade, pior prognóstico funcional, maior tempo de internamento e maiores custos de saúde. (2) (4)

A etiologia da imobilidade é frequentemente multifatorial. Doenças cardiorrespiratórias (como a insuficiência cardíaca, a cardiopatia isquémica ou a doença pulmonar obstrutiva crónica), músculo-esqueléticas (fraturas, artrose, deformidades, doenças reumatológicas), neurológicas (acidente vascular cerebral, neuropatias periféricas, demência), psiquiátricas (depressão), neoplásicas, alterações neurossensoriais (amaurose, surdez), envelhecimento, desnutrição, internamentos prolongados, intervenções cirúrgicas, iatrogenia medicamentosa, isolamento social e inadequação do espaço físico poderão ser algumas das causas de imobilidade prolongada.

Doentes com patologias crónicas e idosos estão mais susceptíveis aos efeitos adversos da imobilidade ou inatividade, quando comparados com indivíduos previamente saudáveis, e esses efeitos raramente se restringem a um único sistema ou órgão. (2)

Muitas destas complicações podem ser facilmente prevenidas e tratadas, desde que identificadas atempadamente. (5) Importa não só reconhecer o momento em que os efeitos negativos da imobilidade ultrapassam os objetivos terapêuticos, como estabelecer estratégias preventivas precoces. Aliás, a prevenção das sequelas de imobilismo é um dos princípios base de qualquer programa de reabilitação.

 

3 – Consequências multissistémicas da imobilidade - Os efeitos deletérios da inatividade podem ser agrupados no termo “descondicionamento” que define a perda de capacidade funcional multiorgânica. (2)

 

3.1 Sistema músculo-esquelético - Os efeitos mais evidentes da imobilidade verificam-se ao nível do sistema músculo-esquelético, com inevitável deterioração do prognóstico funcional e da qualidade de vida do doente. (6)

 

3.1.1 - Diminuição da mobilidade articular - A mobilidade articular depende da articulação propriamente dita e dos tecidos moles periarticulares. A ausência de movimento em todo o arco articular, geralmente de causa multifatorial, associa-se a uma progressiva limitação da mobilidade devido à retração cápsulo-ligamentar e músculo-tendinosa e à infiltração fibroadiposa dos espaços de deslizamento. A deposição de colagénio no tecido conjuntivo periarticular (tendões, ligamentos, cápsula articular), com encurtamento e desorganização das fibras, diminui as propriedades viscoelásticas dos tecidos. Músculos imobilizados numa posição de encurtamento (extensores em extensão máxima ou flexores em flexão máxima) perdem 40% do número inicial de sarcómeros com consequente perda funcional e rigidez. (7) Os músculos biarticulares estão particularmente sujeitos a encurtamentos durante a imobilização. Assim, posicionamentos incorretos no leito podem levar a graves deformidades nos doentes acamados, sobretudo em membros colocados em posições de encurtamento. (2)

A perda de mobilidade articular é mais expressiva quando se associa a patologia articular degenerativa ou inflamatória ou a outras doenças que aumentem o risco de limitação articular em múltiplos planos de movimento (esclerodermia, queimaduras, diabetes mellitus). Em músculos desenervados (sem força de oposição aos seus antagonistas) ou espásticos, os desequilíbrios dinâmicos potenciam a perda de imobilidade. Nos idosos, a perda da mobilidade articular por inatividade surge mais precocemente e com maior gravidade, até porque se associa ao aumento relativo da proporção de tecido conjuntivo e à perda de fibras musculares inerentes ao próprio envelhecimento. A perda de mobilidade articular traduz-se em dificuldades na realização de atividades de vida diária (como higiene e autocuidados), incluindo a deambulação, aumenta o risco de úlceras de pressão, atrasa a alta hospitalar, e é frequentemente dolorosa.

