Capítulo 7 - Amílcar Cordeiro,
João Páscoa Pinheiro
A
reabilitação geriátrica
O doente geriátrico e a medicina de reabilitação
1 – Principais
objetivos formativos:
· Características gerais do envelhecimento. A
biologia do envelhecimento, aspetos epidemiológicos na sociedade ocidental. A
sociedade e o envelhecimento.
· Os efeitos do descondicionamento físico; as
vertentes operativas da mobilidade (locomotora, neuromotora,
cardiorrespiratória, sensorial, cognitiva, …).
· O programa de reabilitação no doente geriátrico: as
características gerais; a mobilização articular, o fortalecimento muscular, o
condicionamento aeróbio, o treino de equilíbrio e coordenação, o treino em atividades
de vida diária.
· A avaliação funcional. A reabilitação na
comunidade, o apoio domiciliário e o papel
dos cuidadores não
formais. Os produtos de apoio e as tecnologias ambientais.
· Aspetos específicos da medicina de reabilitação
nas morbilidades (clínica da queda, dor crónica, demência, amputação, artrose, osteoporose,
depressão, malnutrição).
2 –
Introdução - O envelhecimento corresponde
a uma condição fisiológica, um processo natural, gradual e irreversível. Prevê-se
que o grupo populacional com mais de 65 anos corresponda em 2040 a 21% da
população nos EUA, dos quais 26-38% tem mais de 85 anos de idade. Isto
corresponde a um crescimento explosivo da população geriátrica com custos
médicos bastante elevados. Na atualidade, os custos médicos destinados a pessoas
com idade superior a 65 anos ronda os 470 biliões de dólares, sendo que em 2040
se prevê que este valor duplique.[1] Na Europa, prevê-se um aumento dos gastos na
saúde, nomeadamente nos cuidados de longa duração, de 1,8% em 2010 para 5,0% em
2060 do PIB.[2]
A partir dos 65 anos há um declínio funcional, em
atividades quotidianas, tornando-se mais difícil a realização de atividades de
vida diária (AVD), com diminuição da mobilidade (condicionado pela diminuição
das amplitudes articulares, força muscular, coordenação, equilíbrio), com risco
acrescido de queda (risco elevado de fratura da epífise proximal do fémur,
fratura de Colles, fraturas vertebrais) e aparecimento de problemas específicos
como artrose, doença cardio e cerebrovascular, dor crónica, sarcopenia, entre
outros. Relativamente à condição física destes doentes, há uma diminuição da
capacidade aeróbia, com deterioração do VO2 Máx e aumento da perceção de fadiga.
Para além disso, há também um declínio no desempenho cognitivo, muito variável
e nem sempre concordante com o declínio físico.[3] O envelhecimento é uma condição que por si incentiva
o recurso a cuidados de saúde. Também acarreta o aumento de incidência de
doença (aguda e crónica), com risco acrescido de morbilidade e mortalidade. A
iatrogenia medicamentosa, decorrente da polimedicação e das interações
medicamentosas é um fator cada vez mais preocupante neste grupo etário, muitas
vezes associado a alterações nutricionais.
Os programas ativos de reabilitação são cada vez
mais prescritos quer de aplicação institucional quer na comunidade,
preferencialmente. Este programa deve ser pouco exigente, variado e motivante,
com objetivos realistas e individualizados.[4] Numa perspetiva funcional deve ser direcionado ao
desempenho de atividades de vida diária (AVDs), à estimulação de destrezas simples
e autocuidados, à redução do risco de acidentes (quedas, cortes, queimaduras) e
ao retardar o aparecimento de novas incapacidades. Não deve negligenciar as
necessidades básicas. Alguns aspetos tais como o nível educacional do idoso e
da família, a capacidade económica e as características do domicílio devem ser
considerados na elaboração do programa de reabilitação.
