Capítulo 8 - João Branco, Bruno Mendes, Filipa Rocha, Sandra de Oliveira, João Pinheiro
Acidente vascular cerebral (AVC)
A reabilitação médica e
abordagem funcional do doente com lesão cerebrovascular
1
-
Principais objetivos formativos.
·
A clínica médica do AVC
·
O programa de
reabilitação do AVC
·
A organização de cuidados
e elementos de prognóstico
2 – Introdução - Segundo
a Organização Mundial de Saúde, o acidente vascular cerebral (AVC) é definido
como um comprometimento neurológico focal ou global, com provável origem vascular,
de ocorrência súbita. Difere do acidente isquémico transitório (AIT) por
apresentar alterações clinicas com uma duração superior a 24 horas (ou morte).(1)
A
hemiparesia é a manifestação neurológica mais característica acompanhando
diferentes síndromas neurológicos.
Neste
capítulo focaremos o programa de reabilitação dos doentes com sequelas de AVC.
De
referir que muitas considerações têm sido efetuadas relativamente ao valor
(absoluto e relativo) de um programa de reabilitação, sendo cada vez mais
consensual que um programa sistemático pode aumentar o desempenho funcional do
paciente, interferindo nas consequências de doença (deficiência, atividade e
participação), na precocidade do retorno ao domicílio e na redução da
mortalidade. Cria desta forma condições para um mais completo processo de
integração na comunidade.
As
relações entre a disponibilidade neurológica e a evolução funcional são
assimétricas e nem sempre passíveis de correlação; o programa de reabilitação
vai explorar múltiplas disponibilidades neurológicas interferindo também na
plasticidade neuronal.
3 – Epidemiologia - O
AVC é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade na comunidade. De
acordo com o Global Burden of Disease
2013, apesar da redução nas taxas de incidência e de mortalidade, não se tem
observado uma diminuição no número absoluto de casos. Isto dever-se-á não só ao
envelhecimento da população mas também ao aumento na prevalência dos fatores de
risco cardiovascular.(2)
Em
Portugal, estima-se que ocorram 6 AVC a cada hora, dos quais resulta 2 a 3
óbitos.(3) A incidência é de
aproximadamente 1,9%, sendo mais frequente em indivíduos do género masculino,
com idade compreendida entre os 65 e os 74 anos.(3) Apesar da redução
da mortalidade para menos de metade desde o ano de 1990, a doença
cardiovascular é ainda a principal causa de morte no nosso país (35% dos
óbitos), com números superiores no AVC em relação à doença isquémica cardíaca.(4, 5).
4 – Fatores de risco - São
inúmeros os fatores de risco sido identificados no AVC. Dentro dos fatores não
modificáveis são referenciados a idade (risco duplica por cada década acima dos
55 anos), a raça (maior risco na afro-americana, seguida da caucasiana e
asiática), o género (maior risco no masculino), a história familiar e a
existência de AVC prévio.(1, 6)
Os
fatores de risco modificáveis são os que exigem maior focalização por parte da
comunidade científica dada a possibilidade de prevenção. Entre os fatores
modificáveis a hipertensão arterial (HTA) é o mais nefasto, sendo o risco
significativo para tensões sistólicas superiores a 140mmHg e diastólicas
superiores a 90mmHg.(1, 6) A patologia
cardíaca valvular e a fibrilação auricular (FA) predispõem a formação de
êmbolos.(6) Na insuficiência
cardíaca e doença coronária o risco duplica, assim como na diabetes mellitus, não estando provado que o
controlo da glicémia dentro de parâmetros normais diminua esse risco.(1, 6) A toma de
estatinas tem demonstrado redução no risco da ocorrência de AVC em doentes com
ou sem dislipidemia.(6) O papel da
obesidade, dieta e sedentarismo ainda não está totalmente esclarecido.(1) Outros fatores de
risco modificáveis descritos são os estados de hipercoagulabilidade, estenose
da carotídea, enxaqueca, tabagismo, alcoolismo, apneia do sono, forâmen ovale patente, gravidez e
período pós-parto.(1, 6)
5 – Tipos de AVC e etiopatogenias - Quanto
à etiologia, o AVC pode ser classificado em isquémico (87%, trombótico ou
embólico) e em hemorrágico (13%, intracerebral ou subaracnoídea).(1, 6)
A
oclusão trombótica de grandes vasos (32% a 48% dos casos) surge em consequência
de doença aterosclerótica cerebrovascular e/ou HTA.(1, 6) O quadro clínico
associado tem, habitualmente, uma instalação gradual.(1) A oclusão dos
vasos penetrantes profundos (13% a 18%) origina enfartes lacunares, ocasionando
défices minor.(1, 6)
Os
eventos embólicos (26% a 32%) podem surgir na presença de trombos cardíacos
(FA, válvulas artificiais), embolia paradoxal ou placas ateroscleróticas
instáveis.(1, 6) Os êmbolos
paradoxais têm origem em tromboses venosas e atingem a circulação cardíaca
esquerda (e consequentemente artérias cerebrais) por comunicação intracardíaca
na presença de forâmen ovale patente.(6). O quadro clínico
tem um início abrupto e com evolução variável pela possibilidade de lise e
fragmentação espontânea do trombo.(6)
O
AVC hemorrágico intracerebral surge por rotura de microaneurismática, nas
artérias penetrantes, em doentes com HTA crónica.(1, 6) Clinicamente
traduzem-se por quadros agudos de cefaleias e défices neurológicos de
instalação rápida, estando a gravidade correlacionada com a extensão da
hemorragia e edema cerebral.(1, 6) Podem estar
associados a vómitos, rigidez da nuca e crises convulsivas.(1) As hemorragias
subaracnoideias resultam habitualmente de roturas de aneurismas arteriais,
localizados na base do crânio.(1, 6) Podem estar
associados a sinais de irritação meníngea e crises convulsivas.(1, 6) A morte imediata ocorre
num terço dos casos.(6) As malformações
arteriovenosas apresentam-se como causa de AVC hemorrágico subaracnoideu em
indivíduos mais jovens.(1, 6) Num terço dos
doentes, ocorrem crises convulsivas ou cefaleia crónica prévias ao AVC.(6)
6 – Síndromes Vasculares Cerebrais - A
relação entre os territórios vasculares afetados e a localização anatómica das
funções cerebrais determina diferentes quadros clínicos. Procuraremos descrever
os mais comuns, de acordo com os territórios mais frequentemente afetados.
