Capítulo 1 – Introdução à medicina física e de reabilitação (MFR)
João
Páscoa Pinheiro
Conceitos de reabilitação
médica, a doença e as suas consequências, a funcionalidade e MFR como especialidade
médica.
1 - Principais
objetivos formativos
- O conceito de reabilitação e a importância da medicina
de reabilitação na cultura médica; as consequências da doença e os modelos da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
- O conceito de função e de qualidade de vida (QV); a
classificação internacional da funcionalidade; o conceito de avaliação
funcional e o interesse deste procedimento métrico.
- A história da MFR e o seu enquadramento em diferentes
culturas medicas. A MFR na Europa e as estruturas representativas.
- As especificidades da história clínica em MFR; a instrumentação
métrica e o processo de avaliação funcional; as principais atividades e
competências do médico especialista em MFR.
2 – Conceitos de
reabilitação
Um número crescente de indivíduos necessita dos cuidados
medicina de reabilitação tornando esta área um elemento incontornável da nossa
cultura. Os três Livros Brancos Europeus (1a) (1) (2)
referem um número crescente de cidadãos a necessitarem diariamente destes
cuidados, estimando-se atualmente este valor em 20% da população. O aumento da
esperança de vida, a perceção que a funcionalidade é um dos pilares estruturantes
da QV e a crescente evidência de que a as práticas reabilitadoras reduzem os
custos globais da doença ativa e das suas consequências, justificam a crescente
atualidade da medicina de reabilitação. Trata-se em boa verdade de potenciar a
ideia de funcionalidade, enquanto conceito inclusivo e um direito de cidadania.
O conceito de reabilitação envolve todo o sistema de
prestação de cuidados de saúde, tanto na dimensão preventiva como curativa (3).
Apresenta-se como um conjunto de medidas coerentes e
coordenadas no âmbito médico, social, educativo e económico, tornando-a assim
um elemento sensível na abordagem das consequências das doenças e na definição
dos limites do prognóstico funcional.
Trata-se de implementar uma filosofia de responsabilidade
médica, mais que uma prática sistemática de restauração de capacidades; fica
expresso o seu carácter universal, obrigatório em todas as decisões clínicas e
em todas as especialidades médicas, mas também um tema obrigatório da
consciência social inclusiva e um sentir legislativo nas diversas políticas de
saúde. De certa forma deve ser entendida como uma boa prática médica a ser
observada na clínica quotidiana.
Reabilitar enquanto “o restituir de direitos ou
prerrogativas que se perderam” e reintegrar como “o restabelecer em algum cargo“são
vocábulos de crescente utilização, globalizados na acessão da palavra,
elementos do nosso quotidiano, aplicados nas ciências da saúde mas também em
diferentes áreas da sociedade, ainda que com significado aproximado ao conceito
essencial.
A reabilitação é cada vez mais um processo de ajuda,
tornando possível ao cidadão atingir o mais completo potencial físico,
psíquico, social, profissional e educacional segundo a sua deficiência, a
limitação ambiental, as expectativas e os legítimos planos de vida (3).
A OMS define reabilitação como o uso de todos os meios
necessários para reduzir o impacto da incapacidade e da desvantagem e ajudar as
pessoas com limitações a obter uma boa integração social (1) (3).
O acesso à reabilitação enquanto direito
fundamental do cidadão está consagrado em diferentes documentos e datas
comemorativas com expressão institucional; de referir a “United Nations
Standarts Rules” em 1993, o “European Year for People with Disabilities” em
2003, a “Resolution 58.23 of the World Health Assembly on Disability Including
Prevention, Management and Rehabilitation” em 2005, bem como diversas
legislações nacionais de cariz inclusivo para o cidadão portador de deficiência.
A “Norma 3 da United Nations Standart” refere
que os governos devem desenvolver os seus próprios programas de reabilitação,
interpretando os princípios de participação e igualdade. A “Resolution 58.23 of
the World Health Assembly” indica aos subscritores que devem participar nas atividades
que previnam a incapacidade, promover programas baseados na comunidade,
interagir com os cuidados de saúde primários, facilitar o acesso à tecnologia
de reabilitação e produtos de apoio, facilitar o acesso a cuidados diversos e
implementar medidas preventivas.
Também o Conselho de Europa propõe legislação
no âmbito da incapacidade e direitos, abrangendo a prevenção da incapacidade e
a educação para a saúde, a sua identificação e diagnóstico, o tratamento e
ajudas terapêuticas, a educação, o aconselhamento vocacional, o emprego, a
integração social e o ambiente, a proteção social, económica e legal, a
informação, a estatística e a investigação.
O doente é um elemento ativo do todo o processo,
participando na criação e desenvolvimento de estruturas de integração e na
prescrição dos produtos de apoio. Como exemplo deste sentimento inclusivo
refira-se o Programa Hélios (1990-96), cujo objetivo era dar possibilidade aos
europeus com desvantagem de poderem viverem de forma independente,
eventualmente em ambiente de trabalho não protegido.
A reabilitação médica deve, pois, intervir de forma ativa
nas patologias de fase aguda, subaguda e crónica, baseando-se numa abordagem
global do doente e da sua circunstância, usando o conhecimento e a experiência
de diversos grupos profissionais e suportes institucionais. É uma prática
terapêutica que se pretende implementar do hospital à comunidade e desta à residência
do doente.
Considera-se cada vez mais ser razoável esta conivência
entre o sentir médico e o social, um todo coerente e ininterrupto; o deficiente
tem direito a uma existência plena, no espaço social considerado adequado,
preferencialmente a sua residência.
O conceito de reabilitação foi também já identificado
como uma 3ª fase da assistência médica, depois da medicina preventiva, da
curativa e cirúrgica (1) (2) (3); como já
anteriormente referido, a intervenção reabilitadora comporta uma forte
capacidade preventiva, reduzindo o tempo de acamamento e de imobilidade, limitando
as alterações da mobilidade articular, da força e do tónus muscular, entre
outras, e promovendo condições fisiológicas para uma normalização do
funcionamento orgânico e para uma completa integração domiciliária. Trata-se de
um processo ativo que também limita de forma valorizável o impacto das
diferentes comorbilidades, cada vez mais frequentes na população europeia. No
entanto o aumento da esperança de vida e a melhoria dos cuidados de saúde é
acompanhado por um aumento das morbilidades, facto verificado em todos os
grupos etários, sistemas orgânicos e patologias. Foram porém as populações
geriátricas e as portadoras de deficiência física as que mais sentiram a
necessidade de implementar programas que promovam o estilo de vida ativo, o
viver independente e a QV.
O desenvolvimento desta área de conhecimento decorre de
forma progressiva e sustentada, ainda que com diferentes organizações regionais
e expressão cultural.
Constata-se uma crescente atualidade nos conceitos
“reeducar, reabilitar, readaptar e reintegrar, incluir”, uma situação
decorrente da identificação de consequências de doença ativa, particularmente
quando a expectativa de cura não seja possível ou provável.
A necessidade crescente dos cuidados de reabilitação
médica justifica-se assim por algumas das razões que passamos a citar:
- A redução da mortalidade e morbilidade em todos os
grupos etários decorre do melhor conhecimento dos processos fisiopatológicos, das
novas terapêuticas e das novas metodologias de prevenção de doença, entre outras.
- O aumento do número de doentes com patologias crónicas,
particularmente cardiovasculares, respiratórias, degenerativas do sistema
nervoso central, osteoarticulares, oncológicas, entre outras.
- A elevada conflitualidade do meio-ambiente, nomeadamente
a acidentalidade rodoviária, laboral, os conflitos bélicos, o sedentarismo e os
múltiplos fatores de risco civilizacionais, entre outros.
