Capítulo 6 - João Páscoa Pinheiro, Joana Costa
Síndrome da Imobilidade
As suas
consequências multissistémicas, prevenção e tratamento
1 – Principais objetivos formativos
- A
patologia da imobilidade - conceitos introdutórios.
- As
consequências multissistémicas da imobilidade (músculo-esqueléticas,
cardiovasculares, respiratórias, metabólicas, gastrointestinais,
génito-urinárias, cognitivo-comportamentais e cutâneas).
- Prevenção
e tratamento das sequelas de imobilidade.
- A
mobilização precoce como determinante do prognóstico.
2 – Introdução - Síndrome de imobilidade define-se como o conjunto de sinais e sintomas
decorrentes da restrição (total ou parcial) do movimento. Trata-se de uma
entidade clínica que apenas começou a ser valorizada a partir de meados do
século XX pois até então o repouso e o acamamento, amplamente recomendados como
parte do tratamento de doenças agudas e crónicas, eram apenas vistos como
medidas terapêuticas. Na verdade, apesar do repouso poder ser favorável à
recuperação de determinadas patologias (como patologia traumática ou na fase
aguda de patologia infecciosa), reconhece-se atualmente que, quando prolongado,
se traduz em consequências graves, multissistémicas, que poderão agravar a
doença primária ou tornar-se mesmo a principal comorbilidade. (1) (2) (3) Além disso, a natureza cíclica do processo
exponencia a deterioração funcional: a imobilidade promove perda de função
multiorgânica, o que agrava o grau de dependência, cria deficiências e
incapacidades, conduzindo a maior imobilidade. Os limites da imobilidade como
parte integrante do tratamento ou inerente a uma determinada doença têm
merecido diferentes entendimentos clínicos, refletindo a crescente preocupação
médica sobre as suas consequências. Em meio hospitalar, a imobilidade é uma
preocupação clínica diária e, apesar de não se conhecerem atualmente dados
concretos acerca da sua prevalência, sabe-se que está associada a maior
morbilidade e mortalidade, pior prognóstico funcional, maior tempo de
internamento e maiores custos de saúde. (2) (4)
A etiologia
da imobilidade é frequentemente multifatorial. Doenças cardiorrespiratórias
(como a insuficiência cardíaca, a cardiopatia isquémica ou a doença pulmonar
obstrutiva crónica), músculo-esqueléticas (fraturas, artrose, deformidades,
doenças reumatológicas), neurológicas (acidente vascular cerebral, neuropatias
periféricas, demência), psiquiátricas (depressão), neoplásicas, alterações
neurossensoriais (amaurose, surdez), envelhecimento, desnutrição, internamentos
prolongados, intervenções cirúrgicas, iatrogenia medicamentosa, isolamento
social e inadequação do espaço físico poderão ser algumas das causas de
imobilidade prolongada.
Doentes com
patologias crónicas e idosos estão mais susceptíveis aos efeitos adversos da
imobilidade ou inatividade, quando comparados com indivíduos previamente
saudáveis, e esses efeitos raramente se restringem a um único sistema ou órgão.
(2)
Muitas
destas complicações podem ser facilmente prevenidas e tratadas, desde que
identificadas atempadamente. (5) Importa não só reconhecer
o momento em que os efeitos negativos da imobilidade ultrapassam os objetivos
terapêuticos, como estabelecer estratégias preventivas precoces. Aliás, a
prevenção das sequelas de imobilismo é um dos princípios base de qualquer
programa de reabilitação.
3 – Consequências multissistémicas
da imobilidade - Os
efeitos deletérios da inatividade podem ser agrupados no termo
“descondicionamento” que define a perda de capacidade funcional multiorgânica. (2)
3.1 Sistema músculo-esquelético - Os efeitos mais evidentes da
imobilidade verificam-se ao nível do sistema músculo-esquelético, com
inevitável deterioração do prognóstico funcional e da qualidade de vida do
doente. (6)
3.1.1 - Diminuição da mobilidade
articular - A
mobilidade articular depende da articulação propriamente dita e dos tecidos
moles periarticulares. A ausência de movimento em todo o arco articular,
geralmente de causa multifatorial, associa-se a uma progressiva limitação da mobilidade
devido à retração cápsulo-ligamentar e músculo-tendinosa e à infiltração fibroadiposa
dos espaços de deslizamento. A deposição de colagénio no tecido conjuntivo
periarticular (tendões, ligamentos, cápsula articular), com encurtamento e
desorganização das fibras, diminui as propriedades viscoelásticas dos tecidos. Músculos
imobilizados numa posição de encurtamento (extensores em extensão máxima ou
flexores em flexão máxima) perdem 40% do número inicial de sarcómeros com
consequente perda funcional e rigidez. (7) Os
músculos biarticulares estão particularmente sujeitos a encurtamentos durante a
imobilização. Assim, posicionamentos incorretos no leito podem levar a graves deformidades
nos doentes acamados, sobretudo em membros colocados em posições de
encurtamento. (2)
A perda de
mobilidade articular é mais expressiva quando se associa a patologia articular degenerativa
ou inflamatória ou a outras doenças que aumentem o risco de limitação articular
em múltiplos planos de movimento (esclerodermia, queimaduras, diabetes mellitus).