A prevenção da limitação articular contempla:

* Minimizar o tempo de acamamento, promovendo a rápida verticalização

* Mobilizar precocemente os segmentos inativos (mobilização ativa, ativa assistida e passiva, segundo critérios decorrentes do exame clínico), diariamente, por sectores funcionais, por curtos períodos de tempo

* Promover um posicionamento articular correto (posições funcionais de imobilização)

* Almofadas e ortóteses de posicionamento

O tratamento de limitações articulares já instituídas pode incluir:

* Mobilização articular ativa e ativa assistida nos diferentes planos do movimento articular

* Mobilização articular passiva e estiramento músculo-tendinoso

* Posicionamentos articulares e ortóteses de correção

* Agentes de termoterapia (calor superficial), técnicas cinesiológicas e fármacos (miorrelaxantes, analgésicos, outros)

* Eventual intervenção cirúrgica (libertação de processos vibroadesivos, tenotomias,)

3.1.2 - Diminuiao ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o propriamente dita e(ção da força e da resistência muscular - No tecido muscular a imobilidade determina genericamente diminuição da força muscular (força resistência, força velocidade, força máxima), atrofia muscular e perda de flexibilidade. A atrofia muscular (atrofia de desuso) caracteriza-se por diminuição do tamanho das fibras musculares e redução da massa muscular, como consequência da inatividade e da descarga. Pode ser generalizada ou localizada aos membros imobilizados e é proporcionalmente maior nos músculos antigravitários. A perda muscular torna-se rápida e evidente após 48 horas de imobilidade; após 10 dias essa perda é superior a 50%. Após 14 dias de imobilização, a síntese proteica muscular diminui para 50% do valor de base (8) e é a principal causa da perda muscular. A taxa de recuperação da atrofia de desuso é muito mais lenta que a taxa de perda. (5)

A perda muscular é geralmente rápida e dramática. Um músculo completamente em repouso perde 10 a 15% da sua força a cada semana (5), o que significa que após 3 a 5 semanas de imobilização, a força muscular diminui para cerca de metade. A perda de força é proporcionalmente maior que a redução de tamanho do respetivo músculo e é mais proeminente nos membros inferiores do que nos membros superiores.

As principais causas de perda de força e de resistência muscular por desuso é a redução do número de miofibrilhas por volume de fibra, redução no número e dimensão das mitocôndrias e redução de sarcómeros. Aliás, a perda de força isométrica é proporcional à perda de sarcómeros em paralelo (proporcionalmente superior à perda de sarcómeros em série). (9)

A redução da resistência (endurance) e a fatigabilidade devem-se à diminuição da síntese proteica e da função oxidativa enzimática e à produção prematura de energia anaeróbia com acumulação de ácido láctico. (10) Contrações musculares inferiores a 50% da capacidade máxima por longos períodos de tempo alteram a síntese proteica e diminuem as reservas de ATP e glicogénio com consequentes alterações na atividade metabólica muscular e na circulação microvascular. O descondicionamento cardiovascular (mais precoce que o declínio muscular) agrava a atenuação do suprimento de oxigénio por diminuição da capacidade de extração de oxigénio ao sangue associada à diminuição do fluxo sanguíneo muscular, afetando negativamente o VO2máx (volume máximo de oxigénio). (2) (10)

A perda de resistência muscular está também relacionada com alterações na composição das fibras musculares já que se verifica uma maior redução percentual da formação de fibras oxidativas. (10) Esta perda preferencial da atividade aeróbia (sobretudo no tronco e membros inferiores), tão importante no desempenho postural e em atividades de vida diária, interfere particularmente com a independência funcional.

Pode ainda ocorrer perda de diferenciação e qualidade cinesiológica dos diferentes tipos de mecanorecetores (sobretudo em lesões neurológicas ou em imobilizações pós-traumáticas) que alteram o retrocontrolo propriocetivo e agravam a perda funcional.