3 – O
processo de envelhecimento celular - Com o envelhecimento ocorrem modificações progressivas e irreversíveis no
funcionamento celular, do tecido e do órgão. Acompanha-se igualmente, uma
diminuição da reserva funcional de órgãos e sistemas, diminuição do controlo
homeostático interno, diminuição da capacidade de adaptação e diminuição da
capacidade de resposta aos diversos tipos de agressão.
Estão presentes os efeitos do descondicionamento
físico, tais como diminuição do VO2 Máx, da força muscular, das
amplitudes articulares, da flexibilidade, do equilíbrio do tronco e da
coordenação, o aumento do tempo de reação e o encurtamento do tempo para
fadiga.[5]
Normalmente existe uma relação inversa entre a
atividade física habitual e a idade cronológica, contudo, as populações com
maior mobilidade (força, flexibilidade, amplitude, coordenação, postura,
equilíbrio,…) apresentam maior nível de funcionalidade, de participação e
qualidade de vida. Em termos genéricos os indivíduos do sexo feminino apresentam
maior flexibilidade e a perda de mobilidade é maior nos membros inferiores. Existe
uma diferença a considerar entre o praticantes e o não praticante de atividade
física regular.[6]
Na formulação do programa de reabilitação é
importante identificar diferentes consequências de doença, nomeadamente deficiências
motoras, sensitivas, sensoriais, entre outros. A avaliação funcional permite
prescrever uma intervenção racional, abordando os aspetos da locomoção (osso,
músculo, articulação), os neuromotores (força, proprioceção, tónus,
coordenação), cardiorrespiratórios (capacidade aeróbia, VO2 máximo),
sensoriais (visual, auditiva) e cognitivos.[7]
Um programa de reabilitação física deve estimular
a mobilidade ativa, o exercício aeróbio, o trabalho de resistência muscular, a
flexibilidade, o treino de equilíbrio, a coordenação e a correção da postura, o
treino em AVDs simples, complexas e instrumentais, a prescrição e o treino com
produtos de apoio, a visita domiciliária e a integração dos produtos prescritos
e as adaptações necessárias com tecnologias ambientais.[8]
4 – O
sedentarismo e a prescrição de exercício no idoso - O sedentarismo é entendido como uma falta ou
redução de atividade física, com gasto energético (em atividade física)
inferior a 2.200 cal/semana.[9] O seu impacto é elevado com 2.000.000 mortes/ano
diretamente imputadas ao problema. Em termos de custo/benefício, estimou-se que
por cada euro investido há uma poupança de 4,9 no absentismo e de 3,4 na saúde.
Em Portugal, no Inquérito Nacional de Saúde 1999, verificou-se que 70% da
população é sedentária, e que 37% da população (com idade igual ou superior a
18 anos) tem excesso de peso e 13% é obesa.[10]
Os seus atingimentos sistémicos estão identificados,
com atingimento cardiovascular e metabólico (obesidade, dislipidemia, diabetes,
hipertensão), respiratório (deterioração da condição aeróbia / VO2
Máx, do aparelho locomotor (redução da amplitude articular, da força, da
proprioceção, da massa óssea…), neuromotor (deterioração do controlo postural,
perda de cinestesia (controlo propriocetivo), perda de coordenação, aumento do
tempo de reação) e atingimento funcional (restrição da atividade e participação
e perda de qualidade de vida).[11] O exercício físico regular neste grupo etário tem
múltiplos benefícios já demonstrados com controlo dos fatores de risco
modificáveis da patologia cardiovascular (redução dos triglicerídeos, elevação
do colesterol HDL, aumento da relação HDL / LDL e HDL / colesterol total,
controlo da glicemia e prevenção da diabetes tipo II, aumento da densidade
mineral do osso, normalização da relação massa gorda / massa magra e controlo
da tensão arterial entre outros.[12]
A prescrição de exercício deve ser individualizada
e ajustada à idade, à motivação do paciente e às limitações das diversas
morbilidades. Deve ter uma introdução progressiva, ponderando a composição
corporal, o peso e as patologias médicas associadas, particularmente a
patologia osteoarticular, cardiovascular e respiratória. O exercício deve ser
aeróbio, de baixa intensidade, de baixo impacto e praticado de forma regular. A