Em músculos desenervados (sem força de oposição aos seus antagonistas) ou
espásticos, os desequilíbrios dinâmicos potenciam a perda de imobilidade. Nos
idosos, a perda da mobilidade articular por inatividade surge mais precocemente
e com maior gravidade, até porque se associa ao aumento relativo da proporção
de tecido conjuntivo e à perda de fibras musculares inerentes ao próprio
envelhecimento. A perda de mobilidade articular traduz-se em dificuldades na
realização de atividades de vida diária (como higiene e autocuidados),
incluindo a deambulação, aumenta o risco de úlceras de pressão, atrasa a alta
hospitalar, e é frequentemente dolorosa.
A prevenção
da limitação articular contempla:
* Minimizar
o tempo de acamamento, promovendo a rápida verticalização
* Mobilizar
precocemente os segmentos inativos (mobilização ativa, ativa assistida e
passiva, segundo critérios decorrentes do exame clínico), diariamente, por
sectores funcionais, por curtos períodos de tempo
* Promover
um posicionamento articular correto (posições funcionais de imobilização)
* Almofadas
e ortóteses de posicionamento
O tratamento
de limitações articulares já instituídas pode incluir:
*
Mobilização articular ativa e ativa assistida nos diferentes planos do
movimento articular
*
Mobilização articular passiva e estiramento músculo-tendinoso
*
Posicionamentos articulares e ortóteses de correção
* Agentes
de termoterapia (calor superficial), técnicas cinesiológicas e fármacos (miorrelaxantes,
analgésicos, outros)
* Eventual
intervenção cirúrgica (libertação de processos vibroadesivos, tenotomias,)
3.1.2 - Diminui ção da
força e da resistência muscular - No
tecido muscular a imobilidade determina genericamente diminuição da força
muscular (força resistência, força velocidade, força máxima), atrofia muscular
e perda de flexibilidade. A atrofia
muscular (atrofia de desuso) caracteriza-se por diminuição do tamanho das
fibras musculares e redução da massa muscular, como consequência da inatividade
e da descarga. Pode ser generalizada ou localizada aos membros imobilizados e é
proporcionalmente maior nos músculos antigravitários. A perda muscular torna-se
rápida e evidente após 48 horas de imobilidade; após 10 dias essa perda é
superior a 50%. Após 14 dias de imobilização, a síntese proteica muscular
diminui para 50% do valor de base (8) e é a
principal causa da perda muscular. A taxa de
recuperação da atrofia de desuso é muito mais lenta que a taxa de perda. (5)
A perda
muscular é geralmente rápida e dramática. Um músculo completamente em repouso
perde 10 a 15% da sua força a cada semana (5), o
que significa que após 3 a 5 semanas de imobilização, a força muscular diminui
para cerca de metade. A perda de força é proporcionalmente maior que a redução
de tamanho do respetivo músculo e é mais proeminente nos membros inferiores do
que nos membros superiores.
As
principais causas de perda de força e de resistência muscular por desuso é a
redução do número de miofibrilhas por volume de fibra, redução no número e
dimensão das mitocôndrias e redução de sarcómeros. Aliás, a perda de força
isométrica é proporcional à perda de sarcómeros em paralelo (proporcionalmente
superior à perda de sarcómeros em série). (9)
A redução
da resistência (endurance) e a
fatigabilidade devem-se à diminuição da síntese proteica e da função oxidativa
enzimática e à produção prematura de energia anaeróbia com acumulação de ácido
láctico. (10) Contrações musculares inferiores a
50% da capacidade máxima por longos períodos de tempo alteram a síntese
proteica e diminuem as reservas de ATP e glicogénio com consequentes alterações
na atividade metabólica muscular e na circulação microvascular. O
descondicionamento cardiovascular (mais precoce que o declínio muscular) agrava
a atenuação do suprimento de oxigénio por diminuição da capacidade de extração
de oxigénio ao sangue associada à diminuição do fluxo sanguíneo muscular, afetando
negativamente o VO2máx (volume máximo de oxigénio). (2) (10)
A perda de
resistência muscular está também relacionada com alterações na composição das
fibras musculares já que se verifica uma maior redução percentual da formação
de fibras oxidativas. (10) Esta perda preferencial
da atividade aeróbia (sobretudo no tronco e membros inferiores), tão importante
no desempenho postural e em atividades de vida diária, interfere
particularmente com a independência funcional.