A perda de força muscular pode ser prevenida com contrações musculares diárias superiores a 20% da força máxima. Para manter a capacidade aeróbia, é necessário realizar exercícios de resistência entre 60 a 80% do VO2máx, pelo menos 3 vezes por semana. No caso de perda muscular já instituída, devem ser preconizadas contrações entre 30 a 50% da força máxima durante 3 a 5 minutos, 3 vezes por semana, por grupo muscular, isométricas ou isotónicas. O exercício aeróbio de crescente intensidade e duração, sobretudo para os músculos dos membros, deve ser prescrito durante pelo menos 2 meses, para recuperar e melhorar o condicionamento físico. Devem também ser realizados exercícios de alongamento muscular diário durante 30 minutos. A verticalização e a carga devem ser introduzidas de forma precoce.

 

3.1.3 - Diminuição da densidade mineral óssea - A perda progressiva de massa óssea por desuso, identificada em indivíduos acamados e em astronautas, deve-se à ausência de atividade muscular e tendinosa e à ausência de ação da gravidade. A descarga prolongada, durante várias semanas, causa perda mineral óssea trabecular e endosteal (e mais tardiamente cortical). O fator predominante parece ser o aumento da taxa de reabsorção óssea, com balanço mineral negativo, perda óssea de cálcio superior a 200 mg/dia, hipercalciúria e elevação da hidroxiprolinúria. Sabe-se que na presença de patologia neurológica há uma perda acrescida de densidade mineral óssea.

Neste sentido, importa limitar o tempo de acamamento, promovendo a rápida verticalização. Deve iniciar-se com elevação progressiva do plano do leito, seguida de transferência do leito para cadeira e desta para a posição vertical. O plano inclinado, uma ajuda técnica que permite ajustar diariamente o ângulo de verticalização, pode ser utilizado para um condicionamento progressivo das respostas posturais. A aquisição do equilíbrio de tronco é um elemento decisivo para a retoma da marcha. O trabalho muscular dinâmico, particularmente isotónico concêntrico, deve também ser introduzido precocemente. A verticalização, com introdução da carga axial, e o treino de marcha atrasam a perda mineral óssea, reduzem a patologia da imobilidade e aumentam a independência funcional, a participação e a qualidade de vida.

 

3.2 Sistema cardiovascular - As alterações da função cardiovascular induzidas pela imobilidade podem ser agrupadas no termo “síndrome de adaptação cardiovascular”. Uma das principais consequências é a incapacidade do sistema cardiovascular se adaptar à posição ortostática, que, em indivíduos saudáveis, é completa após 3 semanas de acamamento. Surge hipotensão postural que se traduz clinicamente por cefaleias, náuseas, tonturas, vertigens, aumento da frequência cardíaca (> 20 batimentos/minuto) e redução da pressão sistólica (> 20 mmHg) durante a verticalização. A frequência cardíaca de repouso aumenta 1 batimento/minuto a cada 2 dias de acamamento, levando a taquicardia de repouso e aumento anormal da frequência cardíaca em esforço. (2) A verticalização também aumenta a frequência cardíaca, proporcionalmente à duração do tempo de imobilização. Além disso, a vasoconstrição fisiológica periférica que ocorre normalmente durante a verticalização, está diminuída ou ausente após acamamento prolongado e a resposta simpática ao levante pode estar alterada. O volume de ejeção pode diminuir até 15% após 2 semanas de imobilidade, em provável relação com a diminuição de volume circulante por diminuição da pressão hidrostática e da produção de hormona antidiurética. A diminuição do débito cardíaco associada à diminuição da utilização periférica de oxigénio justificam a redução do VO2máx.

A imobilidade aumenta a trigliceridémia e diminui as lipoproteínas de alta densidade (HDL) e a apolipoproteína A1, contribuindo para aumento do risco cardiovascular.