intensidade, vai depender da idade, do estado geral e da capacidade funcional,
devendo ser controlado pela frequência cardíaca, pelo “talk test” ou pela perceção
subjetiva de esforço (Escala de Borg).[7]
Esta programa dever ser motivante, deve estimular
a interação social e não deve ser competitivo. Importa encorajar o “estilo
ativo” de vida ativo e participativo. Assim é importante estimular a marcha, a bicicleta,
a dança, as atividades gímnicas de grupo, o exercício em meio aquático, as
visitas na comunidade entre outros.[13]
Não existem diferenças significativas
relativamente ao local onde decorre a actividade (instituição ou domicilio) ou
mesmo entre diferentes atividades (no ginásio ou em meio aquático), sendo que o
importante é a regularidade do mesmo e a motivação para desenvolver um estilo
de vida ativo. Considerando alguns dos riscos da prática de actividade física,
o questionário PAR-Q & YOU pode ser um instrumento útil na triagem do
risco, mesmo em populações mais idosas, ainda que com limitações.[14] A promoção de um estilo de vida ativo e a
prescrição de exercício físico deve ser entendida como uma estratégia decisiva
na melhoria da perceção do estado de saúde, no aumento da função e da interação
social. O aconselhamento da prática de exercício físico é decisivo na melhoria
da qualidade de vida da população geriátrica, com reduzidas limitações e
contraindicações.
5 - A
avaliação funcional – Trata-se de
um processo métrico que pretende identificar a capacidade de desempenho num determinado
momento e que permite também comparar a condição funcional em diferentes momentos.
As medidas funcionais permitem assim valorizar diferentes elementos de
atividade e participação e desta forma contribuem para um conhecimento acrescido
da funcionalidade do doente. Avaliar a condição funcional do doente geriátrico
é importante no âmbito da prescrição de um programa de reabilitação
individualizado e compreensivo. São utilizados diferentes instrumentos, alguns
genéricos outros mais direcionados na área geriátrica.
Referimos assim a Medida de Independência
Funcional (MIF) que contempla a autonomia nos autocuidados, controlo de
esfíncteres, mobilidade, deambulação, comunicação e cognição social.[15] O Índice de Barthel é identificado como um instrumento
que mede atividades quotidianas e controlo esfincteriano, permitindo uma
estratificação de incapacidade distribuída entre elevada a reduzida.[16] O Índice Katz avalia diferentes atividades
nomeadamente o banho, o vestuário, a higiene pessoal, as transferências, a continência
e a alimentação. Adequa assim o desempenho de atividades quotidianas a uma
hierarquização de funções (das ligadas à subsistência até ás mais culturais). A
Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária de Lawton e Brody avalia a
capacidade de fazer compras, preparar uma refeição, fazer a limpeza do
domicílio ou o controlo das finanças, entre outras, elementos decisivos no
conceito de “viver independente” ou do “envelhecer no domicílio”.[17]
A avaliação da mobilidade e locomoção pode também
ser conseguida com a aplicação do “Time Up and Go test”, que se baseia no tempo
que o indivíduo demora a levantar-se de uma cadeira com braços, andar 3 metros,
rodar 180° e regressar a cadeira para se sentar; considera-se como normal um
tempo de execução entre 7-10 segundos (e anómalo acima de 12 segundos).
Trata-se dum procedimento muito eficaz na identificação de problemas da
mobilidade, relacionados com a força muscular, coordenação e equilíbrio, entre
outros.[18]
São ainda
utilizados testes objetivos tais como a velocidade de marcha (os 6 e 10 metros
de marcha), o subir e descer escadas, a força estática ou dinâmica do quadríceps
femoral, a força de preensão da mão, o balanço postural em posturografia
dinâmica, o tempo de reação entre outros.
Cada vez mais o
conceito de participação assume uma importância estruturante na construção do
programa terapêutico; referimos o Perfil de Participação Relacionado com a
Mobilidade (PAPM) como um instrumento necessário para uma compreensão acrescida
da essência da funcionalidade.
