19 de nov. de 2023

capitulo 9 - A reabilitação na doença artrósica

 Capitulo 9 – João Páscoa Pinheiro, Lurdes Rovisco Branquinho


Reabilitação da patologia articular reumatismal

 

A medicina física e de reabilitação na doença artrósica

 

1 – Principais objetivos formativos

 

* A patologia articular – conceitos introdutórios; a patologia inflamatória e a patologia degenerativa; a clínica da atividade e da participação – a dor e contexto nocicetivo, a mobilidade (a amplitude articular, a força muscular, o controlo propriocetivo), os autocuidados, as atividades de vida diária, a qualidade de vida e o viver independente.    

 

* A avaliação funcional – elementos de referência (a força muscular, a amplitude articular, a dor, a fadiga, as atividades de vida diária, a deambulação, a cognição, a interação social).

 

* Elementos métricos (teste muscular / dinamometria isométrica, goniometria, escalas analógicas, escalas numéricas simples, escalas funcionais – gerais ou específicas, questionários de estado de saúde / qualidade de vida).        

 

* A proteção articular – repouso articular (absoluto, relativo, segmentar); auxiliares de marcha, ortóteses e ajudas técnicas.                                                          

 

* Os agentes físicos - a termoterapia (a crioterapia e a termoterapia quente), os agentes de eletroterapia e de vibroterapia (o TENS, a iontoferese, o ultrassom); indicações clínicas.   

 

* As técnicas cinesiológicas – principais objetivos terapêuticos; a mobilização articular, o fortalecimento muscular, a flexibilidade músculo tendinosa, a hidrocinesiterapia; cenários de intervenção e limites terapêuticos.

 

* As ortóteses, os produtos de apoio e os dispositivos de compensação. A intervenção no domicílio. A casa inteligente e a domótica.        

 

* Intervenção dirigida / atividade sexual, comportamento (ansiedade e depressão).           

* Controlo de qualidade na reabilitação das patologias articulares.

 

* A doença artrósica (do joelho), elementos clínicos e programa de reabilitação.

 

 

 

 

2 – A patologia articular – conceitos introdutórios

 

* “Reumatismos são afeções do sistema músculo-esquelético que têm como denominador comum a dor com impotência funcional”. Armando Porto, in ”Temas de Reumatologia”

 

Os avanços na abordagem terapêutica do doente reumático são efetivos em diferentes áreas de intervenção:

 

- Farmacológica, com anti-inflamatórios não esteroides ou esteroides, analgésicos, condroprotetores, antipalúdicos, imunomoduladores, imunosupressores, terapêuticas biológicas, …

 

- Reabilitadora, com agentes físicos (termoterapia, eletroterapia), técnicas cinesiológicas e exercício aeróbio (mobilização articular, fortalecimento muscular, estiramento musculo-tendinoso, reeducação postural, condicionamento aeróbio...), auxiliares de marcha, ajudas técnicas, dispositivos de compensação, ortóteses, modificação do ambiente (remoção de barreiras arquitetónicas), …

 

- Cirúrgica, com osteotomias (corretivas do alinhamento segmentar), artroplastias (anca, joelho, ombro, …), outras...

 

- Aconselhamento, educação ergonómica, controlo ponderal, …

 

* Diferentes patologias reumatismais, “mecânicas ou inflamatórias” podem ser referidas:

 

- Mecânicas (artrose, necrose asséptica, outras)

 

- Inflamatórias (doenças do tecido conjuntivo, espondiloartropatia seronegativas, doença de deposição de cristais, agentes infeciosos, outras)

 

Importa considerar a fase do processo clínico (aguda, estabilização clínica, agudização de uma situação crónica...); a fase do processo patológico condiciona as opções terapêuticas do programa de reabilitação

 

A característica sistémica (com envolvimento de diferentes sistemas orgânicos) constatada em diferentes patologias inflamatórias, é também um elemento a ponderar na prescrição / adequação do programa de reabilitação, particularmente no âmbito das técnicas cinesiológicas (mobilização articular, fortalecimento muscular, adestramento em atividades de vida diária)

 

* Elementos anatómicos envolvidos: a sinovial, cartilagem, osso, estruturas capsulares e ligamentares, estruturas músculo tendinosas periarticulares, fáscias e aponevroses, outras (eventual envolvimento sistémico...)

