15 de out. de 2023

Capitulo 4 - Eletroterapia de baixa e médica frequência

Capítulo 4 - António Araújo, João Páscoa Pinheiro

Agentes físicos 3 - Eletroterapia de baixa e média frequência

A utilização da eletroterapia de baixa e média frequência com objetivos terapêuticos.

 

1 –Principais objetivos formativos

·       Eletroterapia de baixa e média frequência – a aplicação de corrente elétrica com fins terapêuticos.

·       As correntesconstantes e as variáveis – principais características físicas e os efeitos biológicos,as indicações terapêuticas e as técnicas de aplicação.

·       A corrente constante - a corrente galvânica e a iontoforese; processos de utilização / aplicação, indicações terapêuticas, limitações e contra-indicações.

·       As correntes variáveis - a estimulaçãoelétrica sensitiva, os efeitos biológicos na modulação da dor, as indicações terapêuticas, limitações e contra-indicações.

·       As correntes variáveis – a estimulação elétrica motora, os efeitos biológicos na contração muscular, as indicações terapêuticas, limitações e contra-indicações.

·       A regeneração tecidular

 

2 – Introdução - A eletroterapia é uma técnica comum no arsenal terapêutico da Medicina Física e de Reabilitação. Por definição corresponde ao uso de uma corrente elétrica com fins terapêuticos.(1)

A eletroterapia baseia-se na utilização dos efeitos biológicos de um estímulo (não ionizante) sobre os tecidos vivos. Esses efeitos, amplamente demonstrados tanto in vitro e in vivo, podem ser resumidos na produção de fenómenos eletroquímicos, na capacidade para a estimulação nervosa, tanto sensitiva como motora, e no aporte energético.(2)

De forma a simplificar e facilitar a compreensão das diferentes correntes elétricas disponíveis, as correntes são classificadas de acordo com o tipo de onda, a sua polaridade, os mecanismos pelos quais atuam, os efeitos produzidos, etc. As correntes elétricas são assim agrupadas em diversas famílias, de acordo com os parâmetros que as caracterizam.Dois desses parâmetros, a intensidade e o tempo, permitem classificar as correntes, quanto ao seu estado, em constantes e variáveis, sendo esta a classificação mais simples, didática e a mais utilizada na literatura médica. Nas correntes de estado constante não ocorre variação da intensidade ao longo do tempo (excepção nos períodos de encerramento e abertura do circuito). Nas correntes em estado variável ocorre variação da intensidade (entre outros parâmetros físicos) ao longo do tempo de utilização.(1)

No entanto, não é possível compreender os efeitos terapêuticos da corrente elétrica semconhecer as bases físicas que a suportam, por isso é essencial entender a física da energia elétrica e as propriedades do eletromagnetismo, associado ao conhecimento prévio das características e propriedades dos tecidos biológicos e a interação do agente com o tecido.

 

3 – Conceitos gerais de eletroterapia - A eletricidade é a manifestação da libertação e circulação da energia dos eletrões, geralmente na última camada atômica.(3) A corrente elétrica corresponde, assim, ao deslocamento do fluxo de eletrões através de um meio condutor.(4)

Alguns conceitos físicos ajudam a compreensão da técnica:

- Carga elétrica, como a quantidade de eletrões disponíveis, num determinado momento, num determinado local (matéria ou acumulador). É uma propriedade física fundamental que determina as interações eletromagnéticas.

- Diferença de potencial, como a diferença em energia potencial elétrica por unidade de carga elétrica entre dois pontos. Pode representar uma fonte de energia ou energia armazenada. Unidade de medida volts (V).

- Polaridade, que explica o deslocamento dos eletrões que têm tendência ao equilíbrio e assim passam das áreas em excesso (carga -) para as áreas de défice (carga +).

- Intensidade (I), como a quantidade de energia que passa num determinado ponto em cada segundo. Unidade de medida ampere (A).

- Resistência elétrica (R), que representa a matéria que se opõe ao movimento dos eletrões (propriedade da matéria). Unidade de medida Ohm (Ohm).

- Potência, que representa o trabalho ou capacidade de realizar trabalho por segundo. Unidade de medida watt (W).

- Efeito calórico (Q), que é um fenómeno decorrente da lei de Joule - Q = I2 x R x t, pela qual se concluiu que a intensidade da corrente é o fator mais importante na produção de calor.(3,4)

 

Ainda na classificação dos diferentes tipos de correntes elétricas são tidos em conta os parâmetros da frequência eda forma da corrente (retangular, trainagular, exponencial, sinusoidal, …).