- O envelhecimento das populações e em particularmente o
grupo com mais de 85 anos, facto que determina um elevado número de
morbilidades (doença cerebrovascular, sequelas de fraturas osteoporóticas,
doenças do movimento, demências, arteriopatias dos membros inferiores,
cardiopatia isquémica, osteoartrose, dor crónica ou o simples
descondicionamento aeróbio por sequelas de acamamento prolongado, entre outros.
- Algumas caraterísticas específicas do contexto
civilizacional, como por exemplo a traumatologia decorrente do exercício físico
do desporto, tornando desta forma a macro e a microtraumatologia do desporto
com incidência e prevalência crescente, contrariamente às outras traumatologias
da comunidade. Por razões específicas a reabilitação na traumatologia do
desporto adquire crescente protagonismo e especialização temática (4a)
No nosso mundo os conceitos e as expectativas pessoais
evoluíram das preocupações da sobrevivência aos limites da incapacidade e da
integração no meio ambiente. A consciência social fica cada vez mais crítica e
exigente, promovendo a transferência de interesses, do médico para o doente, da
doença para as suas consequências na tarefa e função e da instituição para o
meio envolvente.
No século XX surge a perceção que um determinado quadros
clínico condiciona cenários patológicos instáveis e limitativos da
funcionalidade, questionando os estímulos existenciais, a necessidade de
reformular atitudes e convicções pessoais e familiares, a perda de afirmação e
prestígio social e a perda de qualidade de vida (relação dinâmica entre o estado
de saúde, a função e a interação social) (1) (2) (3)
(4).
A OMS apresenta em 1965 o modelo de Saad Nagi como uma
primeira forma organizada de interpretar as consequências da doença ativa e o
seu impacto negativo na funcionalidade (5) (6) (7) (8).
São conceitos estruturantes a “patologia ativa”, a “deficiência”, a “limitação
funcional” e a “incapacidade”. A incapacidade é descrita no modelo de Nagi como
a consequência última da doença ativa e identificada como uma proposta
relacional com o meio. Propõe um esforço compreensivo e sistemático dirigido à
funcionalidade particularmente ao desempenho de atividades de vida diária.
O conceito “patologia ativa” significa uma interrupção ou
interferência com a normalidade e com os esforços de reparação, a “deficiência”
interpreta uma anomalia ou perda na anatomia, fisiologia, órgão ou função, a
“limitação funcional” expressa ou limitação de desempenho no indivíduo e a
“incapacidade” uma limitação da função considerada normal para aquele indivíduo (5) (6) (7) (8).
Para Nagi o conceito de “limitação funcional” situa-se a
nível individual, enquanto o conceito de “incapacidade” assume já uma dimensão
social, fortemente relacional com o meio envolvente; trata-se de interpretar o
desempenho de tarefas ou assumir protagonismos considerados adequados num
ambiente e numa cultura.
Esta diferença conceptual entre “limitação funcional” e
“incapacidade” dilui-se mais tarde em futuros modelos interpretativos das
consequências das doenças; a história da incapacidade é variada e profícua,
quase sempre dinamizada pelo desenvolvimento das ciências sociais (9).
Nagi refere que três influências são
decisivas para conceptualizar o termo “incapacidade”, nomeadamente a
reabilitação, a doença crónica e a compensação / benefícios oriundos das
seguradoras ou estado.
Existem conceitos controversos, polémicos segundo
Asch A e Fine M, referindo que a incapacidade está centrada no biológico, a
deficiência é sempre a causa desta, o incapacitado é uma vítima e sinónimo de
necessidade de ajuda e que é dominante relativamente às referências e às
comparações sociais.
O modelo de Nagi é mais tarde discutido e
aprofundado por Verbrugge e Jette (10) existem referências a fatores extrínsecos
(cuidados médicos, reabilitação, outras terapêuticas, outros suportes externos,
ambiente, …) e fatores intrínsecos, considerados de risco, tais como o estilo
de vida, a capacidade de “coping” entre outros.
Diferentes tipos de atividades e desempenhos sociais têm
sido descritos no cenário da “incapacidade” (6);
são referidas as atividades de vida diária simples e instrumentais, atividades
sociais (a profissão, a família, as relações com amigos e as comunitárias) e as
atividades de lazer (tempos livres, atividade física, entre outras).
O National Center for Medical Rehabilitation Research
(NCMRR) introduz o conceito de “limitação pela sociedade” como um “final de
linha” relativamente à proposta de Nagi (11);
este conceito refere-se a limitações ou restrições atribuíveis à política
social ou barreiras (físicas ou atitudes) que limitam a completam participação
na sociedade.
A OMS apresenta em 1980 o modelo ICIDH1 onde depois da
doença ativa são conceitos estruturantes a “deficiência”, “incapacidade” e “desvantagem”.
O modelo ICIDH1 é desenvolvido entre outros por P. Wood. (6)
A deficiência, enquanto perda de substância ou alteração
de função ou de uma estrutura anatómica, fisiológica ou psicológica (tecidos e
órgãos). A incapacidade, enquanto redução parcial ou total da capacidade para
realizar uma tarefa ou uma atividade nos limites considerados aceitáveis para a
espécie. A desvantagem, enquanto prejuízo social, uma limitação impedindo ou
tornando mais difícil a representação de um dado protagonismo no meio
envolvente e na sociedade.
O modelo ICIDH1 coloca o conceito de
“handicap” ou “desvantagem” como o último a caracterizar as consequências das
doenças, não como uma denominação individual mas como uma classificação das
circunstâncias (5) (6) (8); trata-se de formular um enquadramento no meio ambiente, um fenómeno
social, multifatorial.
Diferentes variáveis contribuem para a
compreensão desta dimensão, nomeadamente a orientação, a independência física,
a mobilidade, a ocupação do tempo, a integração social e a autossuficiência
económica (5) (6) (8); uma incapacidade torna-se em desvantagem quando alguma das variáveis do
meio se encontra alterada.
Fica sempre a associação entre “qual a
restrição do individuo para assumir o papel considerado razoável” e “qual ou
quais as limitações existentes no indivíduo”, no enquadramento do conceito
“desvantagem”; o modelo ICIDH1 denota limitações em qualificar o prejuízo
(especificamente do indivíduo) quando as restrições são diversas e pouco
uniformes.
Nos Estados Unidos da América (EUA) a
National Academy of Sciences publica o documento “Disability in América: Toward
a National Agenda for Prevention” cujos autores Pope e Tarlov (12) aprofundam o modelo
de Nagi, adaptam conceitos e envolvem novas dimensões, tais como a QV.
A QV é um elemento interativo no modelo
proposto para a compreensão da incapacidade; trata-se de uma parte integrante
da incapacidade, uma entidade dinâmica na qual os aspetos do bem-estar não
estão somente relacionados com o estado de saúde.
Esta proposta contempla fatores de risco,
referidos como biológicos, ambientais (físico, social, …) e comportamentais (o
estilo de vida, …); são entendidos como fatores de risco o processo de
diagnóstico, o tipo de programa terapêutico, o tempo de início, o tipo de
financiamento existente, as barreiras arquitetónicas, entre outros (12).
O documento de Pope e Tarlov refere também o
risco de desenvolvimento de “condições secundárias”, elementos potenciais de
agravamento do processo de incapacidade; são apresentados como exemplos a
úlcera de decúbito, a infeção respiratória enquanto sequelas da imobilidade
prolongada, a depressão, a dor, entre muitas outras. A prevenção e terapêutica
das “condições secundárias” é de grande interesse prognóstico, facilitando a
completa exploração do potencial de reabilitação.