6 – A
geriatria, as patologias específicas e a reabilitação – Diferentes quadros clínicos assumem
particularidades e especificidades que importa abordar de forma sistemática.
Neste grupo salientamos a queda, a dor crónica, a amputação, a artrose, a osteoporose,
a demência, a depressão e a malnutrição.
6.1 – A
queda - O envelhecimento engloba
um declínio funcional, físico e cognitivo, com alterações da mobilidade, facto
que aumenta o risco de queda. Os episódios de queda correspondem à primeira
causa de morte por acidente em indivíduos com mais de 65 anos, sendo a 7ª causa
de morte em geral nessa mesma população. Mais de 60% das mortes por queda
ocorrem em pessoas com mais de 75 anos de idade. Os episódios de queda estão
muito associados a fraturas (90 % das fraturas são por queda) e 60% das quedas
ocorrem no domicílio. Os locais mais frequentes de queda no domicílio são a
casa de banho, a cozinha e o quarto, sendo que apenas 10% ocorre em escadas. Em
doentes institucionalizados, a maioria das quedas ocorre durante as
transferências.[19]
Os fatores que favorecem a queda dividem-se em
intrínsecos e extrínsecos e situacionais. Os fatores intrínsecos, tais como a
idade e a morbilidade são os mais difíceis de prevenir. A primeira abordagem
deve identificar e tratar as lesões agudas (diagnosticar e tratar a patologia
traumática) e posteriormente identificar os fatores de risco que nos possam
indicar uma possível patologia que conduziu à queda, como palpitações,
tonturas, toracalgia, dispneia, etc.
Como principais fatores de risco associados à
queda referimos a idade (o principal fator de risco), a deficiente condição
física (4h / semana de exercício físico reduz o risco em 40%), o baixo peso
corporal, a baixa ingestão de Ca2+, a existência de patologias
neuromusculares ou osteoarticulares, a frequência cardíaca em repouso inferior
a 80, o uso de fármacos (principalmente psicofármacos), a perda de acuidade
visual, a existência de objetos no chão (tapetes, fios, sapatos) ou móveis
instáveis.
Durante a realização da história clinica / exame
objetivo importa perceber se há história prévia de quedas, já investigadas ou
estudadas, tentando também identificar fatores intrínsecos frequentes que podem
conduzir à queda, tais como as alterações vestibulares, propriocetivas, a perda
de força, as atrofias musculares, os deficites visuais e cognitivos, a dor e
inflamação articular, a hipotensão postural, a nictúria, e as patologias metabólicas
e neuromusculares.[20] Há sinais indiretos, como arritmias, sopros,
antecedentes de insucificiência cardíada, alterações no ECG, que nos poderá
ajudar a perceber melhor este contexto de queda.
É também importante valorizar certos fatores
extrínsecos, como o local onde o doente reside, avaliando possíveis barreiras
existentes.
6.2 – Osteoporose
- Trata-se de uma patologia extremamente
prevalente na população geriátrica, afetando
um terço das mulheres no período pós-menopausa e metade da população com mais
de 75 anos. A prevenção e o tratamento da osteoporose devem merecer toda a
atenção dada a sua influência no risco de queda e nas suas consequências.[21]
A osteoporose é definida como um aumento da
reabsorção e formação deficitária de osso durante a remodelação. Este processo
ocorre mais rapidamente no osso trabecular (corpo vertebral, pélvis, fémur
proximal e radio distal). Uma densidade mineral óssea (DMO) diminuída aumenta a
fragilidade óssea e o risco de fratura. Cerca de 16% das mulheres caucasianas
com 50 anos de idade têm risco de ter uma fratura vertebral relacionadas com
osteoporose durante a vida.[22]
Importa excluir condições médicas que possam
predispor a osteoporose como doença de Cushing, o hipertiroidismo, o hipogonadismo,
a doença hepática, o hiperparatiroidismo, as síndromes de má absorção ou a doença
renal. Existem também fármacos que pode causar ou exacerbar a osteoporose, nomeadamente
a fenitoína e a corticoterapia.