 

 

3 – A clínica da deficiência da atividade e da participação

 

* Uma determinada fisiopatologia determina um contexto clínico “com manifestações articulares inflamatórias ou não inflamatórias, simétricas ou assimétricas, acompanhadas ou não por manifestações sistémicas e extra-articulares”, associando algumas das diferentes condições:

 

Evolução crónica, normalmente sem perspetiva de cura clínica; devem assim ser consideradas as consequências da doença crónica, no âmbito da deficiência (perda de função parcial ou total), incapacidade (perda de desempenho em atividades quotidianas, enquanto conceito relacional com o meio) e desvantagem (prejuízo de intervenção no meio, criando assimetrias diversas)

 

Terapêuticas prolongadas, resultados terapêuticos de difícil valorização, tanto em termos sintomáticos como funcionais

 

Frequentemente associa problemas da imobilidade e/ou do envelhecimento (d. artrósica), com redução da tolerância ao esforço

 

As consequências da doença crónica (deficiência, incapacidade e desvantagem) determinam perda da capacidade de intervir no meio, de capacidade produtiva (capacidade de ganho), perda de prestígio social, deterioração da imagem e do autoconceito 

 

* A intervenção terapêutica pressupõe:                                         

 

Diagnóstico, avaliação e prevenção das deficiências, da incapacidade e da desvantagem; importa compreender a fisiopatologia e controlar a atividade da doença... (fase inflamatória da doença articular)

 

Controlar o contexto sintomático (dor mecânica / inflamatória, exsudação articular, contratura muscular, rigidez articular,)

 

Explorar o potencial de reabilitação, com reeducação funcional e readaptação socioprofissional

 

- A reeducação funcional (prevenir a disfunção, manter e retomar a função) é um elemento decisivo na qualidade de vida do doente reumático; deve ser particularmente dirigida à realização de atividades de vida diária, autocuidados, deambulação e interação social / comunicação

 

- Objetivos últimos do programa de reabilitação:  

 

Manter ou devolver a capacidade funcional / funcionalidade

Criar condições para “um viver independente”

Manter ou devolver a qualidade de vida

 

4 – Elementos para uma avaliação funcional na patologia reumática

 

* Diferentes parâmetros clínicos permitem, num dado momento, formular uma condição funcional, um potencial de reabilitação e na sua avaliação sequencial a evolução do conceito “função”

 

* Elementos a considerar e propostas métricas objetivas:

 

Importa objetivar os diferentes parâmetros clínicos considerados, de forma a estabelecer um referencial de evolução (dor, rigidez, fadiga, força muscular, amplitude articular, desempenho em atividades de vida diária, deambulação, cognição, interação social, qualidade de vida)

 

Não chega afirmar “está melhor” ou “não está melhor”; as consequências da doença crónica exigem a formulação de referências objetivas e reprodutíveis:

 

- Dor – escala visual analógica, escala numérica da dor...; a dor crónica pode induzir a aplicação de questionários mais complexos, com maior ou menor exploração comportamental ou estratégias de “coping”

É um elemento importante na grande maioria das patologias reumáticas.

 

- Força muscular – utilizando o teste muscular manual (sempre de forma comparativa com o lado oposto) ou um dinamómetro (dinamómetro isométrico); não sendo uma manifestação característica da doença reumática, diferentes condições podem determinar atrofia e perda de força muscular (envolvimento sistémico, sequela da imobilidade, sequela das terapêuticas farmacológicas...)                          