Trata-se de uma gestão médica cuidadosa e
continuada, uma forma de clínica médica, direcionada à patologia da deficiência
e incapacidade; este facto justifica a necessidade do acompanhamento clínico
permanente e representa muito da conveniência na especialização médica.
A OMS define em 1993 o conceito de QV referido
à saúde como a perceção pelo indivíduo do seu posicionamento na vida, no seu
contexto cultural e sistema de valores, relativamente aos seus objetivos,
expectativas, referências e inquietações (13); esta definição genérica é afetada pelo
estado de saúde física, grau de independência (nível funcional), estado
psicológico, relacionamento interpessoal e outras relações com o meio ambiente.
Pope e Tarlov (12) integram este conceito na dinâmica da
“incapacidade”, considerando que ele pode resultar ou constituir uma causa de
deficiência, incapacidade ou desvantagem; torna-se difícil perceber o momento
em que a qualidade de vida fica em risco, à imagem da dependência no desempenho
das tarefas quotidianas.
Em geriatria esta questão amplia-se com a
problemática da reserva funcional existente; a natureza dessa reserva pode
justificar diferentes consequências funcionais para patologias e deficiências
similares.
Assim a qualidade de vida assume nos anos 90
uma perspetiva final de prognóstico, ao mesmo tempo que o movimento de
“independent living” (14)
constata uma progressiva perda de protagonismo.
O “viver independente” teve início nos anos
60, nos EUA no dinamizado pelos movimentos de direitos humanos e organizações
de consumidores; este conceito difunde-se nos anos 70, “contaminando” as
associações de deficientes e de cidadãos preocupados com a problemática da
incapacidade.
Era sugerido que a pessoa com incapacidade
fosse a mentora e gestora do seu futuro e das suas necessidades, devendo tomar
a iniciativa individual e associativa, para encontrar soluções e pressionar o
poder político (entenda-se o legislativo); pretendia-se que o deficiente
assumisse em primeira instância os seus direitos de cidadania e só depois o
papel de consumidor de saúde, de reabilitação ou de suportes sociais (15).
A desmedicalização, a desinstitucionalização
e a rotura objetiva com o trabalho protegido, eram algumas das ideias chave,
muitas vezes repletas de convicções teóricas mas com enormes limitações na
prática assistencial.
A implementação de um novo modelo de incapacidade,
numa dinâmica biopsicossocial, decorrente do sentir e organização da sociedade,
dos avanços das ciências médicas e da implementação de novas tecnologias, leva
a OMS a reformular a classificação das consequências da doença, apresentando a
ICIDH2 (16)
(17).
A OMS apresenta em 1999-2000 o modelo ICIDH2 onde depois
da doença ativa são conceitos estruturantes a “deficiência”, a “atividade” e a “participação”.
A deficiência referida ao nível do corpo, caracterizado na estrutura e na
função e apresentando a perda de função como o principal fator negativo. A
atividade referida ao nível da Pessoa e caracterizado pela possibilidade de
desempenho de um conjunto de tarefas (atividades de vida diária) sendo a
limitação / restrição dessa atividade o fator negativo. A participação, considerada
no nível social, uma disponibilidade para um envolvimento com uma determinada
situação, sendo o prejuízo ou restrição a esse envolvimento o principal fator
negativo. Trata-se de um modelo evoluindo segundo os fundamentos do ICIDH1
(1980) que considera como consequências da doença três níveis, associados a
fatores contextuais do indivíduo e do seu meio ambiente). São considerados
fatores do indivíduo (intrínsecos) a idade, a carga genética, as patologias
existentes e fatores do meio (extrínsecos) as barreiras arquitetónicas
(escadas, portas estreitas, passeios elevados, …). Correndo o risco de
imprecisões semânticas ou identificações redutoras dizer que reeducamos a
deficiência, reabilitamos a incapacidade e readaptamos / reintegramos /
incluímos a desvantagem.
Em termos conceptuais a medicina evolui do conceito
biomédico para o conceito biopsicossocial onde a identificação das
consequências da doença, a valorização das capacidades restantes e a exploração
do potencial de reabilitação funcional surge como um direito de Homem.
3 – A
reabilitação funcional
A revisão dos modelos interpretativos das
consequências de doença (versão final de Maio de 2001) (16) (17) determina uma nova
denominação, “The International Classification of Functioning and Disability”,
com a sigla ICF; pretende também terminar com a ênfase negativa na descrição
dos níveis (deficiência, incapacidade e desvantagem) e promover uma forma mais
otimista sedimentada na função (17) (18).
Esta versão foi aprovada pela 54ª Assembleia
Mundial de Saúde para uma completa utilização em 22 de Maio de 2001, expressa
sobre a designação de resolução WHA 54.21.
O papel dos fatores ambientais é cada vez
mais salientado, particularmente na sua ligação à função e à incapacidade (16), bem como no impacto
do meio físico e social para a compreensão da condição de saúde.
Em Maio de 2000 a OMS promoveu uma revisão
temática sobre “fatores ambientais”, considerando diversas “ideias chave”
nomeadamente a instrumentação métrica, os produtos e tecnologias, a modificação
do ambiente, as relações e suportes, as atitudes, as políticas e sistemas, as
generalidades (16); o objetivo foi o de efetuar uma revisão compreensiva sobre a globalidade
dos fatores e das suas conivências.
Pela sua capacidade interativa com a função,
salientamos a instrumentação métrica e o prognóstico, as tecnologias e a
facilitação das tarefas, as modificações do ambiente e a acessibilidade, as
atitudes / valores e os comportamentos individuais / sociais, os serviços e a
prestação de cuidados, os sistemas / políticas e os suportes institucionais.
A Classificação Internacional da
Funcionalidade (CIF) representa um esforço da OMS para interpretar as
preocupações planetárias na saúde e em particular na função; contempla uma
mudança de paradigma, passando a classificar as componentes da saúde e não as
consequências da doença (18).
A CIF estabelece também com a Classificação
Internacional de Doenças - décima revisão) (CID-10 / WHO, Genebra 1992-1994)
diversas analogias e complementaridades; a CID-10 permite um diagnóstico de
doenças, perturbações ou outras condições de saúde, enquanto a CIF ilustra a
condição funcional e a expressão da incapacidade.
Exemplificando esta complementaridade, 2
doentes com o mesmo diagnóstico etiopatogénico podem ter níveis muito
diferentes de funcionalidade, sendo também verdade que o mesmo nível de
desempenho funcional não significa condições de saúde semelhantes.
Os conteúdos temáticos da CIF organizam-se
segundo dois grupos de interesse, a funcionalidade / incapacidade e os fatores
contextuais; o primeiro grupo inclui a componente corpo (função e estrutura) e
a componente atividade e participação, enquanto o segundo se divide entre fatores
ambientais e pessoais, já antes abordados. Os diversos componentes podem ser
abordados em termos positivos ou negativos, facilitadores ou inibitórios (1) (18).
Assim, segundo a CIF a “função do corpo” é a
função fisiológica de um sistema ou órgão, a “estrutura” é uma componente
anatómica, a “deficiência” é um desvio ou uma perda na função ou estrutura, a
“atividade” é a execução de uma tarefa ou ação e a “participação” é o
compromisso com o quotidiano.
Os fatores contextuais, ambientais
(individual ou social) e pessoais (as características pessoais e o estilo de
vida); importa assim considerar o ambiente próximo, a família, o ambiente
profissional, os serviços, o suporte social, as leis, bem como o sexo, a raça,
a cultura, a condição física, a profissão, …).
