29 de out. de 2023

Capitulo 6 - As sequelas da imobilidade prolongada

Capítulo 6 - João Páscoa Pinheiro, Joana Costa

Síndrome da Imobilidade

As suas consequências multissistémicas, prevenção e tratamento

 

1 – Principais objetivos formativos

  • A patologia da imobilidade - conceitos introdutórios.        
  • As consequências multissistémicas da imobilidade (músculo-esqueléticas, cardiovasculares, respiratórias, metabólicas, gastrointestinais, génito-urinárias, cognitivo-comportamentais e cutâneas).
  • Prevenção e tratamento das sequelas de imobilidade.
  • A mobilização precoce como determinante do prognóstico.

 

2 – Introdução - Síndrome de imobilidade define-se como o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da restrição (total ou parcial) do movimento. Trata-se de uma entidade clínica que apenas começou a ser valorizada a partir de meados do século XX pois até então o repouso e o acamamento, amplamente recomendados como parte do tratamento de doenças agudas e crónicas, eram apenas vistos como medidas terapêuticas. Na verdade, apesar do repouso poder ser favorável à recuperação de determinadas patologias (como patologia traumática ou na fase aguda de patologia infecciosa), reconhece-se atualmente que, quando prolongado, se traduz em consequências graves, multissistémicas, que poderão agravar a doença primária ou tornar-se mesmo a principal comorbilidade. (1) (2) (3) Além disso, a natureza cíclica do processo exponencia a deterioração funcional: a imobilidade promove perda de função multiorgânica, o que agrava o grau de dependência, cria deficiências e incapacidades, conduzindo a maior imobilidade. Os limites da imobilidade como parte integrante do tratamento ou inerente a uma determinada doença têm merecido diferentes entendimentos clínicos, refletindo a crescente preocupação médica sobre as suas consequências. Em meio hospitalar, a imobilidade é uma preocupação clínica diária e, apesar de não se conhecerem atualmente dados concretos acerca da sua prevalência, sabe-se que está associada a maior morbilidade e mortalidade, pior prognóstico funcional, maior tempo de internamento e maiores custos de saúde. (2) (4)

A etiologia da imobilidade é frequentemente multifatorial. Doenças cardiorrespiratórias (como a insuficiência cardíaca, a cardiopatia isquémica ou a doença pulmonar obstrutiva crónica), músculo-esqueléticas (fraturas, artrose, deformidades, doenças reumatológicas), neurológicas (acidente vascular cerebral, neuropatias periféricas, demência), psiquiátricas (depressão), neoplásicas, alterações neurossensoriais (amaurose, surdez), envelhecimento, desnutrição, internamentos prolongados, intervenções cirúrgicas, iatrogenia medicamentosa, isolamento social e inadequação do espaço físico poderão ser algumas das causas de imobilidade prolongada.

Doentes com patologias crónicas e idosos estão mais susceptíveis aos efeitos adversos da imobilidade ou inatividade, quando comparados com indivíduos previamente saudáveis, e esses efeitos raramente se restringem a um único sistema ou órgão. (2)

Muitas destas complicações podem ser facilmente prevenidas e tratadas, desde que identificadas atempadamente. (5) Importa não só reconhecer o momento em que os efeitos negativos da imobilidade ultrapassam os objetivos terapêuticos, como estabelecer estratégias preventivas precoces. Aliás, a prevenção das sequelas de imobilismo é um dos princípios base de qualquer programa de reabilitação.

 

3 – Consequências multissistémicas da imobilidade - Os efeitos deletérios da inatividade podem ser agrupados no termo “descondicionamento” que define a perda de capacidade funcional multiorgânica. (2)

 

3.1 Sistema músculo-esquelético - Os efeitos mais evidentes da imobilidade verificam-se ao nível do sistema músculo-esquelético, com inevitável deterioração do prognóstico funcional e da qualidade de vida do doente. (6)

 

3.1.1 - Diminuição da mobilidade articular - A mobilidade articular depende da articulação propriamente dita e dos tecidos moles periarticulares. A ausência de movimento em todo o arco articular, geralmente de causa multifatorial, associa-se a uma progressiva limitação da mobilidade devido à retração cápsulo-ligamentar e músculo-tendinosa e à infiltração fibroadiposa dos espaços de deslizamento. A deposição de colagénio no tecido conjuntivo periarticular (tendões, ligamentos, cápsula articular), com encurtamento e desorganização das fibras, diminui as propriedades viscoelásticas dos tecidos. Músculos imobilizados numa posição de encurtamento (extensores em extensão máxima ou flexores em flexão máxima) perdem 40% do número inicial de sarcómeros com consequente perda funcional e rigidez. (7) Os músculos biarticulares estão particularmente sujeitos a encurtamentos durante a imobilização. Assim, posicionamentos incorretos no leito podem levar a graves deformidades nos doentes acamados, sobretudo em membros colocados em posições de encurtamento. (2)

A perda de mobilidade articular é mais expressiva quando se associa a patologia articular degenerativa ou inflamatória ou a outras doenças que aumentem o risco de limitação articular em múltiplos planos de movimento (esclerodermia, queimaduras, diabetes mellitus). Em músculos desenervados (sem força de oposição aos seus antagonistas) ou espásticos, os desequilíbrios dinâmicos potenciam a perda de imobilidade. Nos idosos, a perda da mobilidade articular por inatividade surge mais precocemente e com maior gravidade, até porque se associa ao aumento relativo da proporção de tecido conjuntivo e à perda de fibras musculares inerentes ao próprio envelhecimento. A perda de mobilidade articular traduz-se em dificuldades na realização de atividades de vida diária (como higiene e autocuidados), incluindo a deambulação, aumenta o risco de úlceras de pressão, atrasa a alta hospitalar, e é frequentemente dolorosa.

A prevenção da limitação articular contempla:

* Minimizar o tempo de acamamento, promovendo a rápida verticalização

* Mobilizar precocemente os segmentos inativos (mobilização ativa, ativa assistida e passiva, segundo critérios decorrentes do exame clínico), diariamente, por sectores funcionais, por curtos períodos de tempo

* Promover um posicionamento articular correto (posições funcionais de imobilização)

* Almofadas e ortóteses de posicionamento

O tratamento de limitações articulares já instituídas pode incluir:

* Mobilização articular ativa e ativa assistida nos diferentes planos do movimento articular

* Mobilização articular passiva e estiramento músculo-tendinoso

* Posicionamentos articulares e ortóteses de correção

* Agentes de termoterapia (calor superficial), técnicas cinesiológicas e fármacos (miorrelaxantes, analgésicos, outros)

* Eventual intervenção cirúrgica (libertação de processos vibroadesivos, tenotomias,)

3.1.2 - Diminuiao ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o propriamente dita e(ção da força e da resistência muscular - No tecido muscular a imobilidade determina genericamente diminuição da força muscular (força resistência, força velocidade, força máxima), atrofia muscular e perda de flexibilidade. A atrofia muscular (atrofia de desuso) caracteriza-se por diminuição do tamanho das fibras musculares e redução da massa muscular, como consequência da inatividade e da descarga. Pode ser generalizada ou localizada aos membros imobilizados e é proporcionalmente maior nos músculos antigravitários. A perda muscular torna-se rápida e evidente após 48 horas de imobilidade; após 10 dias essa perda é superior a 50%. Após 14 dias de imobilização, a síntese proteica muscular diminui para 50% do valor de base (8) e é a principal causa da perda muscular. A taxa de recuperação da atrofia de desuso é muito mais lenta que a taxa de perda. (5)

A perda muscular é geralmente rápida e dramática. Um músculo completamente em repouso perde 10 a 15% da sua força a cada semana (5), o que significa que após 3 a 5 semanas de imobilização, a força muscular diminui para cerca de metade. A perda de força é proporcionalmente maior que a redução de tamanho do respetivo músculo e é mais proeminente nos membros inferiores do que nos membros superiores.

As principais causas de perda de força e de resistência muscular por desuso é a redução do número de miofibrilhas por volume de fibra, redução no número e dimensão das mitocôndrias e redução de sarcómeros. Aliás, a perda de força isométrica é proporcional à perda de sarcómeros em paralelo (proporcionalmente superior à perda de sarcómeros em série). (9)

A redução da resistência (endurance) e a fatigabilidade devem-se à diminuição da síntese proteica e da função oxidativa enzimática e à produção prematura de energia anaeróbia com acumulação de ácido láctico. (10) Contrações musculares inferiores a 50% da capacidade máxima por longos períodos de tempo alteram a síntese proteica e diminuem as reservas de ATP e glicogénio com consequentes alterações na atividade metabólica muscular e na circulação microvascular. O descondicionamento cardiovascular (mais precoce que o declínio muscular) agrava a atenuação do suprimento de oxigénio por diminuição da capacidade de extração de oxigénio ao sangue associada à diminuição do fluxo sanguíneo muscular, afetando negativamente o VO2máx (volume máximo de oxigénio). (2) (10)

A perda de resistência muscular está também relacionada com alterações na composição das fibras musculares já que se verifica uma maior redução percentual da formação de fibras oxidativas. (10) Esta perda preferencial da atividade aeróbia (sobretudo no tronco e membros inferiores), tão importante no desempenho postural e em atividades de vida diária, interfere particularmente com a independência funcional.

Pode ainda ocorrer perda de diferenciação e qualidade cinesiológica dos diferentes tipos de mecanorecetores (sobretudo em lesões neurológicas ou em imobilizações pós-traumáticas) que alteram o retrocontrolo propriocetivo e agravam a perda funcional.

A perda de força muscular pode ser prevenida com contrações musculares diárias superiores a 20% da força máxima. Para manter a capacidade aeróbia, é necessário realizar exercícios de resistência entre 60 a 80% do VO2máx, pelo menos 3 vezes por semana. No caso de perda muscular já instituída, devem ser preconizadas contrações entre 30 a 50% da força máxima durante 3 a 5 minutos, 3 vezes por semana, por grupo muscular, isométricas ou isotónicas. O exercício aeróbio de crescente intensidade e duração, sobretudo para os músculos dos membros, deve ser prescrito durante pelo menos 2 meses, para recuperar e melhorar o condicionamento físico. Devem também ser realizados exercícios de alongamento muscular diário durante 30 minutos. A verticalização e a carga devem ser introduzidas de forma precoce.

 

3.1.3 - Diminuição da densidade mineral óssea - A perda progressiva de massa óssea por desuso, identificada em indivíduos acamados e em astronautas, deve-se à ausência de atividade muscular e tendinosa e à ausência de ação da gravidade. A descarga prolongada, durante várias semanas, causa perda mineral óssea trabecular e endosteal (e mais tardiamente cortical). O fator predominante parece ser o aumento da taxa de reabsorção óssea, com balanço mineral negativo, perda óssea de cálcio superior a 200 mg/dia, hipercalciúria e elevação da hidroxiprolinúria. Sabe-se que na presença de patologia neurológica há uma perda acrescida de densidade mineral óssea.