6.1 – Síndrome da Artéria Cerebral
Anterior (ACA) - O território vascular da ACA inclui a
região mediana e paramediana do córtex frontal e a região lateral do hemisfério
ao longo do bordo ântero-superior. Os vasos penetrantes profundos irrigam a
cabeça do núcleo caudado e o braço anterior da cápsula interna.(6)
A
oclusão arterial proximal é tolerada pela vascularização da ACA contralateral.(1) A oclusão distal origina
hemiparesia e hemihipostesia contralateral de predomínio crural.(1, 6) A lesão frontal leva
ao reaparecimento de reflexos primitivos (grasp
e sucção), rigidez paratónica e em lesões extensas alterações comportamentais
como distração fácil e perda de raciocínio lógico.(1, 6) A lesão do
hemisfério dominante (HD) pode causar uma afasia transcortical motora.(1, 6) Poderá haver
desvio óculo-cefálico para o lado da lesão e incontinência urinária.(1)
6.2 – Síndrome da Artéria Cerebral
Média (ACM) - A ACM irriga a região lateral dos lobos
frontal, parietal e temporal, e, profundamente, a corona radiata, o putamen e o
braço posterior da cápsula interna.(6) A oclusão dos
ramos superiores (áreas Rolândica e pré-Rolândica) resulta em défice sensitivo
e motor contralateral na face, membro superior e, em menor grau, membro
inferior; desvio óculo-cefálico para o lado da lesão; afasia de Broca (se HD) e
défice espacial e apraxia (se hemisfério não dominante (HND)).(6) A recuperação funcional
do membro superior é parca, no entanto, a maioria dos doentes adquirem
capacidade de marcha autónoma. (6)
Os
ramos inferiores irrigam o lobo parietal e temporal, originando hemianopsia
homónima contralateral ou quadrantanópsia superior.(1,
6) Lesões
do HD resultam em afasia de Wernicke; no HND verificam-se défices visuoespaciais
com neglect contralateral, apraxia e
aprosodia. A sensibilidade e motricidade não apresentam alterações clinicas.(1,
6) A
oclusão da ACM na sua emergência resulta em hemiplegia completa, diminuição da
sensibilidade e hemianopsia contralaterais.(6)
6.3 – Síndrome da Artéria Cerebral
Posterior (ACP) - A ACP é responsável pela irrigação do
tálamo, região medial do lobo occipital e região inferior do lobo temporal.(1, 6) A oclusão pode
originar uma hemianopsia contralateral, prosopagnosia, palinopsia e se existir lesão
no HD, alexia e afasia transcortical sensitiva.(1, 6) A isquemia
talâmica pode condicionar hemianestesia com dor neuropática contralateral.(6) A oclusão dos
ramos interpedunculares origina o Síndrome de Weber (paresia do nervo oculomotor
com hemiplegia contralateral) e paresia do nervo troclear.(1)
6.4 – Síndromes Vertebro-basilares - As
artérias vertebrais e a resultante artéria basilar irrigam o tronco cerebral, o
cerebelo e a medula espinhal.(1, 6) Caracterizam-se
pela comunicação com a vascularização contralateral, o que se traduz nos
défices resultantes: défices sensoriomotores bilaterais assimétricos
(ipsilaterais na face e contralaterais no restante hemicorpo) e sinais de
envolvimento cerebelar.(1, 6) Poderão surgir
sinais de envolvimento ipsilateral dos pares cranianos, disartria, disfagia,
ataxia, vertigens, nistagmo e síndrome de Horner.(1, 6)
Um
dos síndromes vertebro-basilares a salientar é o Síndrome de Wallenberg que surge
por oclusão da artéria vertebral ou cerebelar póstero-inferior.(6) No lado
ipsilateral à lesão, origina síndrome de Horner, hipostesia termo-álgica da
hemiface e ataxia periférica com queda para o lado da lesão.(1, 6) Associadamente
surge hipostesia termo-álgica do hemicorpo contralateral, disfagia, disartria e
disfonia (paresia do palato e cordas vocais), diplopia, nistagmo, vertigem,
náuseas e vómitos (núcleo vestibular).(1, 6) A oclusão da
artéria basilar origina isquemia do tronco cerebral, que na lesão extensa leva
à instalação do Síndrome Locked-in (tetraplegia
com afasia motora, mantendo a sensibilidade, a compreensão, a visão e a audição
preservadas).(1, 6)
7 – Avaliação diagnóstica
- Maioritariamente
a suspeita de AVC tem origem nas alterações do quadro clínico. A avaliação
segue com exames imagiológicos (tomografia computorizada (TC) cranioencefálica
ou ressonância magnética (RM)), que auxiliam no diagnóstico diferencial,
identificação e extensão da lesão.(7) O estudo
angiográfico (angio-TC ou angio-RM) pode ser útil na decisão terapêutica.(8)
Em
todos os doentes com AVC isquémico devem ser pesquisados os principais fatores
de risco cardiovascular, para esclarecimento etiológico e tratamento preventivo.(9) O estudo completo inclui análises
sanguíneas, eletrocardiograma de 12 derivações, eco doppler carotídeo e
intracraniano e ecocardiograma, se AVC isquémico (preferencialmente
transesofágico pela melhor visualização da aurícula esquerda, válvula mitral,
septo interauricolar e arco aórtico).(6, 7) Na suspeita de embolismo paradoxal,
deve ser excluída uma trombose venosa com eco doppler dos membros inferiores.(6)
Em
doentes jovens, os exames complementares deverão excluir coagulopatias (como
défices de antitrombina III, proteína C e proteína S), vasculites, patologia
reumatológica, homocistinúria e disseção de grandes vasos. No entanto, a
prevalência de AVC idiopático é elevada, sem identificação de fatores de risco
óbvios em 40 a 50% dos casos.(6)
8
– Tratamento do AVC na fase aguda - Na fase aguda, o objetivo
do tratamento é reverter ou limitar a lesão cerebral e prevenir complicações
imediatas.