A CIF integra assim o modelo biomédico,
considerado tradicional (assistencial e de ensino) com o modelo
biopsicossocial. No modelo biomédico a incapacidade é algo exclusivamente
inerente ao paciente, algo individual e restritiva; no modelo biopsicossocial a
incapacidade é uma condição multifatorial determinada pela sociedade. A funcionalidade
surge assim como ideia dominante, considerando as necessidade do ser humano
interagir com o seu espaço e com o seu tempo; trata-se de mudar o paradigma,
construído no respeito pelos direitos do cidadão, uma perspetiva de inclusão e
direito à vida.
O conceito “função” assume cada vez mais um
interesse crescente enquanto variável decisiva em determinar a qualidade de
vida; a função é vulgarmente entendida como uma forma de desempenho, uma atividade
de relação com os outros e com o mundo. Pode ser entendida numa perspetiva
biológica como uma atividade ou desempenho de tecidos, órgãos ou sistemas para
manter um organismo vivo; trata-se de uma dinâmica própria entre a fisiologia e
as ciências humanas (19).
Existimos porque funcionamos, com diferentes
registos, próximos da necessidade vigente; o processo evolui no tempo e acompanha
as mudanças de paradigma, os avanços tecnológicos e científicos.
A avaliação da função ou funcional é uma
ideia chave da medicina de reabilitação, entendida como uma forma de valorizar
uma atividade ou desempenho num momento específico ou entre momentos díspares
no tempo, uma proposta de valorização (19) e de conhecimento das atividades biológicas
e relacionais.
A correlação destes valores com referências
clínicas da doença ou da deficiência facilita o desenvolvimento de cenários de
prognóstico e gravidade considerando o histórico existente e os estudos
comparativos.
Em termos funcionais importa conhecer o grau
de desempenho de tarefas (autocuidados, mobilidade e transferências, controlo
esfincteriano, locomoção, cognição social, comunicação …) referidas como atividades
de vida diária simples, complexas e instrumentais, mas também a relação do
nível presente com a condição funcional pré-patológica (3) (4).
As atividades simples são prioritárias neste
processo de valor, já que condicionam o grau de envolvimento relacional; a
história clínica pode incluir a “história funcional” como um elemento
conducente à obtenção do diagnóstico etiopatogénico ou abordar esta temática de
forma diferenciada num contexto de especificidade (20).
A “comunicação” é um elemento fundamental na
história, referindo a limitação para ouvir, ler, falar ou escrever; importa
compreender o grau de limitação e equacionar quais as metodologias (reeducação,
ortóteses, tecnologias de apoio, …) que permitam melhorar o contacto com os
outros. Também os “autocuidados” envolvendo a higiene pessoal e o cuidado com a
imagem são elementos de grande significado no processo de integração,
considerados como desempenhos de índole cultural, importantes no relacionamento
com o meio e com os outros; trata-se de manter ou melhorar a imagem do corpo e
a autoestima, ambas facilitadoras do processo de socialização.
A “alimentação”, quer na perspetiva de tomar
os alimentos, sólidos ou líquidos, quer na capacidade de os procurar e
preparar, fornecem indicações de autonomia e independência.
O “vestir” e “despir” são também atividades a
considerar no âmbito da autonomia, já que qualquer dificuldade pode comprometer
o contacto com outros indivíduos e a mobilidade no meio; ainda que a escolha do
vestuário tenha características pessoais específicas, ela também permite
compreender a coerência e adequação dos comportamentos, bem para lá da função
protetiva do vestuário.
O “controlo vesicoesfincteriano” e a
utilização da “casa de banho” são capacidades fundamentais na avaliação da
dependência; pressupõe-se a necessidade de autonomia na utilização das
instalações sanitárias e a continência vesical ou intestinal, socialmente
adequada.
A incontinência ou a incapacidade de utilizar
de forma autónoma uma instalação sanitária, com ou sem adaptações técnicas,
manifesta uma profunda dificuldade de integração e autonomia no meio ambiente.
As disfunções esfincterianas condicionam
também outras morbilidades, nomeadamente as úlceras de pressão (maceração
cutânea, …), a infeção urinária (necessidade de manobras, algaliações, …) os
fecalomas entre outras; a eficácia do treino vesicoesfincteriano e
possibilidade de utilização independente das instalações sanitárias devem ser
objetivos nesta área.
Deve ainda ser considerado o impacto na
imagem do corpo e no autoconceito do indivíduo, bem como os constrangimentos
admissíveis na atividade sexual e no estabelecimento de relações interpessoais.
A “autonomia no leito” e a capacidade de
fazer “transferências” são elementos sensíveis do processo de integração; a
autonomia no leito, incluindo a mudança de decúbitos, a posição sentada e a
saída do leito permitem identificar níveis de autonomia e o risco de
desenvolvimento de sequelas de imobilidade. A independência nas transferências
(da cama para a poltrona, da poltrona para a cadeira de rodas, da cadeira de
rodas para a sanita ou sofá, da cadeira de rodas para uma viatura automóvel,
…significa uma possibilidade acrescida de integração e de interação com o meio
ambiente; a mobilidade no leito e a capacidade de fazer transferências limita o
isolamento e previne ou minora múltiplas consequências do imobilismo (úlceras
de decúbito, limitações e atrofia muscular, trombose venosa profunda,
pneumopatia de estase, perda de VO2 Max, entre outras.
Finalmente a “mobilidade” nas suas mais
diversas alternativas (a marcha, a deambulação em cadeira, a utilização de
veículos motorizados) complementa uma das primeiras aspirações do cidadão
deficiente; deambular permite contactar com novas oportunidades e uma melhor
integração social.
A marcha desloca o centro de gravidade com
padrões diversos e eventuais auxiliares de marcha; importa valorizar a eficácia
da marcha (o custo energético, a coordenação, a ativação das diferentes cadeias
musculares, …), a velocidade, as características dos auxiliares de marcha, a
possibilidade de subir ou descer degraus e rampas e a possibilidade de se
erguer em caso de queda. A eficácia da marcha deve ser entendida em função do
meio e das barreiras existentes, considerando que uma determinada deficiência
pode contemplar diferentes incapacidades na marcha.
A possibilidade de deambular em cadeira de
rodas depende do tipo de deficiência, da existência de barreiras arquitetónicas
e das disponibilidades técnicas da cadeira; no doente hemiparético o sistema de
propulsão e comando homolateral aumenta a funcionalidade e a cadeira de rodas elétrica
permite a deambulação autónoma. A cadeira de “liga leve” é mais manejável e
adequada ao transporte no automóvel e o espaldar elevado associado ao recuo do
eixo posterior aumenta estabilidade (21).
A utilização de veículo automóvel adaptado
facilita uma maior participação do paciente, explorando um meio mais extenso e
sugerindo mais oportunidades; trata-se de adicionar ou modificar componentes
segundo o tipo de deficiência explorando o potencial de reabilitação.
A capacidade de desempenho e/ou a dimensão da
dependência pode ser valorizada com metodologias genéricas ou com instrumentos
especificamente desenhados para um dado objetivo; uma proposta genérica e
abrangente, classifica os desempenhos em “independentes”, “independentes com
ajuda ou modificação de tarefa”, “assistência / supervisão em algumas tarefas”,
“assistência física em algumas tarefas” e a “dependência completa”.
O conceito de avaliação funcional apresenta
assim uma perspetiva métrica, na valorização do desempenho funcional (num dado momento e
em diferentes tempos de da patologia) e na definição
do potencial de reabilitação (permitindo a previsão de custos e adequação de
recursos terapêuticos.
Para determinar o nível funcional utilizam-se índices de
avaliação global (Barthel, Medida de Independência Funcional / MIF, …) ou
instrumentos específicos de uma patologia (artrose, esclerose múltipla, …), de
um segmento anatómico (joelho, coluna lombar, …) ou de uma atividade
(manipulação de objetos, marcha, …).