A prevenção da osteoporose inclui os cuidados
alimentares, o exercício e a farmacoterapia e suplementação. Está recomendada a
toma diária de 1500mg de cálcio diária. Dos suplementos, o citrato de cálcio é
a formulação mais recomendada, em detrimento do carbonato de cálcio. Também
está recomendada uma dose de 800UI de vitamina D.[23]
São recomendadas modificações dietéticas,
incluindo diminuição de ingestão de cafeína, de fósforo e sódio. Também devem
ser implementadas alterações do estilo de vida, como cessação tabágica e
diminuição do consumo de álcool.[24]
Exercício físico com carga axial tem efeito
benéfico no tratamento e prevenção da perda de DMO. Um regime de exercício de
45 minutos 4 vezes por semana está recomendado. Exercícios de resistência,
aeróbio e carga são eficazes na melhoria da DMO vertebral.
Modalidades como “Tai Chi Chuan” aumentam a
coordenação neuromuscular com consequente redução no número de quedas e
fraturas relacionadas.[25]
6.3 – Demência
- A demência associa o declínio
da memória e pelo menos uma outra função cognitiva (afasia, apraxia, agnosia,
execução de funções). A OMS define demência como um declínio de memória,
especialmente na aprendizagem de nova informação, com mais de 6 meses de
duração.[26] A demência não deve ser encarada como “normal”
durante o envelhecimento. O seu diagnóstico é feito quando outras causas
possíveis de declínio cognitivo são excluídas. Estas causam incluem patologias
neurológicas e psiquiátricas. A causa mais frequente de demência é a doença de
Alzheimer (em 60-70% dos doentes geriátricos). Uma outra causa é a demência
vascular ou demência por doença multienfartes (15-25%).[27] Com a progressão da demência, o controlo
emocional, a motivação e o comportamento social também se alteram. Assim, o seu
tratamento consiste em melhorar a qualidade de vida dos doentes e maximizar as
suas funções, focando-se em aspetos cognitivos, humorais, comportamentais e a
motricidade, particularmente nas atividades de vida diária.
Importa aumentar o
tempo de exposição solar e ter uma boa higiene do sono, com restrição de sestas
durante o dia, de ingestão de fluidos perto do horário de dormir e de consumo
de estimulantes (café, chá). A prática de exercício moderado em especial
durante o período matinal também tem impacto positivo, já que uma maior
atividade física tem sido associada a menor risco de comprometimento cognitivo
ou demência. O doente deve estimulado em programas terapêuticos dirigidos à
mobilidade, à coordenação e ao equilíbrio. O doente deve manter as suas rotinas
diárias, particularmente atividades de vida diária simples. O ensino dos cuidadores
é importante e deve ser dirigido para atividades de autocuidados e necessidades
essenciais do doente.[28]
6.4 – Depressão
- A patologia depressiva é
frequente na população geriátrica (17-37%). Alguns sintomas de depressão como
perda de peso, alteração do padrão de sono e fadiga podem estar associados a
outras patologias. A depressão contribui significativamente para a incapacidade
individual, declínio funcional e diminuição da qualidade de vida.
O diagnóstico
precoce vai limitar o impacto na funcionalidade e reduzir o rico de suicídio na
população geriátrica.
Nesta
população a depressão demonstrou afetar o equilíbrio, a velocidade da marcha, a
capacidade de se levantar de uma cadeira e a função em AVD. [29]
A terapêutica
antidepressiva e a psicoterapia têm sido usados de uma forma bem-sucedida no
tratamento em idosos. Também os programas de reabilitação física podem ser
efetivos no tratamento do contexto depressivo após doença interna ou patologia
traumática, muitas vezes com hospitalização e acamamento prolongado. O doente
depressivo é normalmente sedentário sem motivação para aumentar a sua atividade
física. O exercício físico ativa os níveis de serotonina e norepinefrina que
podem em último caso melhorar a saúde mental. O exercício físico aumenta a
condição aeróbia, a funcionalidade do doente e a sua participação na
comunidade.