A
manutenção da permeabilidade das vias aéreas é fundamental.(7, 9) O controlo da TA, temperatura e
glicémia têm mostrado benefício no prognóstico.(6) O efeito dos
fármacos com caraterísticas neuroprotetoras contínua em estudo.(6, 9)
No
caso do AVC isquémico, a reperfusão por trombólise intravenosa com ativador do
plasminogénio tecidual recombinante é eficaz quando aplicada nas primeiras 3 horas
após início do quadro.(6,
9) A trombólise intrarterial e a
trombectomia mecânica são alternativas possíveis à trombólise intravenosa,
quando esta não está indicada.(9)
No
AVC hemorrágico, a cirurgia pode estar indicada nas hemorragias intracerebrais
lobares com deterioração neurológica progressiva e nas hemorragias cerebelosas
superiores a 3 cm, com deterioração neurológica secundária à compressão do
tronco.
9 – Prevenção do AVC
secundário - Os principais fatores de risco devem ser
controlados pela alteração comportamental. A prática de exercício físico
aeróbio, a cessação tabágica, o consumo moderado de bebidas alcoólicas e a
implementação de uma dieta com baixo teor de sal (máximo 2,4g/dia), açúcar e
gorduras saturadas e elevado teor de fibras são medidas recomendadas.(6, 9) O índice de massa corporal deve ser
mantido dentro de valores normais-baixos.(7) Para melhor
controlo tensional, glicémico e lipídico, poderá ser necessário a introdução de
tratamento farmacológico.(9)
O
benefício dos antiagregantes plaquetares (ácido acetilsalicílico, clopidogrel) está
comprovado na prevenção de novo AVC isquémico.(6, 7) A
utilização de terapia anticoagulante está reservada para doentes com AVC de
etiologia cardioembólica. São exceção a esta terapêutica, os doentes com
elevado risco de queda, epilepsia não controlada, hemorragia gastrointestinal
ou fraca adesão terapêutica, onde se opta por terapia antiagregante plaquetar.(7)
Procedimentos
invasivos, como a endarterectomia carotídea, reduzem o risco de recorrência na
presença de estenose ipsilateral superior a 70%.(7) A colocação de um
stent carotídeo ou a realização de
bypass vascular, como alternativas à endarterectomia, estão indicadas em grupos
específicos de doentes.(9)
10 - Reabilitação
funcional - A abordagem terapêutica inclui uma equipa
multidisciplinar, constituída pelo fisiatra, enfermeiro, fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional, terapeuta da fala, psicólogo/neuropsicólogo e assistente
social. (14)
10.1 - Conceitos
introdutórios - O programa de reabilitação tem como
objetivo a aquisição da máxima capacidade funcional e autonomia, quer através
da recuperação de capacidades prévias, quer através de mecanismos de
compensação. O princípio base consiste em facilitar/acelerar os mecanismos de
neuroplasticidade – promovendo a recuperação em prol da compensação (reservada
para aquando do atingimento do limiar máximo de recuperação).(6) A reabilitação
deve ser iniciada o mais precocemente possível (doente clinicamente estável),
apresentar objetivos específicos com dificuldades crescentes e/ou desafiantes
para o doente.(12, 13). Identifica-se habitualmente 3
desenvolvidas inicialmente em ambiente hospitalar e progressivamente no
domicílio e na no meio social do doente.
10.2 – Fase aguda do AVC
– Trata-se de uma fase que decorre integralmente em ambiente institucional ao
longo algumas semanas. Referimos de seguida os principais objetivos e
desenvolvimentos terapêuticos que passam por limitar os problemas da
imobilidade, promover independência no leito e estimular as diferentes
respostas posturais e funcionalidades:
-
Prevenção das complicações do decúbito e da imobilidade.
-
Introdução precoce de estímulos sensitivos e motores, e o aumento progressivo
da independência (no leito, nas transferências).
-
Estimulação da atividade ideomotora.
-
Prevenção precoce do desenvolvimento de alterações do movimento (tónus /
espasticidade e atividade sincinética).
-
Prevenção dos problemas tromboembólicos, com mobilização articular passiva dos
segmentos paréticos, massagem manual de drenagem dos membros inferiores,
aplicação de ligadura elástica, vigilância métrica comparativa de ambos os
segmentos.
-
Prevenção das alterações cutâneas, com posicionamentos alternados, higiene no
leito (evitar rugas, migalhas, maceração cutânea por urina ou fezes), controlo
nutricional, vigilância de zonas de hipoestesia ou anestesia cutâneas,
vigilância acrescida perante síndromas febris, desequilíbrios metabólicos,
entre outros.
-
Prevenção dos edemas das extremidades, com mobilização articular passiva,
posicionamento correto do segmento, massagem manual de drenagem, estimulação
precoce da atividade motora.
-
Controlo da disfunção vesicoesfincteriana, com dispositivos urinários e controlo
citobacteriológico rigoroso, da retenção urinária, com drenagem contínua ou
algaliação intermitente por método asséptico e da obstipação, com laxantes de
volume, alimentação e hidratação adequadas.
-
Introdução precoce da cinesiterapia respiratória no leito promovendo a
mobilização torácica, o fortalecimento muscular do diafragma e dos músculos
intercostais, ensino da tosse (e tosse assistida), introduzindo a drenagem brônquica
postural (particularmente dos segmentos basais e posteriores, mais sujeitos ao
decúbito).