Os instrumentos de avaliação devem ser válidos (validação
cultural, …), sensíveis, reprodutíveis, representativos e exequíveis, interpretando
o rigor científico.
O conceito funcionalidade ganha assim uma crescente
atualidade, tornando-se um elemento-chave para operacionalizar a ideia de
participação. Participação como já foi referido pressupõe a disponibilidade de
um individuo se envolver em todas as áreas do seu quotidiano, expressando um
estreito relação como o seu meio ambiente. A funcionalidade surge, pois, como
um termo abrangente para as funções do corpo, as funções das estruturas, a
atividade e a participação (22 a). Vai permitir
a compreensão de todo o complexo processo de interação do individuo e do seu
estado de saúde com fatores individuais e ambientais. O modelo descrito como
“ciclo da reabilitação” ilustra de forma simplificada o processo de
reabilitação funcional (22 b) identificando a
necessidade de construir metodologias que monitorizam de forma sistemática os
ganhos funcionais. Este modelo operativo refere assim 4 fases, nomeadamente
“assessment”, “assignment”, “intervention”, “evaluation”, identificando a
estratégia terapêutica e a dimensão multiprofissional do processo. De referir
ainda a necessidade de compreender a utilização de diferentes tecnologias
enquanto elementos fundamentais na gestão da funcionalidade. São descritas como
ferramentas essenciais, adequadas aos fatores ambientais e individuais
específicos, muitas vezes o primeiro passo para contornar uma determinada
deficiência motora ou sensitiva (22 c). Os
produtos de apoio e cada vez mais as tecnologias inteligentes são elementos de
promoção da participação, fornecendo independência e a ideia de bem-estar.
Estas últimas são promotoras dos conceitos de promoção da saúde e do envelhecer
em casa. Desta forma a prescrição generalizada de diferentes tecnologias
terapêuticas e produtos de apoio vai exigir a criação de normativos que
promovam e facilitem um acesso universal e que identifiquem regras objetivas de
prescrição, um processo cada vez mais sustentado na relação custo-benefício.
São descritos diversos tipos de tecnologias no âmbito da mobilidade, comunicação,
distúrbios sensoriais e cognitivos, prevenção ergonómica e de ambientes
inteligentes.
As tecnologias ambientais inteligentes (TAI) apresentam
um enorme potencial de promoção da funcionalidade, pois elas são facilmente
incorporadas num determinado ambiente, podem adaptar-se às necessidades
individuais e muitas vezes já podem antecipar / identificar futuras
necessidades (22 d). Estas tecnologias devem humanizar o ambiente, devem ser
fáceis de utilizar, devem inspirar confiança no utilizador e devem ser sustentáveis,
tanto na vertente individual como ambiental. Importa sublinhar que o doente deve
participar no processo de implementação e que todas estas tecnologias
necessitam de um processo de integração com outras estratégias, já que
isoladamente não promovem participação (22 e). Um tema de crescente atualidade
é também a segurança intrínseca destas soluções, particularmente na dimensão
ética e ainda como já antes referido a correta identificação da relação
custo-benefício.
4 – A história da
medicina física e de reabilitação
A MFR é uma especialidade “jovem” (22) com um elevado potencial de crescimento, decorrente da
evolução das ciências médicas e da consciência humanista na cultura ocidental (1) (2) (3).
Esta denominação genérica é hoje consensual (1), afirmando a existência de duas principais áreas
de interesse e intervenção clínica, respetivamente a “medicina física” e a “medicina
de reabilitação”.
A medicina física tem uma expressão essencialmente
terapêutica, com a utilização de agentes físicos (de termoterapia, de
vibroterapia, de eletroterapia, de fototerapia, …) e técnicas cinesiológicas
(de mobilização articular, de fortalecimento muscular, de inibição do tónus, de
estimulação propriocetiva,); o processo de prescrição terapêutico decorre da
elaboração de uma história clínica que permita essencialmente formular diagnósticos
etiopatogénicos.
A medicina de reabilitação promove a identificação e
terapêutica das consequências da doença (aguda e crónica), referidas como
deficiências, incapacidades e desvantagens, bem como a exploração da função e a
intervenção nos fatores limitantes do indivíduo e do meio ambiente (8).
A história clínica leva à prescrição de programas
terapêuticos abrangentes e sistemáticos que conciliam a manipulação dos agentes
farmacológicos, agentes físicos, técnicas cinesiológicas, produtos de apoio (próteses
e ortóteses, auxiliares de marcha, dispositivos de compensação) e intervenção
no domicílio.
Esta metodologia encontra-se viva nas culturas médicas e
organizações sociais que mais recentemente promovem a medicina física e de
reabilitação, sendo por exemplo muito interessante acompanhar a sua implementação
na Sérvia e na Lituânia (23) (24), dois bons exemplos
de diversidade na europa.
A organização da área enquanto entidade autónoma e
diferenciada / especializada do conhecimento médico varia no tempo e na
expressão, entre continentes e regiões (22) (23) (24) (25).
Nos EUA Frank Krusen inicia em 1938 um longo e difícil
percurso, concluído em 1947 com o reconhecimento governamental desta nova
especialidade clínica (25); a denominação
“fisiatria” é expressa em 1936 significando as terapêuticas físicas e a “arte
de curar”.
No Reino Unido a reabilitação médica adquire autonomia
como especialidade em 1990, (apresentação de curriculum vitae e acreditação) (24); a língua alemã absorve a ideia de “agente
físico” no século XIX (26), mas a criação do
primeiro departamento hospitalar de medicina física e reabilitação, no New
General Hospital de Viena, ocorre em 1991.
O reconhecimento das terapêuticas físicas é já longo no
tempo (22). Hipócrates escreve sobre o benefício
do movimento e exercício físico e a medicina romana descreve os princípios da
hidroterapia e helioterapia.
Nicolas Andry em 1741 escreve a obra “A Ortopedia” e
Joseph-Tissot em 1781 na obra “Ginástica Médica e Cirúrgica” surge como um dos
percursores modernos da reabilitação motora (22);
esta dimensão terapêutica é mais tarde ampliada na obra de Duchenne de Boulogne
que introduz uma abordagem clínica que chega com alguma atualidade aos nossos
dias.
Também nos séculos XVIII e XIX é descrita a aplicação de
agentes de eletroterapia, na forma de correntes excitomotoras e analgésicas,
particularmente a corrente galvânica e farádica.
Em 1890 Arsonval promove o conceito de diatermia, enquanto
elemento de termoterapia, veiculando calor profundo, com correntes eletromagnéticas
de alta-frequência.
A Iª Grande Guerra mundial com elevado número de feridos
e mutilados, coloca necessidades específicas no âmbito terapêutico. Na IIª
Grande Guerra mundial, a elevada incidência de politraumatizados, fraturas
complexas, traumatismos vertebro-medulares, traumatismos de crânio e de
amputados ultrapassa as previsões mais pessimistas fruto de uma tecnologia
bélica mais evoluída.
A consciência humanista de uma Europa convalescente
exigia abordagens terapêuticas globais, nos domínios das sequelas da doença e
da inserção social; começa a fazer sentido a instituição de metodologias
globais, sistemáticas e criteriosas, com recurso à medicina física e à reabilitação
médica (27).
Também outras formas de sinistralidade, particularmente
de viação e trânsito e do mundo do trabalho, apresentam valores epidemiológicos
crescentes (22) (28); nas últimas décadas do
século XX também a traumatologia decorrente da atividade física e desportiva
adquire relevância e protagonismo (28).
As características do fenómeno desportivo, o número
crescente de praticantes, as modalidades ditas “radicais”, os interesses
inerentes ao fenómeno e a intensidade das metodologias utilizadas, justificam
esta crescente casuística; os sistemas públicos e privados (particularmente as
seguradoras) observam o fenómeno com crescente preocupação e sugerem
metodologias de intervenção.