Com a imobilidade observa-se também um aumento da viscosidade do sangue e da estase venosa, com possibilidade de fenómenos tromboembólicos. A tromboembolia pulmonar é uma causa importante de morte no doente institucionalizado em acamamento prolongado e cursa com dispneia súbita, taquipneia, taquicardia e dor torácica, exigindo uma intervenção médica imediata.

Medidas preventivas a ser instituídas incluem a mobilização articular e o fortalecimento muscular precoces (em decúbito e em ortostatismo) e deambulação progressiva. O fortalecimento muscular isotónico abdominal e dos membros inferiores ajuda a reverter a estase venosa. Pode recorrer-se a corrente excitomotoras para promover contração muscular. A prevenção de fenómenos tromboembólicos inclui contenção elástica dos membros inferiores e outros métodos de compressão externa, prescrição de anticoagulantes, vigilância regular do perímetro da perna (para detecção precoce de assimetrias de instalação aguda que poderão sugerir trombose venosa profunda) e exercício ativo.

 

3.3 - Sistema respiratório - Entre as principais alterações pulmonares decorrentes da imobilidade prolongada estão a diminuição da capacidade vital e da reserva funcional respiratória, fraqueza muscular do diafragma e músculos intercostais, diminuição da mobilidade torácica (costovertebral e costocondral) e diminuição da eficácia da tosse, diminuição da atividade mucociliar e dificuldade na eliminação das secreções brônquicas, que determinam consequências na relação ventilação/perfusão e maior probabilidade de infeções respiratórias (sobretudo nas bases e lobos posteriores) e formação de atelectasias.

Torna-se prioritário a introdução de medidas, genericamente organizadas no âmbito da cinesiterapia respiratória, incluindo mobilização torácica (ativa e ativa assistida), alternância de decúbitos, fortalecimento do diafragma e dos músculos intercostais, reeducação dos tempos respiratórios, aerossoloterapia (soro fisiológico, broncodilatador, fluidificante de secreções, outros), drenagem postural, percussão e vibração torácicas, tosse assistida e tosse dirigida e aspiração orotraqueal de secreções.

 

3.4 - Metabolismo - A imobilidade prolongada condiciona alterações no metabolismo orgânico, salientando-se pela sua importância:       

* Redução da massa magra e aumento da massa gorda

* Redução da síntese proteica / balanço azotado negativo

* Intolerância à glicose e insulinorresistência, diretamente proporcional ao tempo de acamamento, que pode ser parcialmente melhorada com exercícios isotónicos (mas não isométricos) de grandes grupos musculares

* Hipercolesterolemia LDL

* Elevação sérica da hormona paratiroide   

* Disfunção adrenocorticóide

* Disfunção na produção de catecolaminas e indolaminas

* Hiponatrémia, hipocaliémia, hipercalcemia e hipercalciúria, hiperfosfatémia e hiperfosfatúria.

 

3.5 - Sistema gastrointestinal - Ao nível gastrointestinal verifica-se uma redução do apetite, diminuição da absorção, aumento do tempo de trânsito e refluxo gastroesofágico (por alteração do tempo de relaxamento do esfíncter esofágico inferior e estase gástrica), podendo ocorrer malnutrição e hipoproteinémia.

A obstipação é uma complicação multifatorial frequente da imobilidade, relacionada com a inibição adrenérgica da motilidade e da contração dos esfíncteres, diminuição do volume plasmático e desidratação, impossibilidade de adotar a postura adequada para a defecação e questões sociopsicológicas.

Medidas de prevenção e tratamento incluem ingestão hídrica adequada, dieta alimentar rica em fibras, fármacos modificadores da motilidade intestinal e treino intestinal.