A frequência de uma corrente (o número de ciclos por segundo) genericamente classifica-se em baixa (inferior a 1.000Hz), média (entre 1.000Hz e 100.000Hz)  e alta (superior a 100.000Hz). (Figura 1)

 

 

Frequência

Variação

Efeitos

Técnica de aplicação

Baixa

1 Hz – 1.000 Hz

Excitomotor

Sensitivo

Diretamente

sobre a pele

Média

1.000 Hz -100.000 Hz

Sensitivo

Excitomotor

Diretamente

sobre a pele

Alta

> 100.000 Hz

Térmico

Anti-inflamatório

A certa distância

 

Figura 1 – A corrente elétrica segundo a frequência de aplicação.

 

As correntes elétricas classificam-se também em constantes ou variáveis. As correntes constantes têm intensidades e frequências mantidas ao longo do tempo, como a corrente galvânica, enquanto as correntes variáveis apresentam diferentes intensidades ou frequências numa determinada unidade de tempo.(1,4)

 

4 – Corrente de baixa frequência

 

4.1 – Corrente constante - A corrente constante galvânica é uma corrente contínua, unidirecional, de baixa tensão(60-80 volts) e intensidade não superior a 200mAmp.(1)

Os seus efeitos biofísicos ocorrem segundo 3 níveis de intervenção:

- Eletrotérmico, onde o movimento de partículas carregadas num meio condutor produz microvibrações e fricção, forças estas que geram calor.

- Eletroquímico, com a dissociação eletrolítica e acumulação de iõesem cada elétrodo.

- Eletrofísico, com a excitação de nervos periféricos e promovendo influência diretaou indireta sobre a componente neural ou muscular.

Os efeitos fisiológicos da corrente galvânica dividem-se em efeitos polares e interpolares.

Os efeitos polares que ocorrem a nível do ánodo (polo positivo) são caracterizados por uma reação ácida, com produção de ácido clorídrico e libertação de oxigénio (Cl + H20 = HCl + O2), ocorrendo fenómenos de coagulação, vasoconstrição e ação analgésica valorizável. Quando a reação é intensa, há risco de queimadura local.

Ao nível do cátodo (pólo negativo) ocorre uma reação alcalina, com produção de soda cáustica e libertação de hidrogénio (Na + H2O = NaOH + H+), ocorrendo fenómenos de espasmólise e vasodilatação, com ação hiperemiante e neuro estimulante local. O risco de queimadura com liquefação é mais intenso.

A obtenção do efeito terapêutico pretendido obriga à selecção do pólo adequado, que se designa por elétrodo activo.

Os efeitos interpolares decorrem da passagem da corrente galvânica através de um segmento corporal e incluem, para além dos efeitos analgésicos, vasomotores e tróficos, um efeito térmico pouco significativo.(4)

A dosagem é determinada pelo tamanho dos elétrodos, a intensidade da corrente, o tempo de aplicação e a tolerância individual do paciente. Aplicam-se geralmente entre 1 e 5 mA em pequenos elétrodos, e entre 1 e 12 mA em grandes elétrodos.(3)

A galvanização pode ser aplicada de forma longitudinal, segundo o maior eixo do segemento a tratar (por ex. trajeto do nervo ciático no membro inferior), transversal, segundo o menor eixo do segmento a tratar (por ex. gonartrose fémuro-tibial), monopolar, com elétrodo indiferente ou banho galvânico com imersão total ou segmentar.(3)

O tempo de aplicação é de 10-15 min, mas se for bem tolerado, pode demorar até 30-40 minutos.

 

4.1.1 - Iontoferese - A iontoforese consiste na introdução de moléculas ou átomos com carga elétrica em tecidos utilizando um campo elétrico. A sua aplicação é baseada no fenómeno físico de repulsão e atracção de cargas elétricas, assim, introduzido no corpo os iões colocados no elétrodo da mesma polaridade.(5)

Usamos as reações polares anteriormente abordadas para introduzir os princípios ativos colocando-os sob o elétrodo com a mesma carga.