Neste sentido, importa limitar o tempo de acamamento, promovendo a rápida verticalização. Deve iniciar-se com elevação progressiva do plano do leito, seguida de transferência do leito para cadeira e desta para a posição vertical. O plano inclinado, uma ajuda técnica que permite ajustar diariamente o ângulo de verticalização, pode ser utilizado para um condicionamento progressivo das respostas posturais. A aquisição do equilíbrio de tronco é um elemento decisivo para a retoma da marcha. O trabalho muscular dinâmico, particularmente isotónico concêntrico, deve também ser introduzido precocemente. A verticalização, com introdução da carga axial, e o treino de marcha atrasam a perda mineral óssea, reduzem a patologia da imobilidade e aumentam a independência funcional, a participação e a qualidade de vida.

 

3.2 Sistema cardiovascular - As alterações da função cardiovascular induzidas pela imobilidade podem ser agrupadas no termo “síndrome de adaptação cardiovascular”. Uma das principais consequências é a incapacidade do sistema cardiovascular se adaptar à posição ortostática, que, em indivíduos saudáveis, é completa após 3 semanas de acamamento. Surge hipotensão postural que se traduz clinicamente por cefaleias, náuseas, tonturas, vertigens, aumento da frequência cardíaca (> 20 batimentos/minuto) e redução da pressão sistólica (> 20 mmHg) durante a verticalização. A frequência cardíaca de repouso aumenta 1 batimento/minuto a cada 2 dias de acamamento, levando a taquicardia de repouso e aumento anormal da frequência cardíaca em esforço. (2) A verticalização também aumenta a frequência cardíaca, proporcionalmente à duração do tempo de imobilização. Além disso, a vasoconstrição fisiológica periférica que ocorre normalmente durante a verticalização, está diminuída ou ausente após acamamento prolongado e a resposta simpática ao levante pode estar alterada. O volume de ejeção pode diminuir até 15% após 2 semanas de imobilidade, em provável relação com a diminuição de volume circulante por diminuição da pressão hidrostática e da produção de hormona antidiurética. A diminuição do débito cardíaco associada à diminuição da utilização periférica de oxigénio justificam a redução do VO2máx.

A imobilidade aumenta a trigliceridémia e diminui as lipoproteínas de alta densidade (HDL) e a apolipoproteína A1, contribuindo para aumento do risco cardiovascular.

Com a imobilidade observa-se também um aumento da viscosidade do sangue e da estase venosa, com possibilidade de fenómenos tromboembólicos. A tromboembolia pulmonar é uma causa importante de morte no doente institucionalizado em acamamento prolongado e cursa com dispneia súbita, taquipneia, taquicardia e dor torácica, exigindo uma intervenção médica imediata.

Medidas preventivas a ser instituídas incluem a mobilização articular e o fortalecimento muscular precoces (em decúbito e em ortostatismo) e deambulação progressiva. O fortalecimento muscular isotónico abdominal e dos membros inferiores ajuda a reverter a estase venosa. Pode recorrer-se a corrente excitomotoras para promover contração muscular. A prevenção de fenómenos tromboembólicos inclui contenção elástica dos membros inferiores e outros métodos de compressão externa, prescrição de anticoagulantes, vigilância regular do perímetro da perna (para detecção precoce de assimetrias de instalação aguda que poderão sugerir trombose venosa profunda) e exercício ativo.

 

3.3 - Sistema respiratório - Entre as principais alterações pulmonares decorrentes da imobilidade prolongada estão a diminuição da capacidade vital e da reserva funcional respiratória, fraqueza muscular do diafragma e músculos intercostais, diminuição da mobilidade torácica (costovertebral e costocondral) e diminuição da eficácia da tosse, diminuição da atividade mucociliar e dificuldade na eliminação das secreções brônquicas, que determinam consequências na relação ventilação/perfusão e maior probabilidade de infeções respiratórias (sobretudo nas bases e lobos posteriores) e formação de atelectasias.

Torna-se prioritário a introdução de medidas, genericamente organizadas no âmbito da cinesiterapia respiratória, incluindo mobilização torácica (ativa e ativa assistida), alternância de decúbitos, fortalecimento do diafragma e dos músculos intercostais, reeducação dos tempos respiratórios, aerossoloterapia (soro fisiológico, broncodilatador, fluidificante de secreções, outros), drenagem postural, percussão e vibração torácicas, tosse assistida e tosse dirigida e aspiração orotraqueal de secreções.

 

3.4 - Metabolismo - A imobilidade prolongada condiciona alterações no metabolismo orgânico, salientando-se pela sua importância:       

* Redução da massa magra e aumento da massa gorda

* Redução da síntese proteica / balanço azotado negativo

* Intolerância à glicose e insulinorresistência, diretamente proporcional ao tempo de acamamento, que pode ser parcialmente melhorada com exercícios isotónicos (mas não isométricos) de grandes grupos musculares

* Hipercolesterolemia LDL

* Elevação sérica da hormona paratiroide   

* Disfunção adrenocorticóide

* Disfunção na produção de catecolaminas e indolaminas

* Hiponatrémia, hipocaliémia, hipercalcemia e hipercalciúria, hiperfosfatémia e hiperfosfatúria.

 

3.5 - Sistema gastrointestinal - Ao nível gastrointestinal verifica-se uma redução do apetite, diminuição da absorção, aumento do tempo de trânsito e refluxo gastroesofágico (por alteração do tempo de relaxamento do esfíncter esofágico inferior e estase gástrica), podendo ocorrer malnutrição e hipoproteinémia.

A obstipação é uma complicação multifatorial frequente da imobilidade, relacionada com a inibição adrenérgica da motilidade e da contração dos esfíncteres, diminuição do volume plasmático e desidratação, impossibilidade de adotar a postura adequada para a defecação e questões sociopsicológicas.

Medidas de prevenção e tratamento incluem ingestão hídrica adequada, dieta alimentar rica em fibras, fármacos modificadores da motilidade intestinal e treino intestinal.

 

3.6 Sistema génito-urinário - No doente acamado, a posição supina, a diminuição da pressão intra-abdominal e a fraqueza muscular abdominal contribuem para um esvaziamento vesical incompleto, aumentando a probabilidade de formação de cálculos e de infeções urinárias. A litíase renal pode ser observada em 15 a 30% dos doentes acamados e os cálculos mais comuns são os de estruvite e carbonato de apatite. A infeção do trato urinário está entre as infeções associadas aos cuidados de saúde mais frequentes em muitas instituições, e associa-se à colocação da sonda vesical em 70-80% dos casos, sendo a duração da algaliação um fator importante. (13)

Os principais elementos de prevenção das complicações urinárias no âmbito das sequelas da imobilidade são a hidratação adequada, micção em posição supina, assepsia na instrumentação, minimização da duração da algaliação (ou, se não for possível, substituiao regular uire que se justifiapletos com  duraçntes acamados e geralmente completo com a micçção regular da sonda), promoção de esvaziamentos vesicais completos e avaliação ecográfica dos volumes residuais. Pode justificar-se a realização de um estudo urodinâmico. Deve ser definido um treino vesical adequado.

 

3.7 - Alterações cognitivo-comportamentais - De uma forma sucinta, as principais alterações são desorientação temporo-espacial, deterioração cognitiva, alterações da memória, ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono, depressão e redução do limiar de tolerância à dor. O isolamento social e a privação de estímulos sensoriais afeta negativamente o prognóstico funcional.

 

3.8- Revestimento cutâneo - A úlcera de pressão é uma lesão localizada na pele e tecidos subcutâneos, geralmente sobre uma proeminência óssea, que resulta da pressão e fricção sobre determinada superfície durante um período de tempo prolongado. (14) É uma consequência grave do acamamento, associada a agravamento do estado geral e atraso na retoma funcional, mas que pode ser prevenida, surgindo mesmo em muitos protocolos de gestão de qualidade de instituições de saúde como indicador de negligência nos cuidados prestados ao doente.

Os dados epidemiológicos portugueses mais recentes reportam uma prevalência média de úlceras de pressão de cerca de 11,5%. (15)

Os principais fatores para o desenvolvimento de úlceras de pressão contemplam:

* Pressão aplicada sobre determinada região anatómica que compromete a circulação local, causando inicialmente hiperémia reativa e posteriormente oclusão e isquémia

* Fricção (componente de forças paralelas à superfície da pele  que agrava os efeitos da pressão nos tecidos

* Superfície corporal com reduzido almofadamento, geralmente sobre proeminências ósseas (ex: regiões sagrada, trocantérica, isquiática, calcaneana, maleolar e processos espinhosos vertebrais)

* Microambiente local da pele (temperatura, humidade, pH)

* Estado nutricional; o doseamento de proteínas séricas totais inferior a 6,4g/dL ou de albumina inferior a 3,5g/dL está associado ao desenvolvimento de úlceras de pressão (2)(16)

* Patologias concomitantes com alterações vasculares (como a diabetes mellitus), alterações motoras, atrofia muscular, alterações sensitivas, anemia, entre outras.

O risco de desenvolvimento de úlceras de pressão pode ser estimado utilizando instrumentos métricos. A escala de Norton (Norton Scale for assessing the risk of pressure ulcers) é um dos mais utilizados e considera cinco fatores (condição física, estado mental, atividade, mobilidade e incontinência) que são pontuados de 1 a 4; um total igual ou inferior a 14 indica risco de desenvolvimento de úlcera de pressão. A escala de Braden é um instrumento validado em Portugal que contempla seis parâmetros de avaliação (percepção sensorial, humidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção e cisalhamento), e classifica os doentes em risco baixo ou alto com cut-off de 16 e 22 no adulto e na criança, respectivamente.

A avaliação da úlcera de pressão deve incluir registos e basear-se nas características da lesão (dimensões, profundidade, irregularidade). A escala de estadiamento mais utilizada é o Staging System da National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP).

A abordagem das úlceras de pressão assenta em três objetivos principais: promoção da cicatrização, prevenção de infeção e prevenção de recorrência.

As medidas preventivas devem contemplar entre outras as seguintes estratégias:

* Vigilância 1 a 2 vezes/dia das zonas de pressão particularmente nas áreas anatómicas mais susceptíveis

* Posicionamentos adequados e alternância de decúbitos de 2 em 2 horas

* Colchão anti-escaras e almofadas de posicionamento adequadas

* Cuidados de higiene no leito; migalhas, urina, fezes ou outros resíduos promovem a maceração cutânea e aumentam o risco

* Diagnóstico e eventual correção de patologias concomitantes

* Minimização do tempo de acamamento, verticalização precoce com estimulação da funcionalidade global

* Formação de profissionais de saúde e ensino aos cuidadores

No caso de existência de uma zona de pressão com eritema cutâneo (fase inicial e reversível de desenvolvimento das úlceras de pressão), deve promover-se o imediato reposicionamento do doente retirando pressão do referido segmento, massagem manual da zona e restantes medidas preventivas. A existência de lesão exige a introdução de terapêutica conservadora ou cirúrgica.

 

4 - Bibliografia

1.       Bartels M, Prince D. Acute Medical Conditions. In: Braddom’s Physical Medicine and Rehabilitation 5th Ed. Chapter 27. Elsevier; 2016.

2.       Halar E, Bell K. Physical Inactivity: Physiological and Functional Impairments and Their Treatment. In: DeLisa’s Physical Medicine & Rehabilitation: Principles and Practice. 5th Ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2010.