A incapacidade decorrente da atividade desportiva ultrapassa
a dimensão do desempenho específico, projetando-se no prejuízo funcional das atividades
de vida diária, lazer e profissionais (28).
No século XX os anos 20 favorecem o início de uma
organização conceptual, os anos 30 o progressivo envolvimento do suporte médico
e os anos 40 a evolução das terapêuticas físicas para um conceito alargado de
reabilitação médica; começa a falar-se de um
programa terapêutico, prescrito por médicos, fundamentado no diagnóstico
etiopatogénico e na interpretação clínica das consequências da doença.
Ainda no início do século XX as consequências decorrentes
da epidemia de poliomielite, com problemas neuromotores e respiratórios
diversos criam desafios terapêuticos específicos (22)
(28).
Em 1937 Paul Nelson faz uma revisão das ligações
existentes ou havidas entre a electromedicina e a radiologia, experiência
também vivida em Portugal nas décadas de 40 e 50 do século passado (28).
A medicina militar acompanhou e influenciou de forma
decisiva a organização e implementação desta realidade clínica; Howard Rusk em
1943 demonstrou às chefias militares que o programa de reabilitação e a gestão
da convalescença eram condições essenciais para restaurar a aptidão para o
serviço nas forças armadas.
Esta prática assistencial fica cada vez mais compatível
com a abordagem tradicional, fazendo dos clínicos militares “líderes
visionários” da emergente especialidade médica (3) (27).
A cultura médica norte-americana apresenta os nomes de
John Coulter, Frank Krusen, William Bierman e Richard Kovacs como pioneiros
neste processo de consolidação conceptual (29);
o nome de Howard Rusk fica ligado à capacidade de demonstrar que o processo de
reabilitação restaura capacidades e reduz de forma significativa a duração e o
custo da incapacidade.
Ainda nos anos 60 do último século, no 3º Congresso da
Academia Americana, era discutida a denominação da especialidade (30) contrapondo-se a denominação “fisiatria” a “medicina
física e de reabilitação”; Frank Krusen defende mais tarde que esta última é
mais abrangente e eficaz, considerando o desenvolvimento da área em outras
culturas e outras realidades médicas.
A dinâmica social torna-se cada vez mais envolvente e
consolida a necessidade de uma abordagem global do doente, identificado a uma
condição e a um determinado meio ambiente; o conceito de “centro de
reabilitação” adquire forma e personalidade jurídica, tanto no âmbito público
como privado.
A perspetiva interdisciplinar, conciliando o saber de
diferentes profissionais médicos, permite uma contribuição diferenciada, nos
domínios ortopédico e traumatológico, neurológico, reumatismal, urológico, pediátrico,
geriátrico, medicina interna, cardiorrespiratório entre outros (22).
No entanto “apenas estamos no começo”, considerando as
múltiplas necessidades que envolvem o cidadão doente ou limitado (24).
Em Portugal, o Dec. 38213 - 26/03/1951, denomina a área
de Fisioterapia, sublinhando a dominância da utilização de agentes e técnicas
físicas (31); já em 1944 a Ordem dos Médicos
começa a atribuir o título de especialista em Fisioterapia.
A Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de
Reabilitação surge em 1954, sendo o Dr. Francisco Formigal Luzes o seu primeiro
presidente; em 1970 a Ordem dos Médicos formaliza a Medicina Física e de
Reabilitação como especialidade médica (DL 225/70 – 18/05/1970), sendo atualmente
uma das 43 especialidades médicas existentes no nosso País (31).
Publicações como “Last on the list” (32) sublinham que os problemas são extensos, que são
pouco valorizados, que o envolvimento com os serviços nacionais de saúde é
reduzido e que existem lacunas na formação dos estudantes de medicina e nos
jovens médicos.
Diferentes centros de reabilitação assumem uma imagem de
prestígio técnico e qualidade assistencial, nomeadamente em Portugal o Centro
de Medicina de Reabilitação (CMR) e no Reino Unido o National Spine Injuries
Centre (NSIC).
Em 1965, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, inicia a
construção do Centro de Medicina de Reabilitação CMR em Alcoitão com os objetivos
de promover a “reabilitação de diminuídos físicos com incapacidade motora” e “a
formação de pessoal especializado” (33).
Em 1928 é já referida, em Lisboa no Hospital de Santa
Marta, a Consulta de Fisioterapia, bem como o Serviço de Agentes Físicos,
composta por 2 médicos e 4 ajudantes, prestando serviços de eletroterapia, eletrodiagnóstico,
radiações e cinesiterapia (31). Progressivamente
muitos hospitais Centrais e Distritais instalam os serviços de MFR públicos.
Em 1944, Sir Ludwig Guttmann, médico neurologista
germânico, funda o NSIC, na localidade de Stoke-Mandeville, próximo de Londres,
com o principal objetivo de promover a reabilitação funcional dos traumatizados
de guerra (politraumatizados, traumatizados vertebromedulares e
crânio-encefálicos e amputados).
Inicialmente em Stoke-Mandeville e posteriormente no âmbito
do movimento olímpico, surgem os jogos Paraolímpicos, cuja primeira edição teve
lugar em Roma no ano de 1960.
A diversidade das condições patológicas cria na
especialidade uma vocação multidisciplinar (1) (2)
que se traduz na colaboração com outros profissionais “não médicos”
diferenciados na prestação de cuidados e práticas específicas.
Esta colaboração institucional envolve diversas áreas do
conhecimento nomeadamente a Fisioterapia, a Terapia Ocupacional, a Terapia da
Fala, a Enfermagem de Reabilitação, a Psicologia, a Ortoprotesia, o Serviço
Social, a Nutrição, a Educação Física, o Aconselhamento Profissional entre
outras.
O doente é o centro unificador de interesse entre os
profissionais destas áreas e a exploração integral do potencial de reabilitação
é o objetivo comum a atingir. O doente é sempre o elemento decisivo no processo
terapêutico.
O médico especialista em MFR deve utilizar uma história
clínica visando a obtenção do diagnóstico etiopatogénico, promover uma
avaliação funcional e “a capacidade de mudança”, identificar as consequências
da doença e dinamizar um programa de reabilitação que contemple as terapêuticas
médicas e as tecnologias de apoio; é fundamental que identifique o nível atual
de função e o nível necessário, que minimize os fatores limitantes
“intrínsecos” e “extrínsecos” e que intervenha na integração dos produtos de
apoio e na reabilitação comunitária.
É desejável que o médico coordene o processo de prestação
de cuidados, assegurando que todos os profissionais possam participar num
programa coerente, suportado pelas regras institucionais, pela experiência
individual e validado na medicina baseada na evidência. Importa, no entanto,
evitar a replicação de avaliações e aplicação de instrumentos métricos que se
tornam desnecessários, maçadores para o doente e que na prática se traduzem por
redução da prestação assistencial.
Esta metodologia comporta também o risco de duplicação
dos mesmos cuidados entre diferentes profissionais, sem mais-valia terapêutica
ou mais frequentemente a omissão dessa prestação, em áreas afins ou limítrofes;
estes aspetos decorrem da natureza da intervenção terapêutica,
multidisciplinar, abrangente e em permanente evolução e traduz também a falta
de comunicação, a precariedade de organização e a falta de liderança.
A colaboração da família é habitualmente referida como um
elemento favorável no prognóstico funcional; a família e os amigos são
entendidos como um suporte informal, sendo importante o reforço de meios (reforço
económico, adestramento específico, …) e o incentivo das atividades na
comunidade.