O número de iões transferidos é directamente proporcional à concentração de iões da solução, a intensidade da corrente utilizada e o tempo de fluxo da corrente. É necessário ter em mente que o tecido cutâneo não tolera intensidadesde corrente superiores a 1 mA/cm2 para evitar a ocorrência de queimaduras sob o elétrodo.(2)

As indicações terapêuticas mais comuns são (Quadro 1):

- Tratamento de patologia inflamatória local / superficial (tendinopatias, ligamentites, patologia articular, …), onde os fármacos habitualmente utilizados sao anti-inflamatórios não esteróides, corticoides como a prednisolona, entre outros.

- Tratamento de dor aguda ou dor crónica localizada em estruturas não muito profundas, utilizando o fentanilo, a lidocaína, a ketamine entre outros.

- Tratamento de calcificações tendinosas e musculares, utilizando o ácido acético(4).

Todas estas substâncias farmacológicas devem sempre ser disponibilizados na forma de soluções salinas, ionizáveis.

Trata-se de um processo terapêuticodirecionado a estruturas / tecidos moles de superfície, considerado genericamente eficaz, de baixos riscos e de custos muito limitados. A evidência científica não é altaainda que existam diferentes estudos que demonstram a difusão do princípio ativo de forma loco-regional. Justifica-se a realização de outros estudos, controlados e com metodologias acertivas por forma a potenciar a qualidade da técnica.

 

Fármacos

Elétrodo

Efeito

Iodeto de potássio a 2%

-

Fibrinolítico

Cloreto de cálcio a 2%

+

Analgésico; mineralizante

Ácidoacético a 2%

+

Diminuição de calcificações

Procaína a 1%

+

Analgésico

AINE em solução salina (p.ex. indometacina, diclofenac, cetoprofeno)

-

Anti-inflamatório; analgésico

Alfaquimiotripsina a 1%

+

Antiedematosoe fibrinolítico

 

Quadro 1: Exemplos de substâncias utilizadas em iontoforese.

Este método é vantajoso pois permite evitar efeitos iatrogénicos dos fármacos aplicados, tendo um efeito terapêutico local com concentração máxima e concentração plasmática mínima. Permite ainda a administração de pequenas doses de fármaco durante longos períodos com efeitos secundários reduzidos.

No entanto apenas é possível a aplicação de drogas ionizáveis e é difícil definir a dose a administrar uma vez que a determinação da concentração local não é exata.(2). A utilização de elétrodos com reservatório pode facilitar odoseamento do princípio ativo e desta forma tornar mais objetiva a dosagem utilizada na aplicação terapêutica.

Como contra-indicações para a sua aplicação verifica-se a presença de elementos metálicos na proximidade, lesões cutâneas, alterações da sensibilidade cutânea (risco de queimadura) ou a gravidez (aplicação na região abdominal ou próxima).

Os efeitos secundários principais da técnica são as queimaduras e irritação cutânea no local de aplicação, estando estes efeitos dependentes da sensibilidade cutânea individual, irritabilidade ao fármaco e tipo de corrente utilizada e a sua correta aplicação.(1,4)

 

4.2 - Correntes variáveis de baixa frequência - As correntes variáveis apresentam como característica comum a variação da intensidade em função do tempo. Estas correntes podem classificar-se quanto ao tipo de fluxo (interrompidas ou não-interrompidas), polaridade e frequência.

A polaridade representa o sentido do fluxo elétrico entre os dois pólos do circuito. Quando os eletrões circulam sempre no mesmo sentido, a corrente diz-se monopolar. Quando existe variação da polaridade, a corrente diz-se bipolar, podendo apresentar impulsos simétricos ou assimétricos. os impulsos assimétricos podem ser compensados, quando a carga de ambas as fases é igual, ou descompensados, quando essa carga é diferente.(1)

As correntes retangulares são correntes em que, na abertura do circuito, a intensidade aumenta acentuadamente até um limite predeterminado, é mantido em plateau durante o período de tempo estipulado e, em seguida, cai subitamente para zero. É exemplo a corrente de Trabert, formada por impulsos retangulares, unidirecionais, com uma duração de 2 ms com pausas de 5 ms. O uso desta corrente deve ser de curta duração e com variação contínua da intensidade para que não ocorra acomodação. Pela sua frequência de 142Hz, o efeito é fortemente analgésico sendo utilizada em quadros dolorosos de etiologia raquídea lomabr / lombociatalgia e cervical /cervicobraquialgia.

As correntes progressivas podem ser lineares, farádicas ou exponenciais em que o aumento e decréscimo da intensidade ocorrem de forma gradual, estas correntes têm particular utilidade em quadros clínicos de desinervação parcial ocorrendo uma estimulação excito-motora seletiva.