6.5 – Malnutrição
- A malnutrição ocorre quando
está presente um défice calórico, de vitaminas, minerais, proteínas, água ou absorção
de nutrientes. A malnutrição pode conduzir a um aumento da fragilidade cutânea,
osteopenia do esqueleto, anemia, distúrbios metabólicos e cardiovasculares.
Fatores psicológicos e físicos associados ao
envelhecimento estão associados a esta patologia, com redução da atividade
física, má dentição, alterações digestivas e alterações da funcionalidade que podem
interferir com as AVDs, nomeadamente as compras ou a preparação das refeições.
Também o isolamento social, a deterioração dos laços familiares e a deficiência
económica podem estar na origem do problema.[30]
As necessidades energéticas diminuem com a idade,
particularmente pela redução da taxa metabólica e atividade física. Cerca de
16% da população geriátrica ingere menos de 100kcal/dia. Em doentes
geriátricos, a ingestão diária recomendada é 25-35 kcal/kg. Os hidratos de
carbono complexos devem corresponder a 55-60% da dieta de forma a corresponder
às necessidades de vitaminas, minerais e fibras do doente. Devem ser ingeridos 1,0 a 1,2 g de
proteína/kg e 20-30g de fibras diária com o intuito de prevenir a obstipação,
diminuir o colesterol e diminuir o risco de neoplasia do colon. Os lípidos
devem corresponder a 10-30% da ingestão calórica.
A causa mais comum de distúrbios de fluidos e
eletrólitos na população geriátrica é a desidratação, mais comummente por
vómitos ou diarreia. A hiponatrémia é um desequilíbrio particularmente
frequente nesta população. Para além da desidratação, uma causa comum para esta
problemática são as intervenções iatrogénicas medicamentosas. Tem importante
impacto na função mental, funcional e ortostatismo, já que estas alterações
podem comprometer o processo de reabilitação e predispor os doentes à queda.[31] O seu tratamento vai depender da causa
subjacente, seja ele com soro isotónico ou ingestão salina (hiponatremia hipovolémica), restrição de
fluídos (SIADH), ou até meso utilização de diuréticos (hiponatremia
hipervolémica).[32]
6.6 – Amputação – Esta condição, apesar de não muitas vezes abordada, é frequente na
população geriátrica. Estudos demonstram que a etiologia principal para
amputação em doentes que participam em programas de reabilitação é vascular,
nomeadamente pé diabético.[33, 34] Deverá ser compreendida a motivação para a
utilização de prótese por parte do doente. No passado haveria uma relutância para a
protetização destes doentes, isto pelo facto da maioria ser submetido a
amputações transfemorais. Atualmente, a proporção de amputações transtibiais
aumentou.[35] Sem dúvida que a participação num programa
específico de reabilitação, tendo em conta o nível de amputação (transtibial ou
transfemoral), a protetização ou uso de cadeira de rodas, melhora a
independência funcional e aumenta a sobrevida destes doentes.[34] O programa de reabilitação do amputado engloba
diversas fases. Na fase pré-amputação deverão ser prestados cuidados dirigidos
à manutenção de amplitudes articulares e ao fortalecimento muscular, com um
controlo de comorbilidades. O controlo de comorbilidades é importante já que,
em amputados, o membro remanescente apresenta um elevado risco de amputação,
isto é, 15-20% é amputado ao 2º ano e 40% amputado ao 4º ano. O doente deverá
também ser informado acerca do processo de amputação e reabilitação. Na fase
pós-cirúrgica é importante prestar cuidados para promover a cicatrização do
coto e alívio de queixas álgicas. Na fase pré-protésica o controlo álgico
deverá sem mantido, como especial atenção à dor de membro fantasma, à sensação
de membro fantasma e à dor intrínseca e extrínseca do membro residual, assim
como os cuidados com o coto (lavagem, massagem, dessensibilização, descolamento
de cicatriz). Deverão ser colocados dispositivos de contenção (ligaduras
elásticas, meias compressivas de coto, unna casts, gesso, etc) de forma a
reduzir e modular o membro residual. Importa, também fazer treino de
transferências; manter as amplitudes articulares, iniciando mobilização precoce
e alongamento músculotendinoso, evitando posturas viciosas, bem como um
programa de fortalecimento global e dos músculos do membro residual. O doente
deverá iniciar levante e treino de marcha sem próteses o quanto antes, com
treino em barras ou canadianas. A prescrição de prótese tem de ser baseada em
conhecimentos empíricos, de acordo com objetivos do doente e do médico. É
necessário o doente ter uma boa reserva cardiovascular, a cicatrização completa
com bom revestimento de tecidos moles e ter boa capacidade de aprendizagem. A
aprendizagem de marcha com prótese deve ser iniciada com treino de equilíbrio e
de coordenação, seguida de treino de marcha com progressiva instabilidade
(barras paralelas, canadianas, sem auxiliares), sem nunca esquecer a integração
na sociedade e reinserção laboral.