3.       Dittmer D, Teasell R. Complications of immobilization and bed rest. Part 1: Musculoskeletal and cardiovascular complications. Canadian Family Physician. 1993;39:1428-37.

4.       Kottke FJ. The effects of limitation of activity upon the human body. JAMA. 1966;196(10):825–830.

5.       Cameron M et al. Physical Rehabilitation: Evidence-based examination, evaluation and intervention. Saunders; 2007.

6.       Cuccurullo S et al. Physical Medicine and Rehabilitation Board Review 2nd Ed. Demos Medical; 2010.

7.       Spector SA, Simard CP, Fournier M, et al. Architectural alterations of rat hind-limb skeletal muscles immobilized at different lengths. Exp Neurol. 1982;76(1):94-110.

8.       Ferrando AA, Lane HW, Stuart CA, et al. Prolonged bed rest decreases skeletal muscle and whole body protein synthesis. Am J Physiol. 1996;270:E627-633.

9.       Narici MV, Maganaris CN. Plasticity of the muscle-tendon complex with disuse and aging. Exerc Sport Sci Rev. 2007;35(3):126-134.

10.    Ferreti G, Antonutto G, Denis C, et al. The interplay of central and peripheral factors in limiting maximal O2 consumption in man after prolonged bed rest. J Physiol. 1997;501:677-686.

11.    Downey RJ, Weissman C. Physiological changes associated with bed rest and major body injury. In: Physiological Basis of Rehabilitation Medicine 3rd Ed. Butterworth-Heinemann; 2001:449-484.

12.    Pinheiro J, Figueiredo P, Januário F. Reabilitação no idoso. In: Geriatria fundamental – Saber e Praticar, 2014;365-374.

13.    Lo E, Nicolle L, Coffin S, Gould C, Maragakis L, Meddings J, et al. Strategies to Prevent Catheter-Associated Urinary Tract Infections in Acute Care Hospitals: 2014 Update. SHEA/IDSA practice recommendation. Infection control and hospital epidemiology. 2014;35(5).

14.    Reddy M, Gill SS, Rochon PA. Preventing pressure ulcers: a systematic review. JAMA 2006;296:974.

15.    Ferreira P, Miguéns C, Gouveia J, Furtado K. Risco de desenvolvimento de úlceras de presssão: implementação nacional da escala de Braden.Lusodidacta; 2007.

16.    Langer G, Fink A. Nutritional interventions for preventing and treating pressure ulcers. Cochrane Database Syst Rev 2014;6:CD003216.

 

15 de out. de 2023

Capítulo 5 - As técnicas cinesiológicas. A mobilidade articular, a massagem manual e o fortalecimento muscular

 

Capítulo 5 - António Azenha, António Araújo, João Páscoa Pinheiro

Técnicas cinesiológicas. A mobilidade articular e trabalho de flexibilidade. A massagem manual. O fortalecimento muscular.

 

1 - Principais objetivos formativos.

·       Mobilidade articular e trabalho de flexibilidade; a fisiologia da mobilidade articular, tipos de mobilidade, efeitos biológicos e técnicas de flexibilidade músculotendinosa.

 

·       Massagem terapêutica; princípios gerais, efeitos biológicos, indicações clínicas e técnicas de massagem.

 

·       O fortalecimento muscular; princípios gerais, técnicas de fortalecimento e limites.

 

2 – Mobilidade articular e trabalho de flexibilidade - A amplitude de uma articulação deve ser referenciada segundo um plano de movimento. São referidos o plano frontal (movimentos de abdução - adução), o sagital (movimentos de flexão - extensão) e o horizontal (movimentos de rotação medial e lateral). Outros movimentos, tais como a pronação, a supinação, a inversão, a eversão, entre outros percorrem sectores angulares mais complexos.

Existem diferentes formas de classificar uma articulação, tanto na perspectiva anatómica como funcional. A classificação anatómica propriamente dita valoriza a estrutura e os componentes articulares (articulações sinoviais, cartilagíneas, fibrosas); a classificação funcional concretiza mais a disponibilidade funcional (articulações diartroses / móveis; anfiartroses / semi-movéis e sinartroses / rígidas). (1)

Quanto à flexibilidade refere-se a capacidade física responsável pela execução de movimentos de amplitude máxima, dentro dos limites morfológicos que depende tanto da elasticidade muscular como da mobilidade articular. A flexibilidade também pode ser definida como a capacidade de variação do comprimento de um tecido por unidade de força aplicada.

Esta qualidade tissular é individual e específica para cada articulação, sendo máxima durante a infância, reduzindo-se para níveis mínimos durante a adolescência, aumentando posteriormente até ao início da idade adulta, embora sem tornar a atingir os valores observados na infância. (2)

A flexibilidade representa uma aptidão motora importante tanto no desempenho atlético, como na execução das atividades de vida diária. É considerada também um fator suscetível de promover relaxamento e analgesia, de prevenir lesões e de aumentar o rendimento na prática de diferentes atividades motoras. (3)

 

2.1 - Tipos de mobilização articular - A mobilização pode ser classificada em global ou específica, ativa ou passiva, e ainda em estática ou dinâmica. A mobilização global é observada em todos os movimentos englobando todas as articulações; a específica refere-se apenas a um ou alguns movimentos realizados em determinadas articulações.(2) A maior amplitude de movimento possível de uma articulação, obtida pela contração do músculo é denominada mobilização ativa. Já a passiva é a maior amplitude de movimento possível da articulação obtida por meio de forças externas, independentes do índividuo. O corpo humano disponibiliza diferentes tipos de mobilidade nas atividades de vida diária e nas atividades desportivas, mas a mobilidade ativa, dentro de limites considerados funcionais, é a mais utilizada.(1)

Outras amplitudes podem ser consideradas tais como a subluxação e a luxação.

Nas articulações sinoviais, articulações por definição móveis, existem diferentes elementos que podem justificar um determinado padrão de mobilidade, a referir:

- As características das superfícies articulares, epífises e cartilagem hialina de revestimento (forma, orientação, integridade estrutural) e a tensão capsular e ligamentar (factores passivos).

- A organização e biomecânica das estruturas musculares e tendinosas e a actividade proprioceptiva / mecanorreceptiva (factores activos); a actividade muscular voluntária e o retro-controlo proprioceptivo são elementos decisivos na programação da actividade motora. (4)

 

2.2            - Fatores limitantes da mobilização articular - A mobilização depende de diversas propriedades mecânicas e neurofisiológicas do tecido contráctil e não contráctil. A mobilidade articular é determinada pelas estruturas que a compõem, nomeadamente ossos, cápsula articular, tendões, ligamentos, músculos, fáscias, tecido adiposo e pele. Alguns parâmetros influenciam os graus de flexibilidade, como a idade, sexo (o feminino tem maior flexibilidade do que o masculino), individualidade biológica, condição física (maior nos atletas em relação aos sedentários), respiração e concentração, a temperatura e a hora do dia. Os segmentos dos membros superiores apresentam habitualmente mais mobilidade que os segmentos dos membros inferiores. Dentro dos fatores que mais limitam os níveis de amplitude articular, tanto na mobilidade ativa como na passiva, destaca-se o envelhecimento, causando mudanças músculo-esqueléticas e fisiológicas determinantes na perda de mobilidade. (1)

A imobilização prolongada, decorrente de um processo patológico, tal como o acamamento prolongado por doença debilitante, a colocação segmentar de um gesso ou mesmo a utilização de uma ortótese de estabilização, condicionam (em função do tempo de imobilidade) restrições na mobilidade articular ativa e passiva. O sedentarismo interpretado como uma restrição na prática de atividade física e de consumo calórico, torna-se cada vez mais uma razão forte de deterioração das mobilidades ativa e passiva. (3)

Alguns elementos fisiopatológicos, identificados como morbilidades, condicionam limitação da mobilidade de uma articulação (etiologias de natureza articular, peri-articular, músculotendinosa ou de causa mistas). Apresentamos alguns dos principais factores etiológicos na génese de uma limitação articular:

- As alterações das superfícies articulares (degenerativas, inflamatórias), tais como as verificadas na doença artrósica ou nas artrites (artrite reumatoide, espondiloartropatias, outras); independentemente da natureza construtiva ou destrutiva da entidade patogénica, existe uma perda progressiva de mobilidade articular.

- A patologia traumática capsular e ligamentar, por exemplo a entorse da articulação tíbiotársica ou do joelho fémurotibial; as alterações exudativas e cicatriciais podem por si só determinar restrição de um sector angular. De referir que a existência de sangue intraarticular (a hemartose) condiciona um risco acrescido de limitação articular.

- A patologia traumática do tecido ósseo, com soluções de continuidade do osso, identificadas como fractura. A existência de traço de fractura intra-articular, as alterações do alinhamento ósseo, as sequelas da imobilização ou da formação do calo ósseo podem condicionar os deficites de amplitude articular.

- Os corpos livres intra-articulares e os fragmentos osteocondrais (traumáticos ou degenerativos) devem ser considerados. A patologia osteocondral póstraumática é entendida como uma sequela que determina dor e limitação de amplitude articular.

- Os processos sinoviais reactivos de etiologia primária ou secundária a uma determinada agressão articular.        

- Os depósitos cálcicos intra-articulares ou peri-articulares; as calcificações de tecidos moles, como por exemplo na tendinopatia da coifa dos rotadores, associa-se a limitação de mobilidade nomeadamente da elevação lateral (abdução e rotação medial).

Ainda que a doença de deposição de cristais (cristais de carbonato de cálcio) com calcificação de estruturas articulares não seja uma causa frequente de limitação de mobilidade, algumas limitações podem ocorrer.

- As sequelas cirúrgicas (cicatrizes hipertróficas, artrofibrose, outras), associando períodos de imobilização prolongada, dor e exudação sinovial, podem ser razões para restrição grave de mobilidade articular.

- O síndrome de dor regional complexa, tanto de natureza primária como secundário a um traumatismo ou fratura são uma causa frequente de limitação de mobilidade articular.

- A contractura muscular, com aumento da actividade tónica dos músculos peri-articulares está habitualmente presente num contexto nociceptivo; a existência de dor, sinovite, derrame, aumento de pressão intra-compartimental justifica a existência de limitação da mobilidade articular.

- A patologia neurológica central ou periférica (força, tónus, coordenação), associando alterações da actividade motora com sequelas da imobilidade.

São frequentes limitações de mobilidade, tanto em articulações proximais como distais do esqueleto apendicular, nos doentes com hemiparesia por acidente vascular cerebral, nas alterações do tónus (espasticidade) da doença desmielinizante ou na rigidez do doente extra-piramidal.

- As sequelas da imobilidade, em patologias que condicionam o acamamento prolongado (exemplo: pancreatite, pneumopatia, fractura proximal do fémur, …), associam diferentes morbilidades, idade avançada, obesidade…, factores que levam a uma deterioração da mobilidade e da resposta motora. (1,4,6)

 

A limitação da mobilidade articular (activa ou passiva) determina diferentes perturbações nas actividades de vida diária, com marcado prejuízo na intervenção no meio ambiente.