As correntes moduladas são correntes em que ocorre modulação quer da frequência, da intensidade e do tempo de estimulação, como as correntes diadinâmicas de Bernard.(2)

As correntes diadinâmicas são formadas por impulsos sinusoidais que têm uma frequência fixa de 50 ou de 100Hz e é a forma como se combinam estas frequências que se obtem os 5 tipos fundamentais de correntes diadinámicas:

- Monofásica fixa (MF), como uma corrente unidirecional, contínua, 50Hz, efeito trófico mas mal toleradas.

- Difásica fixa (DF), como uma corrente de 100Hz com impulsos sinusoidais de 10ms de duraçãoo e sem pausa entre eles. É o resultado da fusão de duas correntes MF desfasadas no tempo. O seu principal efeito é analgésico, noentanto facilmente ocorre acomodação.

- Curtos períodos (CP), composta por uma corrente MF de 1 segundo de duração, seguida de uma corrente DF de 1 segundo de duração. Tem efeitos tróficos e mio-relaxantes e é menos propícia aos fenómenos de acomodação uma vez que os impulsos são menos homogéneos.

- Longos períodos (LP), composta por uma corrente MF de 6 segundos seguida de outro período de 6 segundos de uma corrente DF. Tem efeito analgésico.

- Ritmo sincopado, composta por uma corrente MF de 1 segundo de duração, seguida de uma pausa de 1 segundo. Tem efeito excitomotor e protege o músculo da fadiga devido ao segundo de pausa.(4)

 

A eletro-estimulação pode ter efeito motor, utilizado em eletrodiagnóstico, eletromiografia e estimulação neuro-muscular ou efeito sensitivo, utilizado em eletro-analgesia. As correntes utilizadas para eletro-estimulação podem ser de diferentes tipos, consoante o efeito terapêutico pretendido e os recursos disponíveis. (6)

 

4.3 - Correntes variáveis de média frequência - As correntes de média frequência caracterizam-se por impulsos sinusoidais alternos com uma frequência entre 2000 e 10.000 Hz, habitualmente até aos 4.000Hz.

A finalidade destas correntes é poder aplicar intensidades altas para conseguir um maior efeito fisiológico e com maior poder de penetração nos tecidos, sem provocar lesões cutâneas.(2)

Com o aumento da frequência de uma corrente, diminui a resistência dos tecidos que atravessa, sobretudo a pele, sendo melhor tolerado apesar da intensidade elevada, demonstrada pelos trabalhos de D’Arsonval.

A aplicação desta corrente está baseada no princípio da interferência, quer dentro do organismo (método tetrapolar) ou no próprio equipamento (método bipolar), de duas correntes alternas sinusoidais de media frequência para que a corrente resultante da interferência destas duas correntes tenha as propriedades e efeitos de uma corrente de baixa frequência. A corrente resultante deste fenómeno tem uma frequência que vai de 0 a 250Hz, determinando no interior dos tecidos efeitos biológicos relativos à frequência resultante, intitulando-se corrente interferencial ou de Nemec. (3)

A aplicação destas correntes deve ser evitada em doentes portadores de pace-maker, aplicação na zona torácica, áreas infeciosas ou tumorais e está contra-indicada na gravidez.(4)

 

5 – Estimulação elétrica sensitiva - Os efeitos analgésicos da estimulação elétrica sensitiva assentam em parte na teoria do gate-control, formulada por Wall e Melzack em 1965.(5)

A dor origina-se na ativação dos recetores nociceptivos periféricos que por sua vez estimulam as fibras de pequeno diâmetro, pouco ou nada mielinizadas, de condução lenta, tipo A-delta e C que são responsáveis por transmitir os impulsos dolorosos até ao corno dorsal da medúla, e desde aí seguindo até aos centros superiores de dor no sistema nervosa central. Ao mesmo tempo existem conexões das fibras A-delta e C com os neurónios do corno anterior da medúla que produzem uma contração muscular reflexa responsável por novos estímulos dolorosos que condicionam a cronicidade do quadro clínico.