Pode ainda
ocorrer perda de diferenciação e qualidade cinesiológica dos diferentes tipos
de mecanorecetores (sobretudo em lesões neurológicas ou em imobilizações
pós-traumáticas) que alteram o retrocontrolo propriocetivo e agravam a perda
funcional.
A perda de
força muscular pode ser prevenida com contrações musculares diárias superiores
a 20% da força máxima. Para manter a capacidade aeróbia, é necessário realizar
exercícios de resistência entre 60 a 80% do VO2máx, pelo menos 3
vezes por semana. No caso de perda muscular já instituída, devem ser
preconizadas contrações entre 30 a 50% da força máxima durante 3 a 5 minutos, 3
vezes por semana, por grupo muscular, isométricas ou isotónicas. O exercício
aeróbio de crescente intensidade e duração, sobretudo para os músculos dos
membros, deve ser prescrito durante pelo menos 2 meses, para recuperar e
melhorar o condicionamento físico. Devem também ser realizados exercícios de alongamento
muscular diário durante 30 minutos. A verticalização e a carga devem ser
introduzidas de forma precoce.
3.1.3 - Diminuição da densidade
mineral óssea - A perda
progressiva de massa óssea por desuso, identificada em indivíduos acamados e em
astronautas, deve-se à ausência de atividade muscular e tendinosa e à ausência
de ação da gravidade. A descarga prolongada, durante várias semanas, causa
perda mineral óssea trabecular e endosteal (e mais tardiamente cortical). O
fator predominante parece ser o aumento da taxa de reabsorção óssea, com
balanço mineral negativo, perda óssea de cálcio superior a 200 mg/dia, hipercalciúria
e elevação da hidroxiprolinúria. Sabe-se que na presença de patologia
neurológica há uma perda acrescida de densidade mineral óssea.
Neste
sentido, importa limitar o tempo de acamamento, promovendo a rápida
verticalização. Deve iniciar-se com elevação progressiva do plano do leito,
seguida de transferência do leito para cadeira e desta para a posição vertical.
O plano inclinado, uma ajuda técnica que permite ajustar diariamente o ângulo
de verticalização, pode ser utilizado para um condicionamento progressivo das
respostas posturais. A aquisição do equilíbrio de tronco é um elemento decisivo
para a retoma da marcha. O trabalho muscular dinâmico, particularmente
isotónico concêntrico, deve também ser introduzido precocemente. A
verticalização, com introdução da carga axial, e o treino de marcha atrasam a
perda mineral óssea, reduzem a patologia da imobilidade e aumentam a
independência funcional, a participação e a qualidade de vida.
3.2 Sistema cardiovascular - As alterações da função
cardiovascular induzidas pela imobilidade podem ser agrupadas no termo
“síndrome de adaptação cardiovascular”. Uma das principais consequências é a
incapacidade do sistema cardiovascular se adaptar à posição ortostática, que,
em indivíduos saudáveis, é completa após 3 semanas de acamamento. Surge
hipotensão postural que se traduz clinicamente por cefaleias, náuseas, tonturas,
vertigens, aumento da frequência cardíaca (> 20 batimentos/minuto) e redução
da pressão sistólica (> 20 mmHg) durante a verticalização. A frequência
cardíaca de repouso aumenta 1 batimento/minuto a cada 2 dias de acamamento,
levando a taquicardia de repouso e aumento anormal da frequência cardíaca em
esforço. (2) A verticalização também aumenta a
frequência cardíaca, proporcionalmente à duração do tempo de imobilização. Além
disso, a vasoconstrição fisiológica periférica que ocorre normalmente durante a
verticalização, está diminuída ou ausente após acamamento prolongado e a
resposta simpática ao levante pode estar alterada. O volume de ejeção pode diminuir
até 15% após 2 semanas de imobilidade, em provável relação com a diminuição de
volume circulante por diminuição da pressão hidrostática e da produção de
hormona antidiurética. A diminuição do débito cardíaco associada à diminuição
da utilização periférica de oxigénio justificam a redução do VO2máx.