Nos grupos etários mais avançados, onde diferentes morbilidades co-existem, a manutenção da mobilidade articular é um dos elementos mais sensíveis na valorização da qualidade de vida; as populações mais móveis são mais saudáveis, consomem menos fármacos e têm melhor qualidade de vida (estado de saúde, função e inter-acção social).

No membro superior, condicionando diferentes prejuízos nas actividades que exijam o transporte ou a manipulação de objetos. No tronco determinando limitações na expansão da grelha costal, na mobilidade raquídea e nas actividades posturais. No membro inferior, condicionando preferencialmente a deambulação (marcha fisiológica, utilização de degraus, rampas, …). (1)

 

As técnicas de aumento de amplitude e as técnicas cinesiológicas com realização de alongamentos estão indicadas para promover o aumentar de flexibilidade de uma articulação específica ou de um segmento corporal. Apesar das diferenças conceituais, amplitude articular, flexibilidade e alongamento estão diretamente relacionados, não se podendo abordar um sem considerar os outros. (5)

 

2.3  - Efeitos biológicos e indicações - O surgimento nos anos 80 dos exercícios de

alongamento, também designados de “stretching”, representou um grande progresso para a preparação física.

O alongamento é o termo utilizado para descrever os exercícios físicos que permitem manter ou melhorar a mobilidade articular e, portanto, a flexibilidade. Os exercícios de alongamento aumentam a extensibilidade dos tecidos moles e restauram o comprimento muscular por afetar as propriedades contrácteis da fibra muscular e pelas alterações viscoelásticas promovidas na unidade músculo-tendão. (4)

Com o passar dos anos, o nível de flexibilidade tende a diminuir e com isso aumentam os riscos de lesões (como distensões musculares), dores, problemas posturais, e a realização de atividades diárias. As técnicas de alongamento são utilizadas em pessoas sedentárias ou no imobilismo, em que o objetivo é manter uma mobilidade adequada às suas atividades de vida diária e aumentar o bem-estar. O treino de flexibilidade é também cada vez mais utilizado no contexto desportivo, tanto na preparação como no final dos treinos, em que, neste caso, se procura melhorar a mobilidade articular. (2)

Os exercícios de alongamento antes do esforço físico têm a finalidade de preparar o conjunto músculo-articular para efetivar o alcance habitual de movimento. Um músculo tenso com pouca flexibilidade está mais suscetível a distensão e inflamação. O alongamento pré-treino, além de aumentar o grau de flexibilidade muscular, é também útil como medida preventiva de lesões. O alongamento no final do treino tem por objetivo evitar o encurtamento muscular, que ocorre devido às fortes e sucessivas contrações musculares concêntricas ocasionadas pelo treino.  (6)

Em síntese, os exercícios de alongamento tendem a restabelecer e/ou aumentar a mobilidade articular e a reduzir tensões musculares, resultando numa melhor mecânica articular e sentido cinestésico. Esta técnica permite também o alívio de dores e irritabilidade causadas pelo stress muscular; a prevenção de lesões musculotendinosas, ao melhorar a elasticidade dos tecidos, o suprimento sanguíneo e ao auxiliar o aquecimento muscular, preparando as estruturas para exercícios mais intensos; evita as atrofias musculares verificadas no imobilismo e permite a restauração da flexibilidade no músculo lesado.

 

2.5 - Avaliação da mobilidade - A mobilidade pode ser avaliada através do goniómetro simples que permite medir o ângulo da articulação. No entanto, apresenta algumas limitações, como a impossibilidade de avaliar amplitudes dinâmicas e a sua difícil aplicação em certas articulações. (2)

O exame da mobilidade deve considerar a fisiopatologia do processo patológico (bem como eventuais comorbilidades) e valorizar (nos diferentes planos de movimento) as amplitudes activas e as amplitudes passivas. Importa considerar algumas condições:

- Todo o exame deve ser comparativo com o lado oposto; existem limites angulares considerados normais na espécie mas as variações individuais devem ser consideradas.            

- Importa ser objectivado com a goniometria; a quantificação objectiva permite valorizar as assimetrias bem como a evolução com o programa terapêutico.

- Deve considerar os aspectos inerentes à deficiência e a incapacidade; importa verificar o prejuízo funcional, particularmente direccionado a um conjunto de actividades de vida diária, profissionais e de lazer. 

A limitação de mobilidade é uma deficiência (s) e a suas consequências reportam-se ao desempenho de tarefas; esta identificação deve ser inerente ao exame clínico.

- Deve valorizar os sinais e sintomas associados, particularmente a dor, a contractura, o derrame articular sinovial e a rigidez (esta na patologia inflamatória). A dor é um dos elementos mais frequentemente associados à perda de mobilidade; dor e contractura estão frequentemente presentes na patologia do aparelho locomotor.

- Deve considerar a medição do perímetro muscular, comparativamente com o lado contra-lateral, facto relevante considerando o processo de “inibição muscular artrogénica” (perda de força muscular decorrente da nocicecão articular). (6)

 

2.6            - Flexibilidade - A flexibilidade é influenciada tanto pela participação mecânica dos componentes elásticos e inextensíveis da articulação, como pelo mecanismo de propriocepção. O tecido conjuntivo apresenta propriedades viscoelásticas. A componente viscosa permite um estiramento que resulta num alongamento permanente do tecido após a remoção da força aplicada (plasticidade). A componente elástica é responsável pelo alongamento temporário do tecido verificado após a aplicação de uma carga, retomando o seu comprimento inicial quando esta é removida (elasticidade).

A eficácia das técnicas de flexibilidade baseiam-se essencialmente na resposta neurofisiológica:

- Quando um músculo é alongado muito rapidamente, o fuso neuromuscular ativa-se aumentando a tensão muscular (reflexo miotático).

- Quando há contração excessiva de um músculo, há inibição reflexa desse mesmo músculo como mecanismo de proteção (inibição autogénica pelo reflexo miotático inverso).

- A ativação de um músculo inibe a ativação do seu antagonista (inibição recíproca).

 

2.7  - Propriocepção - A sensibilidade proprioceptiva é responsável pela perceção

consciente da posição dos segmentos anatómicos e do movimento articular. O sistema proprioceptivo também contribui para a modulação e coordenação da atividade do músculo estriado. O termo propriocepção designa, portanto um sentido de posição e de movimento, muito em função das aferências sensoriais originadas em estruturas cropusculares situadas mo músculo e em estruturas articulares.

Podemos distinguir diferentes níveis de organização no processamento da informação sensorial. Os recetores sensoriais periféricos representam a interface que vincula os estímulos sensoriais ao sistema nervoso; as vias de condução que transmitem e iniciam o processamento dessa informação; e centros superiores de integraçãoresponsáveis pela perceção sensorial. 

Os recetores sensoriais, denominados mecanorecetores, estão localizados nas articulações, tendões, músculos e pele. Os receptores de adaptação lenta (tónicos) são vocacionados para a deteção de posições da articulação, enquanto os de adaptação rápida são mais sensíveis (fásicos) à velocidade e aceleração dos movimentos articulares.

Os recetores cutâneos são ativados por diversos estímulos mecânicos, tais como pressão local, alongamento ou encurtamento da pele justa-articular (recetores de Merckel e Krausse). Os principais recetores articulares são as terminações de Ruffini (localização superficial, estáticos e dinâmicos) e os corpúsculos de Pacini (localização mais profunda, dinâmicos). As fibras aferentes articulares (tipo I e II) vão integrar o lemnisco medial, alcançando núcleos ventero-postero-laterais do tálamo e posteriormente o córtex cerebral, na região parietal. Existem dois tipos de recetores musculares e músculotendinoso, o fuso neuromuscular e os órgãos tendinosos de Golgi. Os fusos neuromusculares, localizados nos músculos estriados, são constituídos por filamentos tendinosos e por fibras musculares modificadas, denominadas fibras intrafusais agrupadas em feixes e envolvidas por uma cápsula de tecido conjuntivo. Os fusos neuromusculares são estirados ou encurtados simultaneamente com o músculo, podendo detetar as alterações do seu comprimento. Cada fuso é inervado por fibras sensoriais e motoras, sendo essa última inervação principalmente veiculada por motoneurónios γ (gama). Já as fibras musculares extrafusais recebem inervação de motoneurónios α (alfa).

A terminação periférica da fibra sensorial, enrolando- se em torno da região central de uma fibra intrafusal, forma uma estrutura denominada recetor anulo-espiral, cuja ativação ocorre pelo estiramento da fibra intrafusal.

Os órgãos tendinosos de Golgi localizam-se nas junções miotendinosas. São estimulados quando há tensão na junção musculotendinosa, como na contração ou no alongamento muscular prolongado. Eles respondem inibindo o desenvolvimento de tensão no músculo, promovendo o relaxamento. São inervados por fibras sensoriais do grupo Ib.

As informações fornecidas pelos fusos neuromusculares e cropúsculos de Golgi são utilizadas na organização da motricidade, que depende da atividade integrada de diversas regiões do sistema nervoso. No entanto, parte dessa organização motora é elaborada na própria medula espinhal, onde se originam uma série de respostas reflexas à ativação dessas vias sensoriais. (1,4)

 

2.8 - Técnicas de mobilização articular (aumento de amplitude) – Trata-se de um conjunto de procedimentos cinesiológicos, utilizados no âmbito clínico, como terapêutica para a manutenção de amplitudes ou para a retoma de mobilidade deteriorada por uma determinada morbilidade. (2)

 

2.8.1 - Mobilização articular activa - É dirigida especificamente à manutenção ou recuperação da mobilidade num determinado segmento articular (em um ou mais planos de movimento), com pressupostos técnicos objectivos (definição do sector angular, da posição de trabalho, dos tempos de trabalho e de repouso).    

Referimos algumas das características das técnicas activas, particularmente:

 

- Decorrem em amplitudes funcionais, são bem toleradas, não envolvem o risco de agressão dos tecidos articulares ou peri-articulares; a solicitação voluntária dos segmentos permite limitar a agressão nociceptiva.

- Interferem na mobilidade articular, solicitam as fibras musculares regionais e estimulam a actividade proprioceptiva (sentido cinestésico, controlo motor e estabilidade dinâmica).

 

- Importa ensinar e motivar o paciente e a família para a sua execução no domicílio, sobre prescrição e supervisão médica; o esclarecimento do doente, quanto aos objectivos pretendidos é um aspecto importante na adesão à terapêutica.

A exemplificação prévia da técnica e a entrega de um folheto ilustrado facilita a execução domiciliária; neste programa deve estar identificada de forma explícita a posologia.

 

Existem múltiplos programas de mobilização activa, dirigidos à patologia lombar e lombo-sagrada, à patologia degenerativa do joelho e da anca, à patologia tendinosa da coifa dos rotadores, às limitações inflamatórias raquídeas das espondiloartropatias, entre outros. A execução domiciliária destes programas é segura, sendo fundamental a motivação do paciente; a educação pelo médico é importante e o controlo em consultas de seguimento pode assegurar a sua eficácia.

O controlo telefónico para o domicílio pode ser um elemento importante de adesão terapêutica.