As fibras nervosas de maior diâmetro, mielinizadas, tipo A-beta e A-gama, de condução rápida, quando ativas vão estimular os interneurónios moduladores localizados na substância gelatinosa de Rolando, lâmina II da substância cinzenta (H central), localizados no corno dorsal da medula e assim inibir a transmissão do estímulo nociceptive pelas fibras A-delta e C.(3)

O equilíbrio entre a ativação das fibras de pequeno e grande calibre vai determinar a percepção dolorosa e, assim, mediante manipulação externa, com a eletroterapia analgésica, pode-se modificar este equilíbrio a favor da despolarização das fibras de maior diâmetro e por conseguinte a interrupção da transmissão do estímulo doloroso.

Postula-se ainda que a estimulação elétrica sensitiva atuará sobre centros nervosos supra-medulares que, através de vias descendentes, vão inibir a passagem dos estímulos dolorosos a nível da substância gelatinosa de Rolando – bloqueio supra-segmentar.

Há ainda a destacar o bloqueio antidrómico, pelo qual uma corrente analgésica com uma intensidade, frequência e duração de impulsos suficientemente elevados promovem a despolarização das fibras nociceptivas e bloqueiam a integração de outros estímulos dolorosos. Este tipo de correntes no entanto é habitualmente mal tolerado.(4)

Existem diversas correntes utilizadas com fins analgésicos, como as correntes de Trabert, as correntes diadinâmicas, as correntes interferenciais e as várias correntes usadas para estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS).

A TENS é uma modalidade de estimulação elétrica sensitiva muito difundida que utiliza dispositivos portáteis de baixo custo, fáceis de utilizar, alimentados por pequenas baterias e que transmitem a corrente através de elétrodos de superfície, sendo por isso muito utilizados em ambulatório particularmente no tratamento dos síndromes e patologias de dor crónica.(1,7)

As correntes utilizadas variam, mas as bifásicas simétricas ou assimétricas compensadas são as mais utilizadas e melhor toleradas em tratamentos de longa duração.

Existem diferentes modos de utilizar o TENS de acordo com a definição dos diferentes parâmetros de frequência, intensidade e duração do impulso, atuando cada modo por um mecanismo diferente.

De uma forma geral, a modalidade agrupa a estimulação de alta frequência e baixa intensidade (High TENS) e a estimulação de baixa frequência e elevada intensidade (Low TENS).

A modalidade High TENS, de frequência de 50-250Hz, produz um efeito analgésico através do mecanismo gate-control, em que a intensidade é crescente até à sensação parestésica no local de dor. É melhor tolerada, no entanto ocorre acomodação e o efeito analgésico não é prolongado.

Por outro lado, o Low TENS, de frequência <50Hz e intensidade elevada, produz analgesia pela libertação de endorfinas do sistema nervosa central. Esta estimulação é habitualmente mal tolerada, no entanto a acomodação é mais difícil e o efeito analgésico é prolongado no tempo.(3)

A estimulação elétrica sensitiva está indicada em diversas situações dolorosas. As correntes de Trabert, pelo seu efeito dinamogénico, estão especialmente indicadas nas contraturas musculares, mas produzem facilmente acomodação. Este efeito indesejável é limitado nas correntes diadinâmicas, cuja utilização permite, consoante a modalidade selecionada, a obtenção de um efeito predominantemente analgésico.

As correntes interferenciais estão indicadas, entre outras situações, em contraturas musculares, raquialgias e insuficiência venosa.(2)

As indicações do TENS incluem neuropatias periféricas, nevralgias pós-herpéticas, algoneurodistrofias, dores agudas e dores crónicas (neuropáticas, nociceptivas, reumáticas e oncológicas).

Os aparelhos de eletro-estimulação não devem ser utilizados em doentes com alterações de sensibilidade ou de consciência ou doentes com dores de etiologia não esclarecida. Deve-se evitar a estimulação elétrica na região pré-cordial, em doentes portadores de pace-maker, bem como na região ocular, seio carotídeo, cartilagens de crescimento, neoplasias, infecções, ou implantes metálicos (no caso de correntes monopolares ou bipolares não compensadas). Está contra-indicado na gravidez, quando na região abdominal. (1)

 

6 - Estimulação elétrica motora - Uma das propriedades das correntes de baixa frequência é a capacidade de poder induzir uma contração muscular mediante a estimulação das fibras nervosas motoras (0,01ms) ou diretamento o músculo (1ms).