-
Vigilância dos problemas da deglutição que não sendo exclusivos da patologia
vascular do tronco, podem colocar problemas diversos (risco de aspiração,
disfagia- Intervenção neuromuscular precoce, limitando as complicações músculo
esqueléticas (limitações articulares; retrações músculotendinosas), estimulando
as atividades sensoriomotoras, inibindo os distúrbios do tónus, modulando a atividade
sincinética e iniciando o trabalho de independência em atividades de vida
diária (no leito e nas transferências).
-
O correto posicionamento no leito, decúbito dorsal e decúbito lateral (com
inibição de padrão espático e limitação da retração músculotendinosa).
-
A mobilização articular, das cinturas à extremidade distal do segmento (membro
superior / membro inferior), em padrão de inibição, evitando o traumatismo
articular nomeadamente nos segmentos hipotónicos ou com menor controlo
sensitivo.
-
A mobilização autopassiva, precocemente ensinada e estimulada, percorrendo
amplos sectores angulares (particularmente no membro superior).
-
O trabalho ativo de mobilização articular (ativo e ativoassistido) nos
segmentos paréticos ou com reduzida limitação funcional.
-
O adestramento no leito, perspetivando a independência no leito, a retoma do
equilíbrio do tronco, a transferência para cadeira, e a verticalização
(estimulação postural).
-
A estimulação sensorial favorecendo o contacto com objetos do quotidiano, com estimulação
audiovisual, motivando o contacto e a interação com o meio; importa detetar
precocemente deficites auditivos e visuais.
10.3 – A fase de evolução
– Trata-se
de um período longo que se desenvolve entre o internamento institucional e o
ambulatório. Pretende-se desenvolver a reeducação neuromuscular, desenvolvendo
uma abordagem global e secundariamente analítica dirigida ao membro superior
(funções manipulativas) e ao membro inferior (funções de verticalização e
marcha). Vai também promover abordagens específicas nas diferentes funções
deficitárias e prover a atividades nas tarefas quotidianas.
10.3.1 - Controlo
sensitivo e motor - A hemiplegia é a sequela motora mais frequente
(88%).(6) A máxima recuperação
funcional ocorre, em média, por volta dos 3 a 6 meses, podendo surgir algum
grau de recuperação minor após esse
período.(1, 6). Nas fases
iniciais, deve-se prevenir o surgimento de retrações músculotendinosas e
neuropatias periféricas, através de posicionamentos corretos, cuidados nas
transferências, mobilizações polissegmentares passivas e ativas-assistidas e
técnicas de alongamento (caso haja alterações do tónus muscular).(6) Após a fase aguda
existem diversas técnicas para promover a reabilitação motora, que devem ser
utilizadas concomitantemente. Nenhuma das técnicas apresenta evidência de
superioridade, pelo que nunca devem ser utilizadas de forma isolada e unitária.(12)
A
terapia tradicional consiste na aplicação de técnicas de posicionamento,
exercícios de mobilização articular passiva/ativa, estiramentos, técnicas compensatórias
e treino de resistência muscular, enfatizando a necessidade de repetição de
movimentos específicos.(1) Neste contexto, a
prática de exercício físico com fins terapêuticos, incluindo treino aeróbio,
fortalecimento muscular e flexibilidade parece ter um papel importante na recuperação
dos doentes.(10)
A
facilitação neuromuscular propriocetiva baseia-se
em movimentos em espiral e diagonais de forma a facilitar padrões sinérgicos de
movimento com base funcional.(1) As técnicas de neurodesenvolvimento,
como é exemplo a técnica de Bobath, têm como principal objetivo a inibição de
padrões primitivos de movimento, de forma a normalizar o tónus muscular e facilitar
padrões de movimento normais.(1) As técnicas de
terapia do movimento, como por exemplo a técnica de Brunnstrom, utilizam
padrões sinérgicos primitivos na tentativa de melhorar o controlo motor através
da facilitação central.(1)
Essas
técnicas podem ser complementadas por outras, tais como a estimulação
sensitiva, técnicas de prática mental (através da imaginação do movimento
pretendido), terapia com espelhos, técnicas de movimento induzido pela
restrição do membro não afetado e estratégias auxiliadas por robótica e
cenários de realidade virtual.(6, 10, 13) O recurso a ambientes virtuais tem
vindo a aumentar, apresentando-se como estimulantes e bem aceites pelos
doentes, contudo, a evidência da sua eficácia é apenas ligeiramente superior às
terapias tradicionais.(16) Desta forma, uma vez que são
recursos muito dispendiosos, defende-se a sua utilização parcial como adjuvante
às restantes técnicas.(16) Técnicas de estimulação elétrica
funcional, estimulação cerebral não invasiva e estimulação magnética
transcraneana também têm apresentado alguma evidência de benefício, embora
ainda pouco robusto.(6) A disponibilidade
de feedback ao doente relativamente
aos exercícios efetuados parece crucial, quer seja através de terapeuta, eletromiografia
ou qualquer outro estímulo.
Têm
surgido vários trabalhos que defendem que as intervenções farmacológicas podem
ter um papel importante na recuperação motora e nas alterações da comunicação.(10, 17) Anfetaminas, dopaminérgicos e
inibidores seletivos da recaptação de serotonina são os fármacos mais testados,
embora a sua utilização ainda careça de evidência científica.(17) A utilização de ortóteses deve ser
criteriosa e está reservada para auxiliar nos posicionamentos (manter/aumentar
a amplitude articular de movimento passivo), facilitar a função ou aumentar o
conforto.(14) As mais
frequentemente prescritas pretendem a estabilização intrínseca de pé (equino
varo espástico) e do joelho (recurvatum). A prescrição de auxiliares de marcha é
frequente e sugere a ponderação do seu peso e a da sua estabilidade. O treino e
a integração na comunidade no domicílio são necessários.