As técnicas activas podem ser activas simples, activas-assistidas, activas-resistidas, segundo a natureza do trabalho desenvolvido; nas técnicas activas assistidas a colaboração externa, permite um trabalho activo com um determinado grau de ajuda. As técnicas resistidas associam à mobilização articular a solicitação de unidades motoras de contracção voluntária. (1,2)

 

2.8.2 - Mobilização com facilitação neuromuscular proprioceptiva (pnf) - Estas técnicas utilizam diferentes conceitos neurofisiológicos no âmbito do controlo motor e do “feedback” proprioceptivo (estimulação dos diferentes mecanoreceptores); a estimulação proprioceptiva pretende obter uma resposta fisiológica específica, neste caso direccionada ao aumento de amplitude funcional de uma articulação ou complexo articular:

- Decorre com movimentos rectilíneos e esquemas de facilitação.

- Utiliza os conceitos de facilitação e inibição motora, sinergismo e irradiação selectiva, entre outros.

- Decorre em cadeias cinéticas (abertas, fechadas), com movimento em diferentes diagonais.

É um trabalho bem tolerado, desenvolvido em ambiente especializado, com riscos estruturais muito limitados; pressupõe a colaboração do paciente e um elevado nível de conhecimento e destreza técnica. Permite o aumento das amplitudes articulares, da coordenação motora e controlo do tónus; estimula também o recrutamento de unidades motoras (força e volume musculares). Decorrem em ambiente especializado e são integradas num programa de reabilitação funcional mais diferenciado. (2,6)

 

2.8.3 - As técnicas neurofisiológicas - São prescritas nas patologias neurológicas (primeiro neurónio) e pretendem estimular a mobilidade, controlar os distúrbios do tónus (espasticidade, actividade sincinética), da coordenação e solicitar a actividade motora).

Decorrem em ambiente especializado e (à imagem das técnicas de facilitação neuromuscular proprioceptivas) são integradas num programa de reabilitação funcional mais diferenciado.

Muitos dos pressupostos fisiológicos são controversos, bem como os procedimentos técnicos subjacentes; são no entanto técnicas a considerar na abordagem de patologias complexas tais como a reabilitação do acidente vascular cerebral, doença motora cerebral, esclerose múltipla, entre outras. (2,6)

 

2.8.4 - Mobilização articular passiva - Trata-se de um trabalho menos tolerado, com maiores riscos estruturais (acrescidos em patologias que associam problemas da sensibilidade, do controlo motor ou das funções mentais superiores); pressupõe que o técnico respeite as características estruturais das articulações, reduzindo os potenciais traumatismos tissulares.

Decorre entre as amplitudes funcionais e os limites anatómicos. Como pressupostos técnicos importa definir o plano e o sector angular, respeitar a dor, a anatomia e a biomecânica segmentar (limitando os riscos de agressão estrutural).        

As técnicas posturais (habitualmente utilizando o peso do segmento) e auto-passivas (o paciente é o motor da sua mobilização passiva) são melhor toleradas; o controlo clínico da dor e da contratura facilitam a execução da técnica.

Nas técnicas posturais passivas é frequente a associação de ortóteses ou gessos bivalves, para manutenção dos ganhos angulares conseguidos; a associação com agentes (físicos e farmacológicos) analgésicos e miorrelaxantes, facilita a tolerância clínica.

A mobilização passiva prescrita em doentes com alterações do estado de consciência ou com deficiências da sensibilidade / motricidade, deve revestir-se de cuidados acrescidos, considerando a ausência de controlo voluntário; o risco estrutural fica acrescido. (2,6)

 

2.8.6 - Controlo clínico / referências de qualidade - As principais referências clínicas de adequação técnica são a dor, a contractura, o derrame e a rigidez.        

Importa controlar regularmente o ambiente nociceptivo, particularmente a dor; as diferentes técnicas não devem promover dor durante a sua execução, algumas horas após o desempenho cinesiológico ou no dia seguinte (é improvável aumentar a amplitude articular associando dor e contratura muscular). Na patologia inflamatória importa ainda verificar a evolução da rigidez e da tumefacção articular (exsudação sinovial reactiva). Na patologia central, a modificação do tónus ou do controlo motor pode ser uma consequência da desadequação de prescrição. (1)

 

2.9 - Tipos de alongamento / trabalho de flexibilidade - Os exercícios de alongamento muscular / estiramento, incluem 3 fases a considerar:

- Tensão muscular – consiste em colocar em tensão o músculo alvo, permanecendo nesta posição cerca de 10 a 30 segundos.

- Relaxamento – relaxar durante 2 a 3 segundos.

- Extensão – estirar (o máximo possível) o músculo alvo, de forma lenta e progressiva, e permanecer 10 a 30 segundos nessa posição.

 

Os exercícios de alongamento devem ser sempre realizados após um aquecimento adequado, pois o aumento da temperatura muscular permite uma melhor extensibilidade dos tecidos. O aquecimento também minimiza a probabilidade de ocorrerem microtraumatismos nos tecidos moles durante o alongamento. Após os exercícios, a aplicação de gelo está indicada, diminuindo processos inflamatórios, permitindo que as estruturas estiradas recuperam numa posição alongada, minimizando a dor muscular. (3)

Tal como acontece com outras formas de exercícios, existem aspetos essenciais que determinam a eficácia do alongamento, nomeadamente o alinhamento e a estabilização do corpo durante o alongamento; a intensidade, duração, velocidade, frequência e modo de estiramento; e a integração da inibição ou facilitação neuromuscular durante os programas realizados (Tabela I).

FATORES DETERMINANTES DO ALONGAMENTO

Alinhamento

Posição do membro ou corpo de modo que o estiramento seja dirigido para o grupo de músculos apropriado

Estabilização

Fixação da inserção musculo-tendinosa proximal ou distal quando a força de estiramento é aplicada

Intensidade

Magnitude da força de alongamento aplicada

Duração

Tempo durante o qual a força de alongamento é aplicada

Velocidade

Velocidade aplicada inicialmente (lenta com aumento gradual)

Frequência

Número de sessões de alongamento por dia ou semana

Tipo de alongamento

Forma como a força é aplicada (estática, balística, passiva, manual)

 

Tabela I – Fatores determinantes do alongamento

 

O alongamento pode variar quanto ao posicionamento do indivíduo (sentado, ortostatismo, decúbitos) e quanto à técnica, tais como alongamento balístico, estático, PNF (Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva). Os exercícios de alongamento podem ser executados de uma forma passiva ou ativa.

A mobilização passiva caracteriza-se pela aplicação de forças externas (gravidade, terapeuta, dispositivo mecânico), não controladas pelo doente, sendo muito usada na reabilitação. A mobilização passiva manual pode ser definida como um gesto terapêutico realizado nos limites da amplitude fisiológica articular do doente. As técnicas de mobilização auto-passiva constituem uma fronteira entre as técnicas ativas e passivas, na medida em que os movimentos são executados pela acção de outros segmentos do doente. A força muscular do doente é o motor do movimento.

As técnicas ativas baseiam-se nos movimentos realizados pelo próprio indivíduo, sendo muito utilizado nos desportistas. A mobilização ativa livre envolve a produção, pelo próprio doente, de forças capazes de mobilizar os segmentos corporais interessados. Se essas forças são insuficientes, torna-se necessária a intervenção do terapeuta, designando-se a mobilização como ativa assistida. Esta é preferencialmente utilizada em casos de fraqueza muscular ou quando a dor inibe o movimento. Quando se opõe uma resistência suplementar ao movimento efetuado pelo doente, designa-se a mobilização como ativa resistida. (5)

 

2.9.1 - Alongamento estático - O alongamento estático é uma técnica frequentemente utilizada pela sua grande eficácia, facilidade de aplicação e reduzido risco de lesões. Consiste no alongamento de estruturas musculo-tendinosas, na sua extensão máxima e sua manutenção nesse ponto (15 a 30 segundos). O estiramento deve ser lento e progressivo de modo a impedir a tendência que o músculo apresenta para contrair, por ação do reflexo miotático. Pode ser realizado manualmente ou através de sistemas de roldanas, gessos, ligaduras ou talas. (2,6)

 

2.9.2 - Alongamento balístico - O alongamento balístico envolve movimentos pendulares, saltos, movimentos insistidos e movimentos rítmicos. Nesta técnica, o impulso de um segmento corporal é utilizado para gerar força, provocando um estiramento máximo levando o músculo a uma extensão limite. Este tipo de alongamento é brusco, de grande intensidade e de alta velocidade, sendo por isso menos seguro e podendo causar agressão tissular e lesão. Deverão se evitados em pessoas com história de patologia articular, não sendo por isso recomendados sistematicamente. (2,6)

 

 2.9.3 – Facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) - As técnicas de facilitação têm como objetivo tornar um movimento ou uma atividade mais fácil de executar, melhorando a resposta motora por estimulação neuromuscular, nomeadamente no âmbito proprioceptivo. O alongamento, aplicando PNF, combina técnicas de contracção e relaxamento de músculos agonistas e antagonistas. Teoricamente, a contração antes do alongamento leva a um relaxamento reflexo, por inibição dos fusos neuromusculares e activação dos OTG, obtendo-se assim maior amplitude de movimento. É o mais eficaz no ganho de amplitudes articulares, proporcionando também aumento da força muscular.

As técnicas de PNF permitem maiores ganhos na fase inicial do tratamento. As técnicas de PNF que combinam uma contracção dinâmica concêntrica do músculo antagonista (inibição recíproca do músculo-alvo) e uma contração estática (com inibição autogénica) do músculo-alvo. O alongamento do músculo-alvo deve ser feito a baixa velocidade, para evitar o reflexo de estiramento.

A técnica de PNF mais utilizada no alongamento é o “contrai-relaxa”. Este método é constituído por 4 fases. Inicialmente, a articulação a mobilizar é colocada numa posição próxima da amplitude extrema possível. Posteriormente, o indivíduo realiza uma forte contração muscular isotónica durante 4 a 6 segundos, desencadeando a inibição autogénica, ocorrendo relaxamento. A última fase consiste num alongamento lento e progressivo, realizado pelo terapeuta, com ganho de flexibilidade.

Outra técnica, o “segura-relaxa”, envolve a contração dos antagonistas dos músculos que se pretendem relaxar. Inicialmente, a articulação a mobilizar é colocada em posição próxima da amplitude extrema possível. Em seguida, o doente realiza uma forte contração isométrica dos músculos antagonistas, durante 4 a 6 segundos, desencadeando a inibição recíproca dos músculos agonistas. Finalmente, o doente relaxa, facilitado pelo reflexo miotático, e o terapeuta mobiliza passivamente a articulação, durante cerca de 8 segundos, com ganho de flexibilidade.