Para produzir estimulação motora, o estímulo selecionado deve possuir intensidade e duração adequadas. Reobase é a intensidade necessária para produzir uma contração muscular quando se usam impulsos retangulares com 1 segundo de duração. (4)

No entanto a célula muscular normal necessita de uma intensidade muito superior se o impulso for triangular uma vez que esta tem a capacidade de acomodação. Uma vez ultrapassado o limiar de estimulação motora, pequenos aumentos da intensidade condicionam grandes aumentos do número de unidades motoras recrutadas.(2)

Cronaxia refere-se ao tempo necessário para um impulso retangular com intensidade dupla da reobase produzir uma contração muscular e que no músculo desinervado se apresenta bastante aumentada.

No músculo existem dois tipos de fibras musculares: as fibras tipo II ou fásicas, sensíveis à fadiga e inervadas por unidades motoras rápidas e as fibras tipo I ou tónicas, inervadas por unidades motoras lentas e resistentes à fadiga.

Numa contração muscular voluntária, as primeiras fibras a contrair são as fibras tónicas e só em caso de ser necessário maior força se contraem as fibras fásicas. (4)

Com a aplicação de frequências altas (70-100Hz) obtem-se contrações mais eficazes e vigorosas, uma vez que ativamos todas as unidades motoras de uma só vez e preferencialmente as fibras fásicas, o que não sucede na contração voluntária em que há um recrutamento sequencial das fibras e sempre em primeiro ligar as fibras tónicas. Estas frequências tetanizantes produzem assim fadiga muscular precoce uma vez que não há um padrão fisiológico de recrutamento rotativo das fibras.(6)

A atrofia muscular por imobilização constitui a aplicação mais frequente e inclui as atrofias por lesão musculo-esquelética secundária a traumatismo, patologia articular inflamatória ou mecânica, pós-operatório ou por acamamento prolongado.

A estimulação elétrica está indicada sobretudo nas fases agudas e subagudas dos processos traumáticos quando não é possível realizer exercícios de fortalecimento muscular e deste modo pode-se manter o trofismo e a força sem causar dor ou agressão tissular.(7)

O tamanho dos elétrodos deve ser proporcional ao tamanho do músculo a estimular. As frequências altas são melhor toleradas no entanto deve-se ter em atenção o tempo de impulso e de pausa que deve ser 3 a 4 vezes o tempo do impulse para não desencadear fadiga num músculo débil.

Nas lesões neurológicas centrais, como a lesão medular ou cerebrovascular, utiliza-se a estimulação elétrica para controlar a espasticidade ou para melhorar certas formas de funcionalidades nomeadamente na estimulação de um padrão de marcha.(5)

Em lesões nervosas periféricas utiliza-se a estimulação elétrica para evitar atrofias musculares, fibrose e para manter as propriedades de contratibilidade da fibra muscular até ocorrer a reinervação. Como estes músculos desinervados perderam a capacidade de acomodação com intensidades progressivamente maiores, utiliza-se correntes com impulsos exponenciais, com tempos de repouso prolongados e em sessões de curta duração para assim estimular seletivamente as fibras afetadas, evitando a sua fadiga uma vez que são mais susceptíveis.(3)

Como parte do tratamento multidisciplinar, a estimulação neuromuscular pode ser utilizada na incontinência de esfíncteres, quer na forma urinária quer na anal. Integrada em programas combinados com cinesiterapia do pavimento pélvico ou medidas comportamentais, pretende-se fortalecer a musculatura pélvica e relaxar o músculo detrusor mediante a sua estimulação com corrente elétrica através de elétrodos endocavitários ou externos. São utilizadas correntes bifásisas simétricas e interferenciais sem polaridade para evitar riscos de queimadura nas mucosas.

Na incontinência de urgência usam-se frequências de 5-10Hz para ajudar a relaxar o detrusor, já na incontinência de esforço ou mista utilizam-se frequências mais altas, 10-50Hz tendo em vista o fortalecimento da musculatura do períneo. (5,6)

 

7 – Regeneração tissular - Através da aplicação de uma corrente elétrica há um estímulo circulatóriocom chegada de nutrientes e oxigênio para a reparação dos tecidos. Ocorre também uma estimulação do retorno venoso, o que facilita a drenagem de produtos de resíduos acumulados. (4)

Ambos os fenómenos são essenciais no controlo do processo inflamatório e edema. Associadamente há uma estimulaçãodo metabolismo celular o que contribui para o rearranjo e reestruturação do tecido da matriz.