10.3.2 - Reabilitação da marcha - A
marcha hemiparética é caracterizada por assimetria associada ao padrão
sinérgico extensor do membro inferior, anca em extensão e adução, joelho em
extensão e tornozelo em flexão plantar e inversão.(18) Estas
alterações aumentam o consumo de energia necessária para a locomoção e põem em
causa a segurança do doente.(18)
Todos
os doentes devem iniciar o treino de marcha o mais precocemente possível.(14) Os objetivos
iniciais são a aquisição de um bom equilíbrio estático e dinâmico do tronco e
cintura pélvica, aquisição e manutenção do ortostatismo e capacidade de
transferência e subir/descer escadas.(6) Nas fases
iniciais, o treino de marcha em passadeira com suspensão parcial da carga
parece ter benefício.(6) Sempre que se
justifique, deve recorrer-se à utilização de diferentes produtos de apoio / auxiliares
de marcha (andarilho, tripé, canadianas, bengala ou bastão). As ortóteses
tornozelo-pé são as mais utilizadas nestes doentes, uma vez que facilitam a
capacidade de destacamento do pé no início da fase oscilante e confere
estabilidade à articulação na fase de carga.(14)
10.3.3 – Espasticidade
- A
espasticidade é a resistência sentida aquando da realização de um movimento
passivo de estiramento em um determinado músculo, sendo velocidade-dependente.(6) Esta alteração é comum nas lesões de 1º
neurónio, e resulta na hiperexcitabilidade das vias monossinápticas por
alteração das vias inibitórias supraespinhais.(6) Destas alterações resultam posturas
estereotipadas surgindo, normalmente, dias a semanas após o AVC.(19) Pode ter um importante impacto a nível funcional,
condicionando alteração da postura em repouso, na execução da marcha ou na
resposta a estímulos nocivos.(1, 6) O instrumento mais utilizado para a
avaliação deste parâmetro é a Modified Ashworth Scale.(6) O padrão espástico, classicamente, é de
sinergias flexoras dos membros superiores e de sinergias extensoras a nível dos
membros inferiores.(6)
O tratamento engloba uma abordagem não
farmacológica, através de técnicas antispásticas – alongamentos, posicionamentos
(podendo envolver o recurso a ortóteses), agentes físicos (termoterapia,
estimulação elétrica funcional, massagem manual); uma abordagem farmacológica, com
antispásticos orais (baclofeno, diazepam e tizanidina) e técnicas invasivas (injeção
intramuscular de toxina botulínica, bloqueio com fenol, implantação de bomba de
baclofeno intratecal); ou ainda procedimentos cirúrgicos como recurso final.(6, 19)
10.3.4 - Alterações visuais - Na fase aguda, cerca de 20% dos doentes apresentam défice do campo
visual.(6) Enfartes da circulação do tronco cerebral
podem condicionar alterações dos pares cranianos, lendo ao aparecimento de
diplopia. A recuperação dos défices visuais ocorre, por norma, nas primeiras
semanas, sendo o prognóstico desfavorável caso se mantenha o défice após esse
período.(6) A reabilitação tem por base exercícios
orientados por terapeuta e com recurso a diversas tecnologias.(6) A reabilitação da diplopia, por norma,
envolve a oclusão alternada do globo ocular.(6)
10.3.5 - Alterações da
linguagem e comunicação - A comunicação é uma função complexa que
envolve receção, processamento central e expressão de informação.(6) O discurso envolve não só a linguagem como também outros mecanismos para a
produção de palavras – respiração, fonação e articulação.(6) A afasia é a alteração da capacidade em
utilizar a linguagem devido a um dano cerebral, por norma, resultante de lesão
do hemisfério dominante.(6) Há várias classificações das afasias; a mais
geral divide-as em afasias motoras (não fluente, anterior ou expressiva) e
afasias sensitivas (fluente, recetiva ou posterior), podendo as duas formas
estar presentes concomitantemente - afasia global.(6) Ocorre em cerca de um terço dos doentes, a
grande maioria com boa recuperação, sendo que aos 6 meses apenas 12% a 18%
mantém este défice.(6) As alterações do discurso são a disfonia (alteração da emissão vocal) e a
apraxia (alteração do planeamento motor e consiste na incapacidade de o
individuo executar um movimento voluntário, apesar das capacidades motoras e
sensitivas estarem preservadas).(6) O ritmo e a entoação do discurso podem
também estás alteradas – aprosodia –
normalmente no contexto de lesões do hemisfério não dominante.(6)
A avaliação da comunicação deve englobar não
apenas testes convencionais, mas também situações de conversação, escrita,
leitura e descrição do dia-a-dia.(11)
O período previsível de recuperação é
superior ao dos défices motores, sendo que se podem observar melhorias significativas
em períodos superiores a um ano.(6) A terapia da fala é adaptável aos défices
específicos de cada doente, tendo como objetivo estabelecer formas de
comunicação elementares – como por exemplo expressão consistente do sim e do não (mesmo que recorrendo a estratégias alternativas – como por
exemplo gestos, desenhos ou dispositivos eletrónicos).(6) Pode ter interesse incluir nas sessões de
terapia da fala os cuidadores e familiares diretos, de forma a facilitar a
comunicação com o doente.(12) Nos
deficites da linguagem, o programa de reabilitação aponta cada vez mais para a
criação de modelos alternativos, possibilitando a substituição de funções. O
recurso a soluções informáticas com diversos programas adaptados apresenta limitações
inerentes ao padrão cultural do indivíduo, mas começa a ser uma realidade
frequente.