6.7 – A
dor crónica – A população
geriátrica apresenta uma incidência e prevalência de dor elevada. Esta pode ser
de vários tipos, como dor nociceptiva, dor neuropática ou dor oncológica. A sua
etiologia, nesta população, também pode ser diversa, nomeadamente, neoplasia,
herpes zóster, artrite temporal, polimialgia reumática, doença vascular
periférica, etc.
As
queixas álgicas resultam na grande maioria dos casos em redução de socialização
e participação, depressão, distúrbio do sono, incapacidade de deambulação e
aumento de consumo de drogas, entre outros. Assim, importa perceber e atuar
perante tal sintomatologia. Isto poderá ser realizado com tratamento
farmacológico (analgésicos, analgésicos opioides, Aines, para a dor nociceptiva
ou oncológica; antidepressivos tricíclicos / anticonvulsivantes no caso de dor
neuropática), com agentes físicos e técnicas cinesiológicas ( termoterapia,
TENS, massagem manual, treino postural, exercício físico) ou mesmo com
prestação de cuidados de terapia comportamental, dirigida à família e/ou
cuidadores, já que 25-50% dos idosos reside no domicílio e 45-80% em residência
assistida.[36]
6.8 – Artrose – Mais de metade dos adultos com mais de 60 anos sofre de artrose. A dor e a
diminuição da mobilidade, reduz a independência dos doentes e são a razão
principal para a deficiência física e incapacidade. Estudos também demonstram
que a depressão está intimamente associada a artrose dolorosa.
A dor
deve ser gerida de forma individual e com associação de estratégias não
farmacológicas e farmacológicas.
O
tratamento não farmacológico começa com a educação do doente, encorajamento de
auto- adoção de estratégias de gestão de dor e chamada de atenção a problemas
como hábitos de vida saudáveis como controlo de peso e atividade física regular.
A utilização de agentes físicos tem também um papel importante no controlo
álgico, bem como a eletroterapia, como por exemplo o TENS. Tratamentos como
mobilização articular (ativas ou ativas assistidas) podem ser utilizadas de
forma a manter as amplitudes articulares e ao mesmo tempo tendo em vista o fortalecimento
muscular (trabalho estático e dinâmico concêntrico). Estes doentes apresentam
muitas vezes atrofia muscular, devido ao desuso motivado pela dor.
Apesar
de suplementos nutricionais e homeopáticos serem usados frequentemente por esta
população, estudos da sua eficácia e segurança, particularmente em idosos, é
limitada. Em contraste, a aplicação de substâncias tópicas, nomeadamente as que
contêm Aines, está a ser usada mais frequentemente e associadas a menor numero
de efeitos laterais.
A
utilização de agentes farmacológicos nos idosos, deve ser realizada com cuidado
de acordo com o aumento da sensibilidade à medicação, as interações
medicamentosas e as comorbilidades associadas. Assim, os idosos necessitam
frequentemente de uma diminuição da dose de medicação, inicialmente prescrita e
atenção ao risco/benefício do tratamento.