A técnica “estabilização-rítmica” envolve uma contração inicial do grupo agonista seguida da contração do grupo antagonista, período de relaxamento e posterior continuação passiva do movimento. A oposição ao movimento é conseguida por resistência manual. (4,6)

 

2.9.4 - Precauções e contraindicações do alongamento - Existem algumas precauções a serem tomadas na aplicação destas técnicas. Não se deve forçar uma articulação para além da sua mobilidade máxima. A flexibilidade varia entre os indivíduos. Devem ser adotadas precauções adicionais durante o alongamento em pessoas com osteoporose ou a tomar corticóides, após imobilização prolongada e em idosos. A duração, intensidade e frequência do alongamento devem aumentar gradualmente para minimizar o risco de lesões. Se o doente referir dor 24 horas após o exercício, deve-se pensar numa resposta inflamatória causada pela aplicação de uma força excessiva. O alongamento excessivo, além de não melhorar a performance nem diminuir o risco de distensão muscular, pode tornar-se prejudicial e levar a uma instabilidade articular (aumentando o risco de luxação) quando as estruturas de suporte da articulação e a força dos músculos articulares são insuficientes para manter uma coaptação articular adequada durante os exercícios. O alongamento está contraindicado na presença de dor, instabilidade articular, fraturas recentes, hematomas, osteoporose grave, processos infeciosos e inflamatórios. (1,2)

 

3 – A massagem manual - A massagem manual é um conjunto de manobras sistematizadas, aplicadas sobre os tecidos moles da superfície corporal, com motivações terapêuticas. (1,2)

A massagem é considerada uma das formas mais antigas de tratamento médico (2,5). A primeira descrição das várias modalidades de massagem foi publicada em 1780 na obra “Gymnastique Medicinale et Chirurgicale” pelo médico francês Joseph Tissot(2). A primeira definição oficial surgiu em 1948 “qualquer manobra manual ou mecânica mobilizando metodicamente os tecidos ou segmentos com fins estéticos, higiénicos, terapêuticos ou desportistas”. A definição atual apareceu em 1996, sendo a massagem definida como “manobra externa realizada em tecidos, com fins terapêuticos ou outros, de uma forma manual ou por intermédio de auxiliares, com ou sem uso de produtos, que comporta mobilização ou estimulação metódica, mecânica ou reflexa dos tecidos”. (8)

 

3.1 - Efeitos fisiológicos - Os efeitos biológicos constatados (mecânicos, reflexos, neurogénicos e psicogénicos) estão essencialmente dependentes das características técnicas (nomeadamente ritmo, duração, direção e pressão) e da região a massajar. (1,2,9)

A analgesia é o efeito mais pretendido. (1,7) Localmente, a massagem aumenta o limiar de captação da mensagem nociceptiva por parte das terminações livres e outros recetores, aumentando assim o limiar para a estimulação dolorosa.(1,2,9) Em termos loco-regionais, a manipulação sistematizada dos mecanorecetores propriocetivos determina um bloqueio medular da dor também denominado bloqueio porta. (1)

A nível cutâneo há estimulação das camadas basais. As glândulas exócrinas sudoríparas e sebáceas são ativadas. A massagem conduz a uma melhoria da flexibilidade cutânea, facilitação da passagem transcutânea de substâncias lipossolúveis e degradação dos processos fibróticos / fibro-adesivos decorrentes da atividade inflamatória. (7,9,10,11) Ocorre também um efeito térmico devido ao atrito manipulativo, determinando uma estimulação metabólica e um aumento do trofismo tecidular, sendo este efeito frequentemente pouco valorizado (1,9).

A nível muscular a massagem tanto aumenta a excitabilidade nervosa como pode promover o relaxamento musculotendinoso, modificando o reflexo tónico vibratório (9,10). Estimula os mecano-recetores, facilitando a elaboração e coordenação do gesto desportivo. No músculo normalmente inervado causa relaxamento associado a um aumento no comprimento do músculo. A fadiga é aliviada mais rapidamente quando se associa a massagem ao repouso. A infiltração fibroadiposa tende a ocorrer na imobilização prolongada, na lesão muscular e em músculos desinervados. O objetivo da massagem nestes casos é impedir a formação de aderências. (9,11)

No sistema circulatório ocorre aumento da drenagem venosa e linfática. Estes efeitos decorrem directamente da intervenção mecânica exercida sobre os tecidos moles e indiretamente da vasoconstrição inicial seguida de uma vasodilatação progressiva, que geram uma hiperémia reativa. Ocorre também um aumento do fluxo sanguíneo na microcirculação, da hemoglobina e dos valores eritrocitários no sangue circulante e um aumento limitado, mas definido, na capacidade de oxigenação do sangue após algumas formas de massagem.(7) Alguns estudos referem que a massagem provoca diminuição da viscosidade sanguínea. (2)

Existem também efeitos psicológicos, indissociáveis do contacto interpessoal decorrente da técnica manual. (11)

Outros efeitos descritos são, a nível respiratório, a mobilização das secreções broncopulmonares e o fortalecimento dos músculos respiratórios. A nível urinário a constrição da musculatura lisa e eliminação da urina por ação reflexa; mobilização do conteúdo intestinal por estimulação da musculatura lisa, estimulação das funções viscerais e sexual, redução da tensão arterial e diminuição da frequência cardíaca. (2)

Sintetizando toda esta diversidade de capacidades terapêuticas, a massagem apresenta efeitos:

- Mecânicos, nos tecidos de revestimento cutâneo. Ocorre aumento da elasticidade e extensibilidade dos tecidos, cicatrizes e aderências; estimulação da circulação linfática e sanguínea; relaxamento de contracturas musculares; vasodilatação; normaliza a atividade metabólica.

- Reflexos, nos tecidos do sistema nervoso, linfático, circulatório, articular, visceral e muscular. Permite relaxamento (ação sedativa por produção de endorfinas); analgesia; aumento da microcirculação; equilibra o sistema nervoso vegetativo.

- Psicológicos, com relaxamento; sensação de bem-estar; analgesia.

 

3.2  – Indicações clínicas (1,2,8,10) - As indicações clínicas da massagem são diversas, sendo prescrita em patologias do foro reumatológico, ortotraumático, neurológico, cardiovascular, pneumológico, pediátrico, psiquiátrico, geriátrico bem como associada à prática desportiva, fazendo parte do aquecimento pré-treino, bem como após o esforço de competição, na fase de recuperação.

Está indicada no tratamento do edema de estase, na prevenção das aderências e aumento de flexibilidade das cicatrizes, no tratamento da dor crónica e da contratura particularmente na dor raquídea da coluna lombar ou cervical. Também é utilizada no controlo da espasticidade, aplicada aos músculos antagonistas dos segmentos hipertónicos. Nos queimados é utilizada na fase de cicatrização para prevenir aderências e melhorar a flexibilidade cutânea. No síndrome do imobilismo é benéfica por melhorar a circulação venosa, estimular a função sensitiva da planta dos pés, reduzir a dor muscular e melhorar o trânsito intestinal. No desporto é utilizada antes do esforço para estimular os músculos e após o esforço com efeito sedativo e de relaxamento, assim como promovendo a remoção dos catabolitos (lactato) e edema intersticial. Na doença oncológica é normalmente prescrita pelo seu efeito psicogénico.

Poderá ser utilizada como um agente preparatório de outros procedimentos cinesiológicos, como a mobilização articular, o estiramento musculotendinoso e o fortalecimento muscular. É também largamente utilizada com fins estéticos e na terapêutica da obesidade.(2)

 

3.3 - Técnicas de massagem - A massagem deve ocorrer num ambiente aquecido e calmo. O indivíduo deve ser colocado numa posição confortável com apoio suficiente na área a ser massajada, assegurando o relaxamento de todos os músculos. (11) Não se deve deixar roupas que possam restringir a circulação sanguínea nas áreas próximas das extremidades a serem manuseadas. A parte massajada deve estar em posição que elimine a resistência à gravidade, ou permitir que a gravidade auxilie o fluxo venoso sanguíneo e linfático. A utilização de um meio de interposição diminui o atrito, evitando a irritação da pele, sendo os óleos minerais os mais utilizados por não serem facilmente absorvidos e por não despertarem respostas alérgicas. Os produtos utilizados facilitam a manobra (pó de talco, óleos, vaselina, cremes e leites corporais) ou podem ter também uma ação terapêutica se utilizrem princípios ativos farmacológicos. (8)

Antes de iniciar o procedimento, é essencial identificar com precisão a região a massajar. A massagem como agente terapêutico deve ser realizada durante 5 a 15 minutos, com uma frequência de 2 a 3 vezes por semana, um total de 5 a 10 sessões. (11)

 

3.3.1 - Deslizamento (“effleurage”) - A mão desliza ao longo de uma região numa direção escolhida, exercendo maior ou menor pressão nos tecidos consoante os efeitos pretendidos. O movimento deve ser contínuo enquanto a mão estiver em contacto com a pele. É realizada no início da sessão para permitir o relaxamento, associada a outras técnicas para encontrar equilíbrio dos tecidos ou no final da sessão de massagem, para um retorno com calma.

- Superficial – aplicada no revestimento cutâneo, com toda a palma da mão. Quando lenta e regular, é sedativa e miorelaxante, levando a uma hipostesia superficial local ao fim de 5 a 10 minutos. Este efeito é de curta duração. Quando rápida e irregular, é tonificante e estimulante muscular, levando a vasodilatação retardada.

- Profunda - diferencia-se da anterior pela maior pressão exercida, sendo dirigida ao tecido celular subcutâneo, músculos e planos capsulo-ligamentares. É utilizada para facilitar a drenagem venosa e linfática. Quando lenta e regular, tem também um efeito sedativo, reduzindo a contratura muscular. (10,11)

 

3.3.2 – Compressão / pressão estática - Os tecidos são comprimidos com uma intensidade variável, consoante os efeitos pretendidos. A pressão exercida divide-se em 3 tempos: acentuação, manutenção e alívio da pressão. Pode ser realizada com as duas mãos, com uma mão, a palma da mão ou com o polegar. Facilita a drenagem no edema de estase, sendo então utilizada com um objetivo circulatório, desde a raiz até à extremidade do membro. Apresenta também um efeito sedativo e relaxante. Neste caso, deve-se manter a pressão exercida durante 5 a 10 minutos, aumentando progressivamente a força exercida. Esta manobra é utilizada em pontos dolorosos nos músculos paravertebrais, como por exemplo na presença de raquialgias, e em pontos de contractura muscular. (9,10)

 

3.3.3 - Amassamento (“Pétrissage”) - Combinam pressões com estiramentos de tecidos, sendo considerada a forma mais invasiva de massagem. (2) Consiste na compressão da pele e músculos quer entre o polegar e os outros dedos, quer entre as duas mãos. O tecido é comprimido delicadamente à medida que as mãos se movem num movimento circular perpendicular à direção da compressão. Quando efetuada no eixo do membro, ou seja longitudinalmente, designa-se “em reptação”, se perpendicular é “em torção”. Se é realizada num membro no sentido disto-proximal, pode ter um efeito circulatório. O “pincé-rolé” associa o amassamento tecidular com o deslizamento, procedimento adequado nos processos de fibrosite e infiltrados celulomiálgicos. Pode decorrer de forma superficial ou profunda.

- Superficial, para a pele e tecido celular subcutâneo. Provoca sensação de descontração tissular e de calor local. Podem surgir traumatismos capilares que se traduzem por equimoses. Indicada para descobrir zonas de infiltração celulítica, descobrir pontos de projeção dolorosa nas regiões vertebral e abdominal, nas celulalgias e anomalias da pele. Tem também um efeito trófico em certas lesões da pele, tais como queimaduras e cicatrizes.