10.3.6 - Alterações
cognitivas – O delírio e a desorientação são alterações
comuns nos períodos iniciais do internamento, sobretudo em idosos, resultando
normalmente de alterações do padrão do sono, alterações hidroeletrolíticas,
efeitos laterais da medicação e síndrome febris infeciosos.(6)
As
alteração do estado de consciência, em AVC de grande extensão pode provocar
sonolência, sobretudo se afetarem o tronco cerebral.(6) Por norma a
recuperação é espontânea, dias ou semanas após o evento.(6) Neste contexto, deve-se
avaliar o estado cognitivo, utilizando por exemplo o Mini Mental State
Examination e caso se justifique uma avaliação neuropsicológica formal.(6)
No
neglect, as alterações de perceção são decorrentes do défice no processamento
da informação sensitiva que chega do sistema sensitivo primário, associadas
sobretudo a lesões do hemisfério não dominante.(6) O neglect é
caracterizado pela inatenção a estímulos visuais, auditivos ou táteis.(6) Existem diversas
estratégias para acelerar a reversão deste deficite tais como a estimulação
oculocinética, as técnicas de imagem mental e a estimulação propriocetiva.(11)
Alterações
de comportamento estão mais associadas a lesões a nível do lobo frontal,
normalmente manifestadas por abulia e défice de atenção.(6) A apatia
normalmente está mais relacionada com a dificuldade em lidar com a nova
condição e com a alteração dos papéis sociais e familiares.(6)
No
caso da memória, caso se verifiquem importantes limitações neste contexto, devem
ser introduzida medidas compensatórias, como estratégias internas (imagem
visual e organização semântica) e externas (cadernos de notas ou dispositivos
eletrónicos).(11) Não está comprovada a eficácia de
medidas farmacológicas no contexto da reabilitação cognitiva após um AVC.(11)
10.3.7 - Deglutição e
nutrição - A disfagia pode afetar até 40% dos doentes
(sobretudo em lesões que englobem o tronco cerebral e em AVC bilaterais), sendo
um fator de risco importante de pneumonia de aspiração, má nutrição,
desidratação e outras complicações.(6, 11, 12) Tem um prognóstico favorável na
maioria dos casos, com recuperação espontânea.(20) A avaliação deve incluir a função
dos lábios, língua, bochechas e mandíbula, bem como a elevação da laringe
durante a deglutição e a presença de tosse ou alteração da qualidade da voz
após deglutição de líquidos ou sólidos.(6) Os testes não
devem ser realizados em doentes sonolentos ou com alterações do estado de
consciência.(6) Se houver
suspeita de disfagia, deve ser realizada uma avaliação mais dirigida por parte
de um terapeuta da fala e caso se justifique, pode-se recorrer a uma videofluroscopia
ou fibroendoscopia da deglutição.(6)
A
reabilitação deve ser focada nos défices específicos do doente, mantendo sempre
a dieta menos restritiva possível.(20) Caso o doente tenha condições para
manter uma alimentação via oral devem ser introduzidas algumas estratégias –
alimentação em ritmo lento, pequenas quantidades, através de movimentos
específicos da cabeça e pescoço, elevação da cabeceira, ou alimentação em
posição ortostática, e ainda a utilização de espessante para os líquidos e
dieta de consistência mais adequada.(1) Os doentes sem
condições de segurança para a aplicação das estratégias descritas, necessitam
de alimentação entérica.(1). As alternativas
são as sondas nasogástricas (curta duração) ou gastrostomias / jejunostomias
(longa duração) embora não eliminem completamente o risco de aspiração, uma vez
que as secreções orais podem ser origem da mesma.(6, 11) Na fase inicial é essencial ter especial
atenção para evitar o risco de desidratação ou má-nutrição dos doentes, devendo
ser eliminadas as alternativas entéricas o mais precocemente possível.(6)
10.3.8 - Ombro
doloroso do hemiplégico - Cerca
de 70% a 84% dos doentes apresentarão queixas de omalgia referente ao lado
hemiplégico, sendo que a maioria (85%) ocorrerá associada à componente
espástica.(1, 21) Esse número tem vindo a diminuir nos últimos
anos (40%) devido aos programas de reabilitação mais precoces e intensivos.(6) Esta queixa tem importante rebate funcional,
podendo resultar de um conjunto de alterações: síndrome de dor regional
complexo tipo I (SDRC tipo I), subluxação glenoumeral, espasticidade ou
contraturas, bem como de lesões musculosqueléticas pré-existentes (tendinopatia
da coifa dos rotadores).(6, 21)
O
SDRC tipo I ocorre em 12% a 25% dos casos.(1) Resulta de uma
desregulação do sistema nervoso simpático e consequente dor, alterações da
circulação sanguínea e cutâneas.(1) O tratamento
consiste em exercícios de mobilização, técnicas de dessensibilização,
corticoterapia sistémica e analgesia (medicação e agentes físicos).
A
subluxação glenoumeral resulta das alterações biomecânicas a nível do ombro,
embora o mecanismo ainda não esteja totalmente estabelecido.(1) A utilização de
ortóteses de posicionamento pode ser importante, mas a sua utilização deve
estar limitada aos períodos de deambulação do doente.(1) O tratamento deve
basear-se em posicionamentos corretos, estimulação elétrica funcional e
mobilização/fortalecimento do mesmo.(1) A prevenção desta
entidade passa por exercícios de fortalecimento precoces da cintura escapular,
posicionamentos corretos e cuidados na tração do membro.(1)
A
tendinopatia bicipital deve ser suspeita na presença de dor localizada na face
anterior do ombro, dor à palpação da goteira bicipital e testes de Yergarson ou
Palm-up positivos.(1) O tratamento deve
ser inicialmente conservador e, caso necessário, devem ser instituídas outras
medidas, tais como as ondas de choque radiais ou infiltrações de corticoides
(importante identificar riscos associados, tais como o uso de antiagregantes ou
anticoagulantes).(1)
Podem
surgir outras alterações, nomeadamente musculosqueléticas (tendinopatia da
coifa dos rotadores, capsulite adesiva, síndrome de conflito de espaço,
dissinergia escapular, neuropatias periféricas e ossificação heterotópica) ou nervosas
(lesão do plexo braquial, neuropatia periférica).(1) De uma forma
global, o tratamento deve sempre enfatizar a melhoria da biomecânica e função
do ombro lesado, concomitantemente com a abordagem terapêutica dirigida à
patologia específica.(21)
10.3.9
- Dor central pós AVC - Resulta
da lesão na via espinhotalamo-cortical, apresentando características de dor
neuropática.(21) O tratamento baseia-se em técnicas analgésicas
– massagem, dessensibilização, agentes físicos e psicoterapia.(21) Fármacos como antidepressivos tricíclicos
(amitriptilina) e anticonvulsivantes (lamotrigina e gabapentina) podem ser
úteis. Em casos refratários, podem ser efetuados bloqueios nervosos.(11, 21)
10.3.10 - Complicações médicas - Estima-se que cerca de 60% a 90% dos doentes desenvolvam complicações
médicas na fase aguda pós AVC.(6) Referimos aquelas com mais impacto na
morbilidade na função:
- Trombose
Venosa Profunda (TVP) - A imobilidade aumenta o risco de desenvolver uma TVP.