 

- Amplitude articular – goniómetro, com comparação contralateral; diferentes patologias condicionam alteração das amplitudes articulares, ativas e passivas, em diferentes planos de movimento (frontal, sagital, horizontal)                  

 

- Fadiga – a valorizar de uma forma global, utilizando uma escala numérica simples; diferentes patologias determinam quadros de fadiga, com prejuízo no desempenho de atividades quotidianas e deambulação. São múltiplas as causas de fadiga, nomeadamente o envolvimento sistémico, as alterações da força muscular, a perda de condição aeróbia decorrente do imobilismo prolongado, a anemia, a depressão, as consequências das terapêuticas farmacológicas,…                        

 

- As atividades quotidianas (de vida diária) – utilizando escalas de função (Barthel, Pulses, MIF, outras) globais ou específicas para uma determinada atividade / patologia (algofuncional de Lequesne, Womac, KOS e KOS ADL, outras); importa monitorizar diferentes tarefas, particularmente no âmbito dos autocuidados, enquanto elementos decisivos na independência no meio           

 

- Deambulação – no âmbito dos índices de função ou com instrumentos próprios (Jette, velocidade de marcha, X minutos de marcha, outros), qualificando especificidades da deambulação                             

 

- Interação social – quantificando níveis de participação, disponibilidades para interagir no meio envolvente, barreiras arquitetónicas; diferentes instrumentos permitem objetivar elementos considerados como referências de integração                                       

 

5 – A proteção articular

 

* O repouso e a economia articular são aspetos a considerar na intervenção terapêutica da patologia articular, tanto de índole mecânica como inflamatória (repouso absoluto ou relativo)

- Controlo nocicetivo (dor, derrame articular, pressão compartimental, outros)

- Economia articular / adequação ergonómica                   

- Ortóteses de posicionamento e descarga (eventualmente corretivas)   

 

Fase aguda – repouso segmentar absoluto ou relativo, segundo os objetivos clínicos; ortóteses de imobilização; auxiliares de marcha (com diferentes níveis de descarga axial)              

Fase de estado – repouso parcial; controlo do peso corporal; adaptação ergonómica do meio envolvente; reeducação postural; ortóteses de descarga; auxiliares de marcha; dispositivos de compensação e ajudas técnicas   

           

 

6 – Agentes de termoterapia (crioterapia e calor superficial)                  

 

* Fase aguda do processo inflamatório – aplicação de frio estático          

Períodos curtos e repetidos (10-15 min / 4 a 6 vezes ao dia)

Efeitos biológicos pretendidos: analgesia e vasoconstrição

O tempo de aplicação depende da existência clínica de sintomas e sinais “de fase aguda”, eventualmente no âmbito de agudização de patologia crónica.

* Fase de estado – calor superficial – calor húmido, parafina, parafango 

Efeitos biológicos pretendidos: analgesia, relaxamento músculo tendinoso, facilitação de técnicas cinesiológicas (mobilização articular, fortalecimento muscular, adestramento em atividades de vida diária, outras)

A hidrocinesiterapia quente (34 – 35ºC) concilia a transferência de calor superficial, com outras propriedades físicas do meio (impulsão, resistência, agitação, …). 

 

7 – Agentes de eletroterapia           

 

* Estimulação elétrica transcutânea (baixa frequência – TENS)                 

TENS tipo C / analgesia por bloqueio medular – 100 a 200 Hz       

Efeitos biológicos: analgesia por priorização da via rápida (lâmina II, substância gelatinosa de Rolando); trata-se de estimular a competição entre estímulos nociceptivos e propriocetivos (mecanorecetivos)

 

* Corrente galvânica, contínua, no âmbito dos seus efeitos polares e interpolares (analgesia e relaxamento muscular); corrente galvânica e iontoferese (princípios ativos diversos; soluções salinas de AINEs, …)

 

8 – Técnicas cinesiológicas (mobilização articular, fortalecimento muscular, estiramento musculo-tendinoso, massagem manual, reeducação postural)                    

 