 

3.6 Sistema génito-urinário - No doente acamado, a posição supina, a diminuição da pressão intra-abdominal e a fraqueza muscular abdominal contribuem para um esvaziamento vesical incompleto, aumentando a probabilidade de formação de cálculos e de infeções urinárias. A litíase renal pode ser observada em 15 a 30% dos doentes acamados e os cálculos mais comuns são os de estruvite e carbonato de apatite. A infeção do trato urinário está entre as infeções associadas aos cuidados de saúde mais frequentes em muitas instituições, e associa-se à colocação da sonda vesical em 70-80% dos casos, sendo a duração da algaliação um fator importante. (13)

Os principais elementos de prevenção das complicações urinárias no âmbito das sequelas da imobilidade são a hidratação adequada, micção em posição supina, assepsia na instrumentação, minimização da duração da algaliação (ou, se não for possível, substituiao regular uire que se justifiapletos com  duraçntes acamados e geralmente completo com a micçção regular da sonda), promoção de esvaziamentos vesicais completos e avaliação ecográfica dos volumes residuais. Pode justificar-se a realização de um estudo urodinâmico. Deve ser definido um treino vesical adequado.

 

3.7 - Alterações cognitivo-comportamentais - De uma forma sucinta, as principais alterações são desorientação temporo-espacial, deterioração cognitiva, alterações da memória, ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono, depressão e redução do limiar de tolerância à dor. O isolamento social e a privação de estímulos sensoriais afeta negativamente o prognóstico funcional.

 

3.8- Revestimento cutâneo - A úlcera de pressão é uma lesão localizada na pele e tecidos subcutâneos, geralmente sobre uma proeminência óssea, que resulta da pressão e fricção sobre determinada superfície durante um período de tempo prolongado. (14) É uma consequência grave do acamamento, associada a agravamento do estado geral e atraso na retoma funcional, mas que pode ser prevenida, surgindo mesmo em muitos protocolos de gestão de qualidade de instituições de saúde como indicador de negligência nos cuidados prestados ao doente.

Os dados epidemiológicos portugueses mais recentes reportam uma prevalência média de úlceras de pressão de cerca de 11,5%. (15)

Os principais fatores para o desenvolvimento de úlceras de pressão contemplam:

* Pressão aplicada sobre determinada região anatómica que compromete a circulação local, causando inicialmente hiperémia reativa e posteriormente oclusão e isquémia

* Fricção (componente de forças paralelas à superfície da pele  que agrava os efeitos da pressão nos tecidos

* Superfície corporal com reduzido almofadamento, geralmente sobre proeminências ósseas (ex: regiões sagrada, trocantérica, isquiática, calcaneana, maleolar e processos espinhosos vertebrais)

* Microambiente local da pele (temperatura, humidade, pH)

* Estado nutricional; o doseamento de proteínas séricas totais inferior a 6,4g/dL ou de albumina inferior a 3,5g/dL está associado ao desenvolvimento de úlceras de pressão (2)(16)

* Patologias concomitantes com alterações vasculares (como a diabetes mellitus), alterações motoras, atrofia muscular, alterações sensitivas, anemia, entre outras.

O risco de desenvolvimento de úlceras de pressão pode ser estimado utilizando instrumentos métricos. A escala de Norton (Norton Scale for assessing the risk of pressure ulcers) é um dos mais utilizados e considera cinco fatores (condição física, estado mental, atividade, mobilidade e incontinência) que são pontuados de 1 a 4; um total igual ou inferior a 14 indica risco de desenvolvimento de úlcera de pressão. A escala de Braden é um instrumento validado em Portugal que contempla seis parâmetros de avaliação (percepção sensorial, humidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção e cisalhamento), e classifica os doentes em risco baixo ou alto com cut-off de 16 e 22 no adulto e na criança, respectivamente.

A avaliação da úlcera de pressão deve incluir registos e basear-se nas características da lesão (dimensões, profundidade, irregularidade). A escala de estadiamento mais utilizada é o Staging System da National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP).

A abordagem das úlceras de pressão assenta em três objetivos principais: promoção da cicatrização, prevenção de infeção e prevenção de recorrência.