A profilaxia com heparina de baixo peso molecular diminui a incidência.(6) O diagnóstico precoce é fundamental de modo
a iniciar o tratamento (anticoagulação em doses terapêuticas) o mais
precocemente possível.(6)
- Convulsões - Ocorrem
em 6% a 9% dos doentes. Podem surgir aquando da lesão, nas primeiras duas
semanas (início precoce) ou após duas semanas (início tardio).(1) Estão normalmente
associadas a idades mais avançadas, confusão e lesões hemorrágicas extensas dos
hemisférios parietal ou temporal.(1) Frequentemente são do
tipo tónico-clónicas generalizadas.(1) O tratamento é
farmacológico, caso se verifique recorrência, não existido indicações para a
sua profilaxia.(11)
- Depressão - Estima-se
que cerca de 50% dos doentes apresentam sintomatologia depressiva, sobretudo
entre os 6 meses e 2 anos após o evento agudo.(6, 12) Parece
haver uma maior tendência em doentes com predisposição psicossocial, condicionada
pela ansiedade decorrente da incapacidade adquirida (componente reativa).(6) Alguns estudos referem
maior risco de depressão major em lesões frontais esquerdas ou bifrontais (componente
orgânica).(1, 6) São fatores de risco
importantes alterações psiquiátricas prévias, dependência nas AVD, género
feminino, afasia não fluente, défice cognitivo e fraco apoio social.(1) Esta condição pode
afetar de forma significativa o prognóstico do doente, pelo que a psicoterapia
e o tratamento farmacológico precoce (inibidores seletivos da recaptação de
serotonina) apresentam crucial importância para o sucesso do programa de
reabilitação.(6)
- Alteração vesicoesfincteriana - Mais
particularmente referidas a alterações da função urinária ou intestinal:
* Trato urinário - Os problemas mais frequentes são as infeções
do trato urinário (ITU), incontinência e retenção urinária.(6) Estima-se que 50% a 70% dos doentes
apresentem incontinência no primeiro mês, diminuindo para 15% após 6 meses.(1) A utilização de sonda vesical deve ser
limitada e suspensa o mais brevemente possível ou, caso necessário, substituir
por regime de algaliações intermitentes.(6, 11) A urgência ou incontinência urinária podem resultar
da desinibição do detrusor, sendo os fármacos anticolinérgicos relevantes neste
contexto.(6) Outras estratégias são o tratamento de
possíveis causas subjacentes (ITU), regulação da ingestão de líquidos, treino
de transferência/capacidade de utilização de dispositivos urinários, treino
vesical e, caso necessário, realização de estudo urodinâmico para melhor
esclarecimento.(1)
* Trato intestinal - A incidência de
incontinência fecal é de aproximadamente 31%, resolvendo-se normalmente nas 2
primeiras semanas.(1) O tratamento passa pela resolução de
possíveis causas subjacentes (como gastroenterite), instituição de treino
intestinal, treino de transferência e estratégias de comunicação.(1) A obstipação é outra queixa frequente,
devendo ser adotadas diversas estratégias no tratamento, tais como a criação de
condições de privacidade, o reforço da hidratação, as alterações da dieta (introdução
de fibras), o recurso a fármacos (modificadores da motilidade intestinal ou
procinéticos).(1)
- Complicações respiratórias - A
aspiração (de conteúdo alimentar ou fluidos orais) decorrente da alteração da
deglutição, é uma complicação frequente após AVC.(1) São preditores do
risco de aspiração a presença de tosse anormal, tosse após deglutição,
disfonia, disartria, alterações do reflexo do vómito e alterações da voz após
deglutição (voz molhada).(1) Como consequência da
aspiração, pode surgir uma pneumonia de aspiração.(1) É essencial uma
avaliação cuidada neste contexto, devendo ser introduzidas medidas alternativas
de alimentação o mais precocemente possível.(1) A introdução
oportuna e dirigida de antibioterapia, bem como técnicas de cinesiterapia
respiratória são fundamentais nestes doentes.
- Outras complicações – Referimos em particular o risco de queda, as alterações cardíacas e a
sexualidade, pois todas elas de diferente forma interferem no risco de
morbilidade e na funcionalidade.
* Quedas - As quedas são frequentes tanto na fase aguda como na
de estado, decorrente das alterações sensitivas, dos défices da força muscular,
da limitação cognitiva, depressão e polimedicação, entre outras. (12) Devido à
imobilidade, a mineralização óssea está comprometida nestes doentes, pelo que
exercício físico específico, a suplementação com cálcio / vitamina D e
bisfosfonatos apresentam interesse terapêutico. (11, 12)
* Complicações cardíacas - Cerca de 75% do AVC decorre da existência
de aterosclerose, hipertensão vascular ou patologia cardíaca. (6) Na fase
aguda, podem surgir várias complicações como angina, hipertensão não
controlada, hipotensão, enfarte agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca
congestiva e arritmias de novo. (6)
* Sexualidade - A
disfunção sexual é uma queixa frequente (57% a 75%), (6) decorrente não apenas de défices adquiridos,
como também de fatores emocionais (medo, ansiedade, baixa autoestima, receio de
rejeição do parceiro).(1) É importante não esquecer que esta pode ser
iatrogénica, consequente da toma de alguns antidepressivos, anti-hipertensores,
anticonvulsivantes ou opioides.(6) Estima-se que 82% dos doentes recuperem
espontaneamente alguns meses após o evento agudo, devendo ter um acompanhamento
médico e psicoterapia de suporte.(1, 6) Os inibidores da 5-fosfodiesterase
(Sildelafil e Taladafil) podem ter um papel importante na disfunção erétil.