Na patologia reumática o exercício terapêutico (mobilização articular, fortalecimento muscular, estimulação propriocetiva, atividade aeróbia, …) contempla os seguintes objetivos clínicos:

- reduzir a dor e aumentar a perceção de bem estar

- manter ou recuperar a mobilidade das articulações

- manter ou recuperar a força muscular

- manter ou aumentar a condição aeróbia

- manter ou estimular a atividade propriocetiva

- estimular a postura corporal

- aumentar a densidade mineral do osso

 

Este processo terapêutico encontra crescente sustentabilidade na medicina baseada na evidência, enquanto processo que modifica verdadeiramente a qualidade de vida do doente.

 

Existem alguns pressupostos a considerar:

 

- o programa deve aumentar o desempenho funcional; toda a intervenção cinesiológica deve ter como principal objetivo aumentar o desempenho de atividades de vida diária e a capacidade oxidativa

- deve ser adequado à fase da doença e atividade inflamatória; o contexto nociceptivo, a rigidez, …, são elementos clínicos a considerar, nomeadamente no âmbito evolutivo

- deve considerar, enquanto deficiências, a limitação articular, a atrofia, o desalinhamento / deformidade axial, … o contexto nocicetivo.

- deve considerar a existência de diferentes comorbilidades, cardiorrespiratória, outras.

 

Os programas de reabilitação devem sempre considerar a idade do paciente, ser motivante e implementado de forma progressiva, ser ensinado à família e prescrito para o domicílio.

Na doença reumática todo o programa que envolve exercício terapêutico deve ser prescrito e controlado pelo médico.

 

* Trabalho de mobilização ativo – controlo voluntário, reduzido risco nociceptivo; associa estimulação propriocetiva (mecanorecetores e “feedback” propriocetivo)

 

* Trabalho passivo – risco acrescido de agressão articular e periarticular

 

* Fortalecimento muscular estático – risco articular reduzido (exceção para a fase aguda da patologia articular – exsudação articular e agressão da cartilagem); prescrever amplitude angular de trabalho, tempo de contração e de repouso, força desenvolvida; solicita fibras do tipo II e I     

 

* Fortalecimento muscular dinâmico (particularmente isotónico concêntrico) – risco acrescido para os componentes articulares; cargas reduzidas e repetições; dosear a carga, a amplitude angular de trabalho; solicita fibras do tipo I e II                      

 

* Alguns limites da cinesiterapia ativa:       

 

Dor e exsudação articular / não se pode fazer reabilitação em ambiente nocicetivo

Limitação articular

Disponibilidades biomecânicas do alinhamento segmentar

Capacidade cardiorrespiratória

Condição metabólica do paciente

 

As técnicas de cinesiterapia (mobilização articular, fortalecimento muscular, estiramento musculo-tendinoso), não devem provocar dor durante a sua execução, algumas horas após a mesma ou no dia seguinte

 

Na patologia inflamatória importa controlar as características clínicas locais da articulação (sinais inflamatórios locais) e a condição sistémica (velocidade de sedimentação e proteínas de fase aguda / proteína C reativa, outras)

 

* As técnicas de cinesiterapia ativa devem:

 

Ser prescritas pelo médico e exemplificadas ao paciente (e/ou às famílias, considerando o elevado interesse do exercício domiciliário). O paciente deve ser motivado para o interesse das mesmas (a informação deve ser cuidada, concretamente a necessária para manifestar o interesse funcional da técnica).

Não devem determinar desconforto, dor, fadiga durante a sua execução (ou nos dias seguintes; dor e rigidez…).

 

* As técnicas de cinesiterapia no domicílio / na instituição

 

No domicílio – as técnicas são de baixo custo; importa ensinar e motivar o paciente. Permitem ligeiros a moderados aumento de força, amplitude e função.

A prescrição de exercício aeróbio, no doente reumático, é uma prioridade considerando os potenciais ganhos funcionais.

Terapêutica importante nos domínios da prevenção e da terapêutica de apoio.