Em Portugal a Direcção-Geral de Saúde publica no ano de
2002 a Rede de Referenciação Hospitalar de Medicina Física e de Reabilitação (34), um documento que pretende organizar e orientar o
desenvolvimento da assistência clínica em reabilitação médica; propõe como
desejável a existência de “apoio em regime ambulatório e domiciliário”, “o
serviço hospitalar” e o “centro mono ou pluriespecializado”, este último direcionado
ao grande deficiente. Mais tarde em 2016 surge um novo documento denominado
como “Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciação – Medicina
Física e de Reabilitação”, um documento governamental (35) que entre outros
itens faz um enquadramento legislativo e histórico, descreve a especialidade
MFR, refere aspetos da demografia e necessidades previsíveis e entre outros
aborda a questão dos indicadores de qualidade.
Na Europa a MFR está representada em 3 principais organizações,
nomeadamente a European Academy of
Rehabilitation Medicine (EARM); European Society of Physical and Rehabilitation
Medicine (ESPRM); European Union of Medical Specialists PRM section (UEMS-PRM
section); European College of Physical and Rehabilitation Medicine (ECPRM) -
served by the UEMS-PRM Board (36).
A Academia Europeia de MFR refere na sua página official “This body of up to 50 senior doctors in the
specialty across Europe was created in 1969. Academicians are invited on the
basis of their distinguished contribution to the specialty, particularly its humanitarian
aspects. The aim of the Academy is to improve all areas of rehabilitation for
the benefit of those who need it. It thus promotes education and research
across Europe, acting as a reference point in scientific, educational and
research matters, exchanging ideas and information, facilitating the exchange
of PRM doctors between different countries and engaging in moral and ethical
debate. The Academy is entirely independent. Its publications support education
and further research (37).
Concluindo esta
apresentação conceptual da MFR, referimos a criação no âmbito da OMS o programa
“Rehabilitation 2030: A Call for Action” (38), um programa ambicioso que
pretende promover uma estratégia global de reabilitação planetária, criando
lideranças e suportes nacionais e transnacionais, incorporando a ideia de
reabilitação em todos os sistemas de saúde, facilitando o acesso de todos os
doentes a estes cuidados, criando condições de sustentabilidade financeira para
a implementação dos melhores programas terapêuticos, redes de cuidados e
parcerias eficazes e ainda promover capacidade de investigação de forma a
construir forte evidência científica nas suas prática e conceitos. Fica ainda
implícita necessidade de uma cooperação entre países e regiões por forma a reduzir
as assimetrias regionais e o impacto da pobreza enquanto barreira à promoção da
reabilitação no mundo.
5 - Especificidades da história clínica em MFR
Em MFR a história clínica
(HC) deve valorizar os elementos clínicos da doença ativa, as consequências da
doença (na dimensão anatómica e fisiológica, no individuo e tarefas e no meio
familiar e comunitário), a perspetiva funcional, a prevenção, a educação e o
aconselhamento do doente. Ela segue de uma maneira geral toda a sistemática
tradicional, mas importa veiculá-la a uma identidade própria, o que em boa
verdade acontece em todas as especialidades médica, enquanto objeto de
identidade e consistência teórica.
Importa estabelecer com
objectividade o estado funcional atual e antecipar a evolução previsível da
capacidade de desempenho. Conforme já publicado (39) (40) os objetivos da HC
são de adequar o diagnóstico etiopatogénico (essencialmente para a compreensão
da fisiopatologia e das opções terapêuticas) ao diagnóstico funcional cujo
objetivo último é a promoção da funcionalidade e da participação.
A HC em medicina de
reabilitação deve criar condições para que o “ciclo da reabilitação” possa ser
conseguido (22 c). Assim o conhecimento do
estado funcional do doente deve ser identificado já na anamnese, em aspetos que
possam ser relevantes para o início do raciocínio clínico que constrói o
diagnóstico médico. Entendemos ainda que o valor da funcionalidade em medicina
de reabilitação é elevado e assim sugere também um posicionamento
individualizado e mais exaustivo, em item dedicado, como História Funcional
(HF) dedicada ao estado antes da doença e ao momento atual. Trata-se de um
conhecimento necessário para valorizar o impacto das consequências da doença,
quais os meios necessários para potenciar o “ciclo da reabilitação” e ainda
para formular conceitos de prognóstico. Este processo de criação de
conhecimento nas premissas da atividade e da participação pode ser mais global
ou mais analítico, mas deve enquadrar-se sempre com as caraterísticas da doença
ativa.
A realização da HC em medicina de reabilitação
deve sistematicamente verificar e valorizar diversos elementos, sintomas e
sinais, em áreas específicas que pela sua sensibilidade e oportunidade fazem a
gestão da ideia de atividade e participação, nomeadamente:
- O contexto nociceptivo (a
atividade inflamatória, a dor aguda e crónica, o derrame articular, a pressão
compartimental, a contratura muscular, …).
- A mobilidade e a postura
(amplitudes articulares, força muscular, atividade propriocetiva, tónus, coordenação,
equilíbrio, …) em toda a sua diversidade biomecânica e controlo neuromotor.
- A marcha fisiológica e
deambulação recorrendo a diferentes tipos de produtos de apoio, com diferentes
níveis de exigência tecnológica.
- A capacidade de realizar
atividades de vida diária (simples, complexas, instrumentais). Esta valorização
deve ser individualizada e objetiva, permitindo avaliar o grau de dependência
nesse desempenho (independente, diferentes graus de dependência ou necessidade
de ajuda).
- As caraterísticas do meio
ambiente, particularmente do domicílio no âmbito das acessibilidades e
barreiras arquitetónicas e outros elementos passíveis de interferir na
participação.
- As caraterísticas do
suporte social e a acessibilidade a produtos de apoio e a tecnologias, mais ou
menos inteligentes, enquanto suporte de autonomia. Deve aqui ser incluído a
condição cultural e económico do individuo e do seu agregado familiar.
- As disponibilidades
locais e regionais no âmbito da acessibilidade a serviços de MFR e de outros
profissionais médicos e não médicos. Deve ainda ser identificado o grau de
facilidade para a obtenção de produtos de apoio e outras tecnologias (referimos
a sua prescrição, a sua aquisição e a sua integração domiciliária).
- A tolerância ao esforço,
valorizada na capacidade aeróbia (consumo de Vo2 Max.) e na eficácia motora de
um determinado desempenho; uma determinada deficiência e a prescrição de um
material protético devem questionar o grau de condicionamento cardiorrespiratório.
A história clínica em MFR
apresenta assim como conceitos estruturantes a dimensão biopsicossocial, a
clínica da doença ativa e consequências de doença (deficiência, incapacidade e
desvantagem), o conceito de função e potencial de reabilitação, a reabilitação
comunitária e a qualidade de vida das populações.
Apresentamos alguns dos
problemas clínicos mais frequentes em MFR, no processo de reabilitação em diferentes
grupos etários (pediatria, idade adulta e geriatria), nomeadamente:
-
As sequelas da imobilidade prolongada, a clínica dos cuidados continuados e dos
cuidados paliativos.
-
A deficiência da força (hemiplegia, tetraplegia, paraplegia, outra) e a clínica
da lesão neurológica central e periférica. A clínica da patologia dos pares
cranianos.
-
A limitação de mobilidade (amplitudes articulares, força, atividade
propriocetiva) e a clínica da patologia neurológica, musculosquelética,
cardiorrespiratória, geriátrica …).
- A dor aguda e crónica
(nociceptiva, neuropática, neoplásica) e a clínica da dor.
-
A deficiência do tónus, do equilíbrio e da coordenação. A clínica do equilíbrio.
-
Deficiências sensitivas e sensoriais e a clínica neurológica associada.
-
A disfunção vesicoesfincteriana. A bexiga e o intestino neurogénico.