A
imobilidade aumenta a trigliceridémia e diminui as lipoproteínas de alta
densidade (HDL) e a apolipoproteína A1, contribuindo para aumento do risco
cardiovascular.
Com a
imobilidade observa-se também um aumento da viscosidade do sangue e da estase
venosa, com possibilidade de fenómenos tromboembólicos. A tromboembolia
pulmonar é uma causa importante de morte no doente institucionalizado em acamamento
prolongado e cursa com dispneia súbita, taquipneia, taquicardia e dor torácica,
exigindo uma intervenção médica imediata.
Medidas
preventivas a ser instituídas incluem a mobilização articular e o fortalecimento
muscular precoces (em decúbito e em ortostatismo) e deambulação progressiva. O
fortalecimento muscular isotónico abdominal e dos membros inferiores ajuda a
reverter a estase venosa. Pode recorrer-se a corrente excitomotoras para
promover contração muscular. A prevenção de fenómenos tromboembólicos inclui
contenção elástica dos membros inferiores e outros métodos de compressão
externa, prescrição de anticoagulantes, vigilância regular do perímetro da
perna (para detecção precoce de assimetrias de instalação aguda que poderão
sugerir trombose venosa profunda) e exercício ativo.
3.3 - Sistema respiratório - Entre as principais alterações
pulmonares decorrentes da imobilidade prolongada estão a diminuição da
capacidade vital e da reserva funcional respiratória, fraqueza muscular do
diafragma e músculos intercostais, diminuição da mobilidade torácica (costovertebral
e costocondral) e diminuição da eficácia da tosse, diminuição da atividade
mucociliar e dificuldade na eliminação das secreções brônquicas, que determinam
consequências na relação ventilação/perfusão e maior probabilidade de infeções
respiratórias (sobretudo nas bases e lobos posteriores) e formação de
atelectasias.
Torna-se
prioritário a introdução de medidas, genericamente organizadas no âmbito da
cinesiterapia respiratória, incluindo mobilização torácica (ativa e ativa
assistida), alternância de decúbitos, fortalecimento do diafragma e dos
músculos intercostais, reeducação dos tempos respiratórios, aerossoloterapia
(soro fisiológico, broncodilatador, fluidificante de secreções, outros),
drenagem postural, percussão e vibração torácicas, tosse assistida e tosse
dirigida e aspiração orotraqueal de secreções.
3.4 - Metabolismo - A imobilidade prolongada condiciona
alterações no metabolismo orgânico, salientando-se pela sua importância:
* Redução
da massa magra e aumento da massa gorda
* Redução
da síntese proteica / balanço azotado negativo
* Intolerância
à glicose e insulinorresistência, diretamente proporcional ao tempo de
acamamento, que pode ser parcialmente melhorada com exercícios isotónicos (mas
não isométricos) de grandes grupos musculares
* Hipercolesterolemia
LDL
* Elevação
sérica da hormona paratiroide
* Disfunção
adrenocorticóide
* Disfunção
na produção de catecolaminas e indolaminas
* Hiponatrémia,
hipocaliémia, hipercalcemia e hipercalciúria, hiperfosfatémia e
hiperfosfatúria.
3.5 - Sistema gastrointestinal - Ao nível gastrointestinal
verifica-se uma redução do apetite, diminuição da absorção, aumento do tempo de
trânsito e refluxo gastroesofágico (por alteração do tempo de relaxamento do
esfíncter esofágico inferior e estase gástrica), podendo ocorrer malnutrição e
hipoproteinémia.
A
obstipação é uma complicação multifatorial frequente da imobilidade,
relacionada com a inibição adrenérgica da motilidade e da contração dos esfíncteres,
diminuição do volume plasmático e desidratação, impossibilidade de adotar a
postura adequada para a defecação e questões sociopsicológicas.
Medidas de
prevenção e tratamento incluem ingestão hídrica adequada, dieta alimentar rica
em fibras, fármacos modificadores da motilidade intestinal e treino intestinal.