 

Na instituição – mais dispendioso, valorizáveis aumentos de força, da amplitude articular, da flexibilidade e da correção postural; deve também ser conseguido aumento da tolerância ao esforço.

Os resultados permitem modificações sensíveis no âmbito da qualidade de vida, mantidas ao longo de vários meses.

 

A força muscular representa um elemento de referência no âmbito do programa de reabilitação do doente com patologia articular reumatismal, correlacionável com o prognóstico funcional e com a qualidade de vida do doente.

A força do quadríceps é decisiva na qualidade da deambulação, enquanto a força de preensão da mão é importante na capacidade de desempenho de atividades manipulativas. Ambos os parâmetros são prognósticos (força do quadríceps e força de preensão).

 

* Hidrocinesiterapia – possibilitando o desenvolvimento de técnicas ativas e ativas assistidas em meio aquático, explorando as condições físicas do mesmo            

 

Utilização do calor da água (calor superficial)

Impulsão, desgravitação e proteção articular

Impulsão e facilitação cinesiológica

Viscosidade do meio e trabalho resistido

A motivação acrescida / características do meio aquático

 

No entanto, alguns estudos recentes demonstram a mais-valia do trabalho muscular “a seco” comparativamente ao trabalho em água; este último é habitualmente bem tolerado.

A marcada redução de carga axial, justifica um interesse reduzido na prevenção de perda de massa óssea.

 

9 – Auxiliares de marcha, ortóteses, ajudas técnicas, dispositivos de compensação                       

Devem aumentar a função

Proporcionar proteção articular

Não devem promover a dor ou exacerbar o contexto nociceptivo

Devem ser fáceis de utilizar

Devem ser aceites pelo paciente (importa motivar para a sua utilização)

Devem ser acompanhados de um adestramento para melhor utilização

 

* Diferentes materiais, diferentes opções técnicas, diferentes conceções, decorrem de uma prescrição médica fundamentada na perspetiva de integração e da exploração do potencial de reabilitação     

 

De referir que estes materiais consomem energia e potencialmente podem aumentar o custo da tarefa. Importa assim a adequação às condições cardiorrespiratórias, metabólicas e musculoesqueléticas do doente e promover um programa de ensino de utilização.      

10 – Adestramento em atividades de vida diária (AVDs)              

 

* Ensino de cuidados de pessoais (higiene pessoal, vestuário, alimentação); exploração de diferentes atividades utilizando os membros superiores e o tronco    

 

* Reeducação da deambulação, explorando a utilização dos membros inferiores (marcha, subir e descer escadas, subir e descer rampas, contornar obstáculos, outros).

 

Este trabalho de AVDs deve tentar manter a independência em cuidados básicos (como prioridade) e posteriormente em atividades complexas.

A reserva aeróbia é decisiva na qualidade desse desempenho.                

 

 

11 – Informação, aconselhamento e prevenção

 

No âmbito postural – risco de posturas mantidas, introdução de mini pausas e programas de “standing and stretching”, outros.

 

No âmbito gestual – o transporte de pesos, a posição sentada (e os riscos nas curvaturas sagitais), as rotações axiais; as atividades repetitivas microtraumáticas, outras.

 

Os problemas relativos aos hábitos e estilos de vida:

 

-                  O sedentarismo

-                  A posição sentada

-                  As posturas incorretas

-                  O aumento do peso corporal

-                  O consumo do tabaco

 

A posição sentada comporta diferentes problemas (coluna cervical, dorsal, lombar, articulação coxo-femoral e joelho femuropatelar, entre outros).

 

* Relativamente à coluna lombar (educação da forma de transportar – elevar pesos:

 

-                  Evitar a suspensão dos pesos / carga próxima do tronco

-                  Utilizar os membros inferiores para elevar a carga

-                  Manter a lordose lombar

-                  Limitar a rotação axial do tronco

-                  Manter uma base de sustentação alargada