-
A disfagia e as estratégias de compensação.
-
A disfunção cardiorrespiratória e a clínica da reabilitação ao esforço e
respiratória.
-
A prescrição do exercício terapêutico (raquialgias, patologia
musculoesquelética, patologia metabólica, síndromes de dor crónica, outras
patologias).
-
A incapacidade no desempenho de AVDs, a prescrição de produtos de apoio, a
integração dos produtos de apoio, a reabilitação comunitária.
-
As deficiências nas funções mentais superiores e a clínica de reabilitação.
-
A clínica da amputação dos membros superior e inferior, em contexto vascular,
traumático, neoplásico, outro e prescrição de materiais protéticos.
Poderemos assim enquadrar
grandes temas de reabilitação, nomeadamente a reabilitação musculoesquelética
(incluindo a reabilitação na traumatologia do exercício e desporto), a
reabilitação neurológica, a reabilitação cardiorrespiratória, a reabilitação
pediátrica, a reabilitação geriátrica, a reabilitação domiciliária, bem como
outras áreas de intervenção mais específicas, particularmente a reabilitação de
amputados, a reabilitação do equilíbrio, a reabilitação de queimados, a
reabilitação senológica e linfedema, a reabilitação na doença mental, a
reabilitação nas arteriopatias entre outras.
Considerando a necessidade
de obter o diagnóstico etiopatogénico e utilizar a dimensão funcional são
utilizados diferentes tipos de instrumentação complementar, que passamos a
descrever:
- Índices e escalas
funcionais genéricas ou específicas, enquanto elementos métricos.
- Dinamometria (isométrica,
isocinética, …).
- Estudos urodinâmicos.
- Ecografia de tecidos
moles, tanto na dimensão complementar de diagnóstico na área musculoesquelética
como a ecografia de intervenção.
- Posturografia dinâmica.
- Plataformas de marcha,
cinéticas e cinemáticas.
- Estudos eletrofisiológicos
e biofeed-back.
- Consumo de oxigénio e
outros parâmetros de tolerância ao esforço.
- Outros …
São aceites como
competências do médico especialista em MFR (entre outras):
- Avaliação médica para
determinar o diagnóstico subjacente.
- Avaliação da capacidade
funcional e capacidade de mudar.
- Avaliação da atividade e
participação, bem como os fatores contextuais.
- Elaboração de um plano de
reabilitação.
- Conhecimento, experiência
e aplicação de tratamentos médicos e físicos.
- Avaliação e mensuração de
resultados.
- Prevenção e tratamento
das complicações.
- Conhecimento de
tecnologia de apoio em reabilitação.
- Dinâmica da equipe e
habilidades na liderança.
- Capacidade de ensino e
aconselhamento.
- Conhecimento do sistema
social e legislação sobre a incapacidade.
- Implementar linhas de
ensino e investigação nos domínios dos agentes físicos, técnicas
cinesiológicas, produtos de apoio e nas áreas clínicas da medicina de
reabilitação.
Em conclusão, e conforme
muito bem caraterizado nos diferentes Livros Brancos da MFR na Europa (1a) (1) (2) a MFR é uma especialidade médica com
enorme potencial assistencial e cada vez mais interventiva nas seguintes
dimensões que consideramos estruturantes:
• Tratar a patologia
subjacente, particularmente a doença ativa.
• Reduzir a deficiência e a
incapacidade.
• Prevenir e tratar as
complicações de diversas patologias.
• Tratar para potenciar a atividade
e a participação
• Permitir uma completa funcionalidade
do doente, enquadrada nos limites do modelo biopsicossocial, conforme filosofia
médica definida pela OMS (40).
6 – A investigação em MFR. Algumas especificidades
6.1 – Introdução - A ciência e a investigação em
Medicina Física e Reabilitação são preocupações relativamente recentes, assim
como a especialidade, e apresentam alguns desafios e especificidades
peculiares.
A metodologia de pesquisa, pretende preencher a
lacuna entre biologia e comportamento. Trata se de promover uma ponte entre a
célula e a funcionalidade.
Este processo de conhecimento e tomada de decisões
geralmente tenta incluir três pontos essenciais: melhor evidência científica,
expertise clínica e necessidades e desejos dos pacientes (41) (42).
6.2 - Os principais campos de atividade científica e
de pesquisa de interesse em reabilitação, estão relacionados com as seguintes
disciplinas:
a) neurociências, abrangendo todos os campos
científicos e médicos relacionados ao sistema nervoso central e periférico: sua
formação, desenvolvimento, funcionamento e envelhecimento normais e
patológicos;
b) fisiologia, fisiopatologia, metabolismo e
nutrição, sistema cardiovascular, sistema respiratório, ossos e articulações;
c) saúde pública, incluindo epidemiologia,
bioestatística, economia e sociologia aplicadas à área da saúde;
d) tecnologias em saúde, especialmente imagens,
desenvolvimento de medicamentos, biotecnologia, bioengenharia, técnicas
intervencionistas para diagnóstico e tratamento médico;
e) biologia celular, desenvolvimento e evolução; genética,
genómica e bioinformática.
6.3 – Principais características e especificidades
da investigação em reabilitação (41) (42) (43):
1 - Abordagem multidisciplinar: envolve a
colaboração entre médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos
e outros profissionais de saúde para atender às necessidades complexas de
pacientes com uma ampla gama de deficiências.
2 - Foco centrado no paciente: é tipicamente
centrada nas necessidades e objetivos dos pacientes, com o objetivo de melhorar
seu funcionamento e qualidade de vida. Os pacientes frequentemente estão
envolvidos no processo fornecendo feedback sobre intervenções e resultados.
3 - Medidas de resultado: são utilizadas para
avaliar a eficácia das intervenções na obtenção de resultados desejados. Incluem
medidas de função física, atividades da vida diária, qualidade de vida e dor.
4 - Ensaios clínicos randomizados: são considerados
o padrão de referência para avaliar a eficácia de intervenções de reabilitação.
Envolvem a alocação aleatória de participantes para receber a intervenção em estudo,
um placebo ou tratamento alternativo, e depois comparar os resultados entre os
dois grupos.
5 - Estudos longitudinais: estudos que acompanham os
pacientes ao longo do tempo para avaliar os efeitos de longo prazo das
intervenções e mudanças no funcionamento.
6 - Uso de tecnologia: envolve o uso de tecnologia,
como realidade virtual, robótica e dispositivos vestíveis, para aprimorar ou
complementar intervenções tradicionais e melhorar os resultados.
7 - Considerações éticas: deve levar em consideração
as considerações éticas únicas envolvidas no estudo de populações vulneráveis
com deficiências, como obtenção de consentimento informado e proteção da
privacidade e dignidade dos participantes.
8 – Relação com atividades quotidianas: no
desenvolvimento e teste de intervenções que podem ser implementadas na prática
clínica para melhorar os resultados dos pacientes em ambientes do mundo real.
7 – Referências bibliográficas
1a – White Book on Physical and Rehabilitation
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Phys Rehabil Med. 2018 Apr; 54(2):156-165. doi: 10.23736/S1973-9087.18.05144-4.
1 - White Book on Physical and Rehabilitation
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2
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3 – DeLisa J, Currie D, Martin G.
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Principles and Practice. Third Edition. Chp 1, 3-33, Lippincott-Raven Publishers,
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4a)
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patologia traumática do osso e da articulação”, Editorial Caminho, 2006.
4 – Kotte F, Lehamn J, Stillwell G. Prefácio. Krusen: Tratado de Medicina
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Editora Manole lda, 1986.
5 – International Classification of Impairment,
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6 – Jette A. Physical Disablement Concepts for
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7 – Brandsma J, col. The International
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8:2-7.
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