As medidas preventivas devem contemplar entre outras as seguintes estratégias:

* Vigilância 1 a 2 vezes/dia das zonas de pressão particularmente nas áreas anatómicas mais susceptíveis

* Posicionamentos adequados e alternância de decúbitos de 2 em 2 horas

* Colchão anti-escaras e almofadas de posicionamento adequadas

* Cuidados de higiene no leito; migalhas, urina, fezes ou outros resíduos promovem a maceração cutânea e aumentam o risco

* Diagnóstico e eventual correção de patologias concomitantes

* Minimização do tempo de acamamento, verticalização precoce com estimulação da funcionalidade global

* Formação de profissionais de saúde e ensino aos cuidadores

No caso de existência de uma zona de pressão com eritema cutâneo (fase inicial e reversível de desenvolvimento das úlceras de pressão), deve promover-se o imediato reposicionamento do doente retirando pressão do referido segmento, massagem manual da zona e restantes medidas preventivas. A existência de lesão exige a introdução de terapêutica conservadora ou cirúrgica.

 

4 - Bibliografia

1.       Bartels M, Prince D. Acute Medical Conditions. In: Braddom’s Physical Medicine and Rehabilitation 5th Ed. Chapter 27. Elsevier; 2016.

2.       Halar E, Bell K. Physical Inactivity: Physiological and Functional Impairments and Their Treatment. In: DeLisa’s Physical Medicine & Rehabilitation: Principles and Practice. 5th Ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2010.

3.       Dittmer D, Teasell R. Complications of immobilization and bed rest. Part 1: Musculoskeletal and cardiovascular complications. Canadian Family Physician. 1993;39:1428-37.

4.       Kottke FJ. The effects of limitation of activity upon the human body. JAMA. 1966;196(10):825–830.

5.       Cameron M et al. Physical Rehabilitation: Evidence-based examination, evaluation and intervention. Saunders; 2007.

6.       Cuccurullo S et al. Physical Medicine and Rehabilitation Board Review 2nd Ed. Demos Medical; 2010.

7.       Spector SA, Simard CP, Fournier M, et al. Architectural alterations of rat hind-limb skeletal muscles immobilized at different lengths. Exp Neurol. 1982;76(1):94-110.

8.       Ferrando AA, Lane HW, Stuart CA, et al. Prolonged bed rest decreases skeletal muscle and whole body protein synthesis. Am J Physiol. 1996;270:E627-633.

9.       Narici MV, Maganaris CN. Plasticity of the muscle-tendon complex with disuse and aging. Exerc Sport Sci Rev. 2007;35(3):126-134.

10.    Ferreti G, Antonutto G, Denis C, et al. The interplay of central and peripheral factors in limiting maximal O2 consumption in man after prolonged bed rest. J Physiol. 1997;501:677-686.

11.    Downey RJ, Weissman C. Physiological changes associated with bed rest and major body injury. In: Physiological Basis of Rehabilitation Medicine 3rd Ed. Butterworth-Heinemann; 2001:449-484.

12.    Pinheiro J, Figueiredo P, Januário F. Reabilitação no idoso. In: Geriatria fundamental – Saber e Praticar, 2014;365-374.

13.    Lo E, Nicolle L, Coffin S, Gould C, Maragakis L, Meddings J, et al. Strategies to Prevent Catheter-Associated Urinary Tract Infections in Acute Care Hospitals: 2014 Update. SHEA/IDSA practice recommendation. Infection control and hospital epidemiology. 2014;35(5).

14.    Reddy M, Gill SS, Rochon PA. Preventing pressure ulcers: a systematic review. JAMA 2006;296:974.

15.    Ferreira P, Miguéns C, Gouveia J, Furtado K. Risco de desenvolvimento de úlceras de presssão: implementação nacional da escala de Braden.Lusodidacta; 2007.

16.    Langer G, Fink A. Nutritional interventions for preventing and treating pressure ulcers. Cochrane Database Syst Rev 2014;6:CD003216.

 

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