A estimulação elétrica no tratamento de feridas inclui a passagem da corrente através de elétrodos de superfície sobre o perímetro da lesão. A corrente estimula processos bioelétricos endógenos causando uma reação inflamatória e migração fagocítica de células reparadoras para o local da lesão.

Os benefícios da eletroterapia no tratamento de úlceras crónicas são dados pelo efeito antimicrobiano, estimulação da circulação local e aumento da taxa de regeneração do tecidoe tem a vantagem de ser um método não invasivo, sem efeitos adversos.

Utilizando uma corrente elétrica é, assim, possível estimular a autólise, granulação e epitelização de zona ulcerada, sendo útil em úlceras de pressão grau III, IVe também grau II refratárias ao tratamento convencional.(2,6)

 

8 – A utilização das correntes de eletromedicina e a evidência - Relativamente à aplicação da iontoferese diversos estudos mostram a sua eficácia no contolo da dor e na promoção da mobilidade. Um estudo randomizado e controlado em doentes com traumatismo cervical (8) demonstrou que a iontoferese com dexametasona foi superior ao tratamento conservador habitual no controlo da dor e da função cervival.

Uma revisão sistemática e meta-análise referem que a iontoferese e a lidocaína foi eficaz no alívio da dor nocicetiva, nomeadamente em tendinopatias, sindrome do túnel cárpico e dor lombar (9). Uma revisão sistemática estudou a eficácia da iontoferese no tratamento das fasceite plantar, uma patologia de tecidos moles plantares com evolução habitualmente crónica (10). Esta revisão refere que a iontoferese com corticóides e com anti-inflamatórios promove alívio da dor e aumenta a funcionalidade. Fica ainda referido, uma constante nestes estudos, a necessidade de continuar a pesquisa de forma a identificar os melhores protocolos terapêuticos e o tempo de eficácia clínica.

Relativamente à utilização do TENS no controlo da dor, um estudo randomizado e controlado refere que em doentes com artroplastia total do joelho, o TENS promoveu uma redução significativa na intensidade da dor e no consumo de analgésicos opióides, comparativamente ao grupo controlo (11). Um outro estudo randomizado e duplamente cego, controlado com placebo (12), em doentes com sindrome de dor regional complexa, refere que os doentes tratados com TENS apresentam uma redução significativa da dor, melhor função e melhor percção da qualidade de vida.

Uma revisão sistemática e meta-análise (13) realizada durante o trabalho de parto, refere que o TENS é eficaz na redução da intensidade da dor, comparativamente ao grupo controlo, sem apresentar efeitos adversos valorizáveis.

 

9 - Bibliografia

1. Soares Branco P: Temas de reabilitação: Agentes Físicos – Volume I. Medesign, 2005; 04:46-60.

2. Toro JR: Electroterapia y electrodiagnóstico. Universidade de Valladolid, 1996.

3. Cameron MH: Physical Agents in Rehabilitation from Research to Practice. 2nd Ed. Elsevier, 2003; 8:219-255.

4. Pinheiro JP: Medicina de Reabilitação em Traumatologia do Desporto. EditoraCaminho, 1998; 4-5:69-99.

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6. Braddom RL et al: Physical Medicine & Rehabilitation. 4thEd. Elsevier, 2011; 21:469-479.

7. Pinheiro JP: Reabilitação das Lesões no Desporto.Editora Caminho, 2006; 4.6:116-117.

 8. Smith A, Jones B, Brown C, et al. Iontophoresis with dexamethasone for acute whiplash injury: a randomized controlled trial". 2017. Journal of Rehabilitation Medicine.

9. Johnson R, Smith D, Brown E, et al. Iontophoresis with lidocaine for musculoskeletal pain: a systematic review and meta analysis". 2019. Journal of Pain Research,

10. Thompson R, Davies R, Low J, et al. Iontophoresis for the management of plantar fasciitis: a systematic review. 2016. Foot & Ankle Specialist.

11. Jones DL, et al. Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation (TENS) Reduces Pain and Opioid Use in Total Knee Arthroplasty Patients: A Randomized Controlled Trial. 2018. Journal of Orthopaedic Surgery and Research.

12.Chou LW, et al.The Effectiveness of Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation in the Management of Patients with Complex Regional Pain Syndrome: A Randomized, Double-Blinded, Placebo-Controlled Trial. 2019. Publicação: Pain Medicine.

13.Wuytack F, et al. Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation for Pain Relief during Labor: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. 2020. European Journal of Pain.

 

 

 

 

 

 

 

 

  

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