Não há, contudo, nenhuma medicação analgésica isolada
para o controlo da dor reumática. As quatro categorias alargadas para o
controlo álgico são analgésicos não opioides, simples ou associações (paracetamol,
paracetamol + codeína, paracetamol +
tramadol), AINEs (tópicos, orais),
analgésicos fortes (opioides) e drogas adjuvantes, sendo que cada um desperta
preocupações particulares e únicas relativamente aos seu perfil de efeitos
adversos. O uso continuado de qualquer medicação deve ser avaliado
repetidamente de forma a garantir que a eficácia está mantida.[37]
Como tratamento de
última linha existe também o tratamento cirúrgico, nomeadamente a artroplastia
da anca, joelho, ombro, tibiotársica.
Importa também dar atenção às comorbilidades destes
doentes, isto é, atenção ao estado de saúde global do doente. Um tratamento,
tenha ou não um resultado favorável, deve ser determinado não apenas pelo
impacto do tratamento na dor, mas também pela sua capacidade de melhorar a
função e melhorar a qualidade de vida.
Não podem ser esquecidos os
auxiliares de marcha (bengala,
canadiana, andarilho), ou os conselhos e ajudas para modificação da tarefa, adaptações
do domicílio, com colocação de rampas, corrimão ou elevadores, de forma a
melhorar a participação destes doentes.
6.9 – O acidente vascular cerebral – O acidente vascular cerebral (AVC) ocorre
principalmente em pessoas idosas e os resultados do paciente após o AVC são
altamente influenciados pela idade. Uma melhor compreensão das causas do
acidente vascular cerebral em idosos pode ter implicações práticas importantes
não só para a gestão clínica, mas também na criação de estratégias preventivas. Esta patologia tem impacto nos
programas de reabilitação a que os doentes são propostos e condiciona de forma decisiva
a possibilidade de viver e envelhecer independente e na sua casa. O tema do AVC
é abordado em contexto próprio.
7 – O
envelhecimento, a tecnologia inteligente no ambiente e a participação - A utilização de tecnologias inteligentes no
ambiente (TIA) do individuo, particularmente na sua residência vai aumentar a
possibilidade do “viver independente” e do “envelhecer em casa”. O conceito de
“participação” assume atualmente um interesse acrescido e descreve o
envolvimento do individuo em todas as áreas da sua vida. A utilização de
tecnologias inteligentes é um fenómeno recente, mas assume-se cada vez mais
como um elemento decisivo no processo da funcionalidade, contribuindo para a
perceção de bem-estar e qualidade de vida. A Organização Mundial de Saúde (OMS)
propõe processos metodológicos para implementar estes princípios, nomeadamente
a implementação de guidelines normativas, a promoção do acesso às tecnologias e
a criação de bases de dados que permitam gerir a sua utilização.[38] A inteligência no ambiente é uma disciplina
emergente que torna os ambientes mais acessíveis, disponíveis e sensíveis para
o seu utilizador. As TIA devem estar integradas no ambiente, devem reconhecer o
utilizador e o seu contexto, devem ser pensadas para as necessidades do
individuo e devem poder antecipar de forma imediata as suas necessidades. Desta
forma as TIA devem ser de fácil utilização, devem inspirar confiança, devem
estar orientadas para a comunidade e contacto interpessoal, devem ser
consistentes e sustentáveis tanto em termos pessoais como ambientais. No
processo de prescrição de uma tecnologia inteligente o clínico deve ponderar o
cumprimento das normas éticas e da privacidade dos espaços, importa considerar
as soluções técnicas mais seguras, bem como a relação do custo beneficio.
Quando esta tecnologia se implementa no domicílio é necessário conciliar a
componente arquitetónica com a tecnológica. A “casa inteligente” é cada vez
mais um elemento integrador que facilita o “viver independente” e o “envelhecer
em casa” incrementando desta forma a participação do doente.
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