10.4 – Fase tardia
– Pretende-se nesta fase continuar a reabilitação neuromuscular e promover o
adestramento em atividades de vida diária, simples e instrumentais. O conceito
de reabilitação comunitária adquire um crescente interesse promovendo o desenvolvimento
de programas no domicílio e contribuindo para a inserção do doente no seu meio
ambiente. (6, 14) Importa assim valorizar a locomoção (escadas, rampas), as
transferências (cama, cadeira de rodas), a utilização de transportes
(utilização transporte, a condução), a higiene pessoal (banho, lavar os
dentes), a alimentação (preparação, confeção), o vestir (roupa, sapatos), as atividades
domésticas (arrumações, limpezas), o controlo do ambiente (luz, água,
precianas), a comunicação (escrita, telefone), as atividades de lazer
(comunitárias, desportivas) e as atividades profissionais.
A
reabilitação ambulatória é desenvolvida por equipas terapêuticas, envolvendo
diversos grupos profissionais (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais, técnicos de serviço social, entre outros) segundo as
especificidades regionais. Trata-se também de promover a readaptação do
ambiente domiciliário, retirando barreiras arquitetónicas (escadas, rampas,
portas estreitas, móveis, entre outras), adaptando divisões (casa de banho,
cozinha, entre outras) e prescrevendo produtos de apoio para aumentar a funcionalidade.
Ainda neste contexto os cuidadores informais (elementos da comunidade), com
maior ou menor grau de formação assumem uma crescente importância enquanto
elementos decisivos na dinâmica inclusiva (22, 23). A readaptação profissional
assume-se como um dos últimos desafios ao programa de reabilitação, estando
largamente dependente de uma estratégia nacional direcionadas à promoção do
emprego protegido e dos incentivos laborais.
Nesta
fase tardia da evolução e após atingido o potencial de reabilitação, importa
manter de forma ativa e regular um programa de estimulação neuromotora que
concilia a vertente lúdica no domicílio e no meio ambiente com a institucional
apoiada em profissionais de saúde. Sabemos que em fases tardias do programa os
fatores emocionais e sociais assumem-se como decisivos no contexto da
participação, mas de acordo com a evidência importa não esquecer a necessidade
de manter a estimulação neuromotora, em ambiente clínico, por forma a reduzir a
deterioração do potencial e o crescimento de outras morbilidades associadas. (22,
24)
11 – Prognóstico – Genericamente
o prognóstico vital depende da idade do doente, de antecedentes patológicos, da
natureza e gravidade da lesão.(6) O prognóstico em
enfartes lacunares é excelente; nas lesões de grandes vasos é mais grave quanto
maior a área cerebral afetada.(6) Sabe-se que o AVC
hemorrágico é mais mortal que o isquémico, apresentando taxa de sobrevivência
na ordem dos 60% e 90%, respetivamente.(6) O risco de recorrência
de um AVC no primeiro ano é de aproximadamente 12% a 25%.(1)
Quanto
ao prognóstico funcional, é pior se se verificar plegia completa do membro
superior, ausência de preensão após 4 semanas, espasticidade proximal grave e 7
ou período flácido prolongado. Relativamente à deambulação, estima-se que 54% a
80% dos doentes readquiram uma marcha autónoma 3 meses após o evento.(6) Entre 47% a 76%
dos casos, tornam-se independentes na realização das AVD.(6)
Variáveis
sociais têm grande importância no prognóstico, sendo a condição social, o suporte
familiar e de amigos determinantes na reintegração no domicílio ou instituição.(6) Sistematizando a necessidade
de cuidados (25) diremos que 20% do AVC não necessita de programa exigente,
considerando-se possível uma rápida normalização das atividades quotidianas com
reduzidas funções deficitárias. Outros 20% irão demonstrar profundas limitações
funcionais e um mau prognóstico funcional sendo adequada a implementação de
programas de reabilitação assistidos no domicílio (adequação do domicilio,
treino de transferências, treino de deambulação em cadeira de rodas e
verticalização assistida, entre outros). Os restantes 60% iram beneficiar com
todo um vasto programa de reabilitação já anteriormente descrito.
Concluindo
esta abordagem preditiva, enunciamos elementos de prognóstico funcional, a
considerar no âmbito da consulta médica:
Elementos
gerais de prognóstico – a idade, o acidente vascular anterior, a incontinência
ou retenção esfincteriana, as perturbações visuopercetuais e gnósicas (esquema
corporal, organização espacial, práxicas), as alterações do estado de
consciência mantidas, a hemianopsia e o momento de início de programa de
reabilitação
Elementos de prognóstico
para retoma de marcha – a idade, a lateralidade (limite
temporal acrescido para os avc esquerdos), o desequilíbrio postural (tronco e
membros; posição sentado e em pé), as alterações vesico-esfincterianas, a imagem
de TAC (nos acidentes sílvicos superficiais e profundos), a pontuação dos
índices de função (Barthel; MIF, PULSES, entre outros).
Elementos de prognóstico
para o membro superior (segundo Twitchell) - retoma de atividade
reflexa miotática às 48 horas, atividade sincinética e atividade motora
voluntária em grupos flexores aos 10 dias, elementos sinérgicos dos grupos
flexores e extensores progressivos, preensão reflexa antes dos 20 dias,
preensão ativa entre os 25 a 40 dias, retoma funcional antes do 3º mês, espasticidade
ligeira e estabilizada entre os 10 e 18 dias.
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