3.6 Sistema génito-urinário - No doente acamado, a posição
supina, a diminuição da pressão intra-abdominal e a fraqueza muscular abdominal
contribuem para um esvaziamento vesical incompleto, aumentando a probabilidade
de formação de cálculos e de infeções urinárias. A litíase renal pode ser
observada em 15 a 30% dos doentes acamados e os cálculos mais comuns são os de
estruvite e carbonato de apatite. A infeção do trato urinário está entre as
infeções associadas aos cuidados de saúde mais frequentes em muitas
instituições, e associa-se à colocação da sonda vesical em 70-80% dos casos,
sendo a duração da algaliação um fator importante. (13)
Os
principais elementos de prevenção das complicações urinárias no âmbito das
sequelas da imobilidade são a hidratação adequada, micção em posição supina,
assepsia na instrumentação, minimização da duração da algaliação (ou, se não
for possível, substitui
3.7 - Alterações
cognitivo-comportamentais - De
uma forma sucinta, as principais alterações são desorientação temporo-espacial,
deterioração cognitiva, alterações da memória, ansiedade, irritabilidade, distúrbios
do sono, depressão e redução do limiar de tolerância à dor. O isolamento social
e a privação de estímulos sensoriais afeta negativamente o prognóstico
funcional.
3.8- Revestimento cutâneo - A úlcera de pressão é uma lesão
localizada na pele e tecidos subcutâneos, geralmente sobre uma proeminência
óssea, que resulta da pressão e fricção sobre determinada superfície durante um
período de tempo prolongado. (14) É uma
consequência grave do acamamento, associada a agravamento do estado geral e
atraso na retoma funcional, mas que pode ser prevenida, surgindo mesmo em
muitos protocolos de gestão de qualidade de instituições de saúde como
indicador de negligência nos cuidados prestados ao doente.
Os dados epidemiológicos
portugueses mais recentes reportam uma prevalência média de úlceras de pressão
de cerca de 11,5%. (15)
Os
principais fatores para o desenvolvimento de úlceras de pressão contemplam:
* Pressão
aplicada sobre determinada região anatómica que compromete a circulação local,
causando inicialmente hiperémia reativa e posteriormente oclusão e isquémia
* Fricção
(componente de forças paralelas à superfície da pele que agrava os efeitos da pressão nos tecidos
*
Superfície corporal com reduzido almofadamento, geralmente sobre proeminências
ósseas (ex: regiões sagrada, trocantérica, isquiática, calcaneana, maleolar e
processos espinhosos vertebrais)
*
Microambiente local da pele (temperatura, humidade, pH)
* Estado
nutricional; o doseamento de proteínas séricas totais inferior a 6,4g/dL ou de
albumina inferior a 3,5g/dL está associado ao desenvolvimento de úlceras de
pressão (2)(16)
*
Patologias concomitantes com alterações vasculares (como a diabetes mellitus),
alterações motoras, atrofia muscular, alterações sensitivas, anemia, entre
outras.
O risco de
desenvolvimento de úlceras de pressão pode ser estimado utilizando instrumentos
métricos. A escala de Norton (Norton Scale for assessing the risk of
pressure ulcers) é um dos mais utilizados e considera cinco fatores
(condição física, estado mental, atividade, mobilidade e incontinência) que são
pontuados de 1 a 4; um total igual ou inferior a 14 indica risco de
desenvolvimento de úlcera de pressão. A escala de Braden é um instrumento validado em Portugal que contempla seis
parâmetros de avaliação (percepção sensorial, humidade, atividade, mobilidade,
nutrição e fricção e cisalhamento), e classifica os doentes em risco baixo ou
alto com cut-off de 16 e 22 no adulto
e na criança, respectivamente.
A avaliação
da úlcera de pressão deve incluir registos e basear-se nas características da
lesão (dimensões, profundidade, irregularidade). A escala de estadiamento mais
utilizada é o Staging System da National Pressure Ulcer Advisory
Panel (NPUAP).
A abordagem
das úlceras de pressão assenta em três objetivos principais: promoção da
cicatrização, prevenção de infeção e prevenção de recorrência.
As medidas
preventivas devem contemplar entre outras as seguintes estratégias:
*
Vigilância 1 a 2 vezes/dia das zonas de pressão particularmente nas áreas
anatómicas mais susceptíveis
*
Posicionamentos adequados e alternância de decúbitos de 2 em 2 horas
* Colchão
anti-escaras e almofadas de posicionamento adequadas
* Cuidados
de higiene no leito; migalhas, urina, fezes ou outros resíduos promovem a
maceração cutânea e aumentam o risco
*
Diagnóstico e eventual correção de patologias concomitantes
*
Minimização do tempo de acamamento, verticalização precoce com estimulação da
funcionalidade global
* Formação
de profissionais de saúde e ensino aos cuidadores
No caso de
existência de uma zona de pressão com eritema cutâneo (fase inicial e
reversível de desenvolvimento das úlceras de pressão), deve promover-se o
imediato reposicionamento do doente retirando pressão do referido segmento,
massagem manual da zona e restantes medidas preventivas. A existência de lesão
exige a introdução de terapêutica conservadora ou cirúrgica.
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