- Profunda, para a fibra muscular, fáscias, aponevroses. Consiste em solicitar os tecidos musculares e deslocá-los uns em relação aos outros realizando uma pressão. Se realizada lentamente, apresenta um efeito relaxante, sedativo e descontraturante; de forma rápida é estimulante e desencadeador de calor. (10,11)

 

3.3.4 - Fricção (“Frictions”) - Manobras lentas que mobilizam os planos superficiais em relação aos profundos. É executada colocando fixamente a mão sobre um determinado sector e deslocando-a de forma tangencial aos tecidos. (2) Pode ser realizada, por exemplo, na dor locoregional reflexa (não havendo uma direção preferencial) ou na prevenção das aderências das cicatrizes cutâneas, sendo numa primeira fase lenta, superficial e paralela ao sentido da cicatriz e posteriormente mais profunda, perpendicular e circular. (9,10,11)

 

3.3.5 – Vibrações - São obtidas tetanizando os músculos do antebraço, do qual resulta uma série de tremores transmitidos aos tecidos. É muitas vezes associada às pressões locais, com fim antálgico. A execução pode ser rápida (tonificante e excitomotora), lenta (miorrelaxante e analgésica), superficial (estimulante) ou profunda (drenagem intersticial e sedação). É uma técnica muito utilizada sobre a caixa torácica para mobilizar secreções broncopulmonares. As vibrações podem ser instrumentais, com utilização de aparelhos concebidos para o efeito. (2)

A vibromassagem está indicada na hipotonia (frequências baixas), para relaxamento muscular, estimulação muscular e tratamento de câimbras (frequência altas). Está contraindicada em zonas de inflamação aguda, ferimentos ou lesões cutâneas; trombose venosa profunda, tromboflebite ou alterações da coagulação e risco de hemorragia; linfangite; febre; abcesso pulmonar, tuberculose pulmonar, pneumotórax e tumores pulmonares; sobre fraturas não consolidadas, processos infeciosos e ruturas ou lesões musculares. (10,11)

 

3.3.6 - Percussão (“tapotement”) - Realizada com a região cubital ou palmar da mão ou com os dedos. Consiste na realização de impactos repetitivos bruscos e leves com as mãos, aplicados de forma rítmica (cerca de 3 por segundo). Não deve provocar nenhum desconforto. Esta técnica provoca vasodilatação e aumento da temperatura. O músculo responde com maior rapidez, por diminuir a cronaxia, e promove a excitação proprioceptiva muscular, podendo aumentar o tónus.

Tem como principal objetivo a estimulação neuromuscular, sendo essencialmente utilizada nos desportistas antes da realização de um esforço. Uma forma importante desta massagem é usada na reabilitação respiratória com o objetivo de libertar e facilitar a drenagem de secreções e a tosse assistida. (2)

 

3.3.7 - A massagem transversal profunda (“Cyriax”) - É um tipo específico de massagem do tecido conjuntivo, frequentemente utilizada, que pode ser aplicada num tendão, músculo ou ligamento, com um objetivo específico. É normalmente realizada antes de e em conjunto com técnicas de mobilização para potenciar os seus efeitos. Varia na profundidade, consoante se trata de uma lesão aguda (evita formação de aderências) ou crónica (mobiliza as aderências e prepara os tecidos para a mobilização). (5)

Esta técnica permite a redução da inflamação na fase aguda (lesão ligamentar, tendinopatia, lesão muscular) ao provocar agitação dos fluidos tecidulares, aumentando a taxa de fagocitose no local. Nas lesões crónicas, genericamente a sua principal indicação, reduz o quadro álgico ao provocar vasodilatação e aumento da circulação local, facilitando a remoção de catabolitos responsáveis pela dor e o transporte de opióides endógenos.

Na sua execução, os tendões são colocados em alongamento, os ligamentos em ligeira tensão e o ventre muscular numa posição de encurtamento/relaxamento. A massagem é sempre aplicada transversalmente à orientação das fibras.

Está contraindicada na patologia inflamatória agudizada, nas alterações cutâneas (úlceras, psoríase), hematomas extensos, bursites e sinovites reativas, ossificação heterotópica e calcificações de tecidos moles em fase hiperálgica. Em doentes anticoagulados esta técnica requer um cuidado acrescido pelo risco hemorrágico. (1,7)

 

3.3.8 - Massagem reflexa segmentar - Conjunto de várias técnicas tendo como objetivo desencadear reações vasomotoras à distância a partir de uma estimulação superficial por estiramento do tecido conjuntivo laxo subcutâneo. O princípio é desencadear a vasoconstrição num metamero a partir da massagem do dermátomo correspondente. Utilizadas em patologias com congestão local, tais como dores pélvicas pré-menstruais, intestinais, síndromes de dor regional complexa em fase congestiva, entre outras. (10)

 

3.3.9 - Drenagem linfática manual - Consiste em pressões muito leves exercidas nos tecidos, facilitando a reabsorção do líquido intersticial pelos capilares linfáticos. Descrevem um movimento em círculo, são lentas e progressivas. O tratamento tem uma duração de 30 a 40 minutos, sendo constituído por diversas sessões. Está indicada no tratamento do linfedema. A massagem pode ser seguida pela aplicação de ligaduras compressivas. (5,7)

 

3.3.10 - Técnica de Knapp - Massagem de pontos dolorosos nas inserções musculo-tendinosas e ligamentares, com efeito analgésico, hipermiante e de libertação fibroadesiva, de certa forma como a massagem transversal profunda.

 

3.3.11 - Técnica de Voghler - Semelhante à anterior, mas as pressões não são exercidas nas inserções mas no periósteo, ou em pontos dolorosos espontâneos ou em pontos distantes com o objetivo de sedação reflexa da dor locoregional. Contempla o risco de agravamento do processo inflamatório. (7)

 

3.4 - Contraindicações da massagem manual (1,2,9,10) - A massagem manual esta contraindicada na fase aguda de processos inflamatórios relevantes, na patologia infeciosa e inflamatória aguda bem como nos elementos musculo-tendinosos com calcificação e em zonas com alterações da sensibilidade. Está contraindicada também em presença de trombose venosa profunda e de tumores malignos. São contraindicações relativas as neoplasias, gravidez, cicatrizes recentes, anti-coagulação e afeções cutâneas como o eczema infetado, psoríase e dermatoses bolhosas. Peles frágeis com equimoses requerem cuidados adicionais.

 

4 – O fortalecimento muscular – As fibras musculares são classificadas segundo as suas carateristicas fisiológicas em brancas e vermelhas, rápidas ou lentas, fásicas ou tónicas, oxidativas ou glicolíticas e mais frequentemente em tipo I ou tipo II. (1,3) Esta classificação contempla a valorização do seu metabolismo, tipo de contracção, fadiga, número de mitocôndrias, número de capilares, utilização de glicogénio, arsenal enzimático entre outras. Assim as fibras tipo I são oxidativas / aeróbias, as fibras tipo II com perfil intermédio oxidativo / glicolítico) e as fibras tipo II b com metabolismo glicolítico. (1)

Existem também diferentes formas de contração muscular, a considerar segundo a relação da força interna, da força externa e do grau de alongamento do músculo durante o desenvolvimento de trabalho.

Falamos assin de contracção estática / isométrica, dinâmica / isotónica (concêntrica / excêntrica),  isocinética (velocidade constante) e por estimulação eléctrica (baixas e médias frequências). (4)

O conceito de mobilidade, contempla a força como uma das variáveis mais valorizadas (além da amplitude articular, flexibilidade, tónus, propriocepção).

Diversos quadros clínicos condicionam alteração da força, do volume, do tónus, da coordenação dinâmica (actividade cinestésica – proprioceptiva), da função (capacidade de disponibilizar trabalho muscular útil num determinado desempenho). (1)

As entidades clínicas onde se constata alteração da força são diversas e variadas, nomeadamente:

- patologia neurológica (central e periférica)          

- patologia orto-traumatológica (macrotraumática e microtraumática)

- patologia reumatismal (degenerativa e inflamatória)       

- patologia geriátrica e as suas comorbilidades

- sequelas de cirurgia (envolvimento directo ou secundário)          

- sequelas da imobilidade (segmentar ou total – acamamento prolongado)

 

Os impactos do processo patológico na fibra muscular podem ser identificadas como atrofia, redução de força, deficite de coordenação, entre outros. (1,3)

A atrofia, enquanto redução do volume muscular contempla também diferentes consequências na relação das fibras musculares oxidativas e glicolíticas; compreende-se que uma atrofia determine também diminuição global da força. A redução da força (qualidade e quantidade de solicitação de fibras musculares), nas suas vertentes de força resistência, força velocidade, força máxima. As alterações da coordenação dinâmica / retrocontrolo propriocetivo estão quase sempre associadas à atrofia e à redução da força muscular; a actividade cinestésica com aferências mecanoreceptivas (recetores cutâneos, ligamentares, tendinosos, musculares) representa um processo de controlo do movimento fundamental na estabilidade dinâmica e na elaboração gestual. (4)

O nível de intervenção funcional no meio ambiente, em actividades de vida diária simples e complexas, depende em boa medida da capacidade de desenvolver trabalho muscular; assim a força de um determinado músculo “chave” (exemplo: o quadriceps femoral, é uma referência primeira da possibilidade de deambular no meio de forma independente numa perspectiva de qualidade de vida). (1)

No membro superior, verifica-se um predomínio dos músculos flexores, adutores e rotadores mediais, valorizando o desempenho cinesiológica da mão (em actividades de manipulação de objectos e autocuidados). A força de preensão da mão pode ser utilizada como um elemento útil na formulação do prognóstico funcional e na qualidade de vida.

No membro inferior, existe um predomínio das atividades em extensão (luta contra a força da gravidade), estando privilegiada as atividades de deambulação (terreno plano, subir e descer escadas), com diferentes exigências posturais, gestuais e consumo de energia. (4)

Em patologia geriátrica, a força do quadriceps é muitas vezes utilizada como um fator de valorização de independência no meio ambiente; os pacientes com mais força do quadriceps, têm menos morbilidades, consomem menos fármacos e apresentam maior capacidade funcional (em AVDs e na função social). (1,3)

No processo patológico envolvendo o músculo estriado são consequências no músculo, decorrentes da não utilização (acamamento prolongado ou patologia traumática) as seguintes condições :

- encurtamento e fragmentação da miofibrilhas

- redução do volume do sarcoplasma e organelos

- vacuolização do citoplasma

- infiltração intersticial fibro-adiposa

- redução da actividade enzimática

- redução da síntese proteica

- redução da síntese de ATP

 

Estas alterações estruturais têm uma grande repercussão na actividade muscular contrátil e no desempenho gestual na funcionalidade particularmente nas atividades de vida diária..  (12)

 

4.1 - Técnicas de fortalecimento muscular - São diferentes as formas de recrutar unidades motoras e de desenvolver trabalho, nas diferentes actividades do nosso quotidiano. Referrimos assim o trabalho muscular estático (isométrico), o trabalho muscular dinâmico (isotónico) concêntrico ou excêntrico, o trabalho muscular global / facilitação neuromuscular proprioceptiva, o trabalho por estimulação eletrica funcional (correntes variáveis de baixa e média frequência, com frequências tetanizantes e intensidade variável, sendo possível a solicitação de mais de 30% da secção de um grupo muscular) e o recrutamento de unidades motoras por solicitação isocinética. (1,2,3)

Refrerimos de seguida as principais características cinesiológicas dos diferentes tipos de trabalho muscular:

 

4.1.1 - trabalho estático (isométrico) - A força interna é igual à força externa / actividade contráctil sem movimento articular; não existe modificação do comprimento do músculo.

Referimos os parâmetros técnicos de prescrição (elementos que devem estar presentes numa prescrição médica) :

- definir a amplitude articular (limite angular)

- definir o tempo de contracção e o tempo de repouso        

- definir o tempo total de trabalho (por sessão e por dia)

- intensidade de contracção (percentagem de trabalho)

 

A título exemplificativo na prescrição de trabalho isométrico (estático) do quadriceps femoral, com 45º de flexão do joelho, 6 segundos a contrair, seis segundos a relaxar, 5 minutos 6 vezes ao dia, numa percentagem de 50% de força máxima. (13)

 

Referimos de seguida algumas das principais indicações clínicas / fases aguda, sub-agudas e crónicas do processo patológico:  

- sequelas da imobilidade (imobilização gessada, ortóteses, cirurgia…)

- patologia articular (artrósica, inflamatória, substituição protética)          

- patologia muscular (roturas e contraturas) e tendinopatias          

- sequela de fracturas

O trabalho estático apresenta riscos tissulares reduzidos (não desenvolve movimento, nem modifica o comprimento do músculo); na fase aguda da inflamação articular ele pode condicionar agressão estrutural (condral e sinovial) pelo que deve ser ponderada a sua prescrição (limitado nos primeiro 3 a 5 dias, ainda que os estudos sejam controversos).

Não desenvolve “desenhos” cinéticos pelo que apresenta reduzida capacidade de estimulação cinestésica / proprioceptiva.    

São objectivos do trabalho estático a manutenção e o aumento dos índices de força máxima e força resistência.  

A força estática pode ser quantificada por dinamometria isométrica.

Pode ser ensinado pelo clínico e a prescrição (domiciliária ou não) deve ser objectiva e explícita; importa motivar e elucidar o paciente das vantagens deste tipo de trabalho, simples e eficaz, bem como os familiares. (1,12)

 

4.1.2 - Trabalho dinâmico (isotónico concêntrico e excêntrico) - A força interna varia relativamente à força externa, bem como o grau de alongamento das fibras musculares; existem duas grandes variações no tipo de trabalho, segundo o tipo de alongamento:

- Trabalho concêntrico (força interna maior que externa); trabalho com encurtamento muscular; uma parte importante da actividade muscular agonista decorre nesta forma de contracção.

- Trabalho excêntrico (força externa maior que força interna); trabalho com alongamento muscular; frequentemente é um trabalho muscular antagonista que controla um determinado desempenho gestual. (2,3,13)

Referimos os principais parâmetros técnicos de prescrição:

- amplitude articular (sector angular a percorrer, por exemplo 0 a 90 graus)         

- resistência a aplicar (força externa), devendo ser referida em percentagem relativamente à carga máxima (1 x RM ou 10 x RM, sendo RM a resistência máxima conseguida pelo indivíduo e objectivada por um processo dinamométrico); a referência pode decorrer de um teste específico, de um valor teórico ou inferido percentualmente pelo teste do membro contra lateral.

Nas fases iniciais de aplicação deste trabalho não existe interesse significativo na quantificação percentual da percentagem de carga; essa atenção tem um interesse acrescido nas fases mais avançadas do programa de reabilitação, particularmente quando se pretende a excelência no trabalho muscular.

- número de séries e de repetições em cada série

- tempo de trabalho e tempo de repouso

- posição de trabalho (características angulares da solicitação)      

-comprimento do “braço de alavanca” (braços de alavanca longos, susceptibilizam as estruturas articulares e tendinosas regionais)          

Exemplo: trabalho de fortalecimento do músculo quadriceps femoral, na posição sentado, numa amplitude 0 a 90º, trabalho a 50% de 10 RM, 16 repetições, 5 séries, 5 vezes por semana, durante 20 dias; sugere-se um braço de alavanca curto para proteção articular. (12)

 

Referimos as principais indicações clínicas / fase de estado, do processo patológico.

- sequelas da imobilidade

- patologia articular (degenerativa, inflamatória, substituição protética)   

- patologia muscular e tendinosa      

- sequela de fraturas

- patologia nervosa periférica (embora com rigor acrescido na forma de prescrição e desenvolvimento do trabalho); na patologia central, a aplicação destas técnicas apresenta limitadas indicações e riscos potenciais, nomeadamente pelos problemas do tónus e do controlo do movimento (espasticidade, actividade sincinética, …). (1)

O trabalho dinâmico concêntrico apresenta riscos estruturais; não deve induzir ou aumentar o contexto nocicetivo.

O trabalho dinâmico excêntrico com riscos tissulares mais acrescidos; exige completa integridade das estruturas a solicitar, sendo apenas prescrito nas fases finais do programa de reabilitação (trabalho seletivo) – trabalho mecânico negativo           .

Os objetivos do trabalho dinâmico contemplam a manutenção ou aumento da força (máxima, velocidade, resistência) e do volume muscular. (1,2)

 

Apresentamos de seguida algumas referências cinesiológicas a considerar no momento da prescrição, relativamente aos objetivos do trabalho :

- fibras do tipo I / perfil oxidativo / cargas reduzidas e múltiplas repetições         

- fibras II a / perfil metabólico misto / cargas moderadas e menor número de repetições

- fibras II b / perfil glicolítico / cargas elevadas e escassas repetições       

A percentagem de carga (relativamente à resistência máxima), o número de repetições e a velocidade de execução, são elementos cinesiológicos que vão determinar o tipo de recrutamento de fibras musculares e o efeito biológico (na “força” e no volume). (1)           

O trabalho dinâmico, desenvolve desenhos cinéticos e desta forma estimula a actividade cinestésica / propriocetiva.

Os tipos de resistência mais frequentemente utilizados são o peso do corpo, diferentes tipos e formas de pesos, dispositivos de mecanoterapia, elásticas ou molas extensíveis, dinamómetros (mecânicos, hidráulicos), formas representativas das disponibilidades desta técnica.

O trabalho muscular em hidrocinesiterapia utiliza a viscosidade da água e a altura da coluna líquida para oferecer resistência; no meio aquático, a velocidade de deslocamento do segmento corporal e a área deslocada, determina o grau de unidades motoras recrutadas.

Muito deste trabalho (dinâmico concêntrico) pode ser ensinado para o domicílio, devendo ser prescrito pelo clínico, motivando o paciente e a família, no sentido de complementar uma abordagem global da patologia. (1,2)

 

4.1.3 - Trabalho global / técnicas neurofisiológicas (com facilitação ou inibição de um determinado comportamento motor) – Promovem o desenvolvimento de comportamentos motores sinérgicos nos grupos agonistas e inibidores nos grupos antagonistas de uma determinada cadeia cinética. (3) A presentamos alguns elementos neurofisiológicos, entendidos como referências / conceitos estruturantes :

- cadeia muscular e elaboração gestual

- agonismo / antagonismo                

- estiramento; resistência      

- facilitação; sinergismo; irradiação 

- diagonal; padrões tridimensionais 

- atividade mecanorecetiva

As técnicas globais associam os conceitos força, amplitude articular e coordenação; são técnicas bem toleradas, com reduzido risco de agressão tissular; são também importantes na modulação e controlo das alterações do tónus (espasticidade, actividade sincinética...). Exigem uma maior diferenciação técnica na sua execução, habitualmente por técnico mais diferenciado. Exigem uma correta adequação terapêutica, um correto e esclarecido conhecimento da fisiopatologia do processo patológico. (13)

Apresentamos algumas indicações clínicas inerentes a este tipo de recrutamento de unidades motoras :

Patologias neurológica central (deficitária em força, com alterações do tónus -  espasticidade, actividade sincinética, hipotonia).

Exemplo, na reabilitação das hemiparesias por acidente vascular cerebral, estimulando as respostas posturais, a força e o controlo do tónus.

Patologias com envolvimento muscular (deficitárias em força, em coordenação dinâmica, em flexibilidade músculo tendinosa).

Patologias osteoarticulares (traumáticas - sequelas de fracturas, pós-cirúrgicas e patologias degenerativas, envolvendo os componentes articulares e peri-articulares das grandes articulações). (1,2)

 

4.2 – Limites de intervenção terapêuticos – Considerando o risco potencial na aplicação das diferentes técnicas de fortalecimento muscular (analíticas e globais) referimos algumas condições de adequação e limites terapêuticos:

- devem ser adequadas ao contexto clínico (patologia e fase do processo),

- devem evitar o despertar ou o agravar do contexto nocicetivo (dor, exsudação articular, aumento da pressão de compartimento), rigidez, espasticidade ou contratura, actividade sincinética, entre outros.

- devem ser acompanhadas segundo referências objectivas (força muscular e volume, desempenho funcional),                   

- devem utilizar instrumentos de medida / dinamómetros quantificando a evolução e no trabalho analítico adaptando a resistência; a posição de teste deve também ser referida. (1,12)

 

5 - BIBLIOGRAFIA


1)      Pinheiro JP: Medicina de Reabilitação em Traumatologia do Desporto. Editora Caminho, 1998; 7-8:109-148.

2)      Soares Branco P: Temas de reabilitação: Cinesiterapia e Massoterapia. Medesign, 2005; 2-4:35-79.

3)      Pinheiro JP: Reabilitação das Lesões no Desporto. Editora Caminho, 2006; 3:54-56; 58-60.

4)      Neumann DA: Kinesiology of the Musculoskeletal System. Mosby, 2000; 1:41-85.

5)      Frontera WR et al: DeLisa’s Physical Medicine & Rehabilitation. 5th Ed. Lippincott Williams & Wilkins, 2010; 64:1725-1730

6)      Braddom RL et al: Physical Medicine & Rehabilitation. 4th Ed. Elsevier, 2011; 19:439-444

7)      Cassar, M.P.: Manual de massagem terapêutica. Editora Manola Ltda, 2001

8)      Lardry, J.M.: La séance de massage. EMC Kinésithérapie-Médecine physique-Réadaptation. 2009 Elsevier Masson SAS. 26-120

9)      Gallego, J.V.: El masaje terapéutico y deportivo, 7ª ed. Mandala Ediciones, 2000

10)   Held, J.P.; Dizien, O. : Traité de médecine physique et de réadaptation. Flammarion, 1998.

11)   Morillo, M.; Veja, J.M.; Portero, F.: Manual de Medicina Fisica. Harcourt Brace, 1998.

12)   Joynt, R; Therapeutic Exercise, in” Rehabilitation Medicine: Principles and Practice”, Joel A. DeLisa,  J.B.Lippincott Company, 1998 ; 28:713,724-726

13)   Hoffman, M; Therapeutic Exercise, in” Rehabilitation Medicine: Principles and Practice”, Joel A. DeLisa, J.B.Lippincott Company, 1998 ; 28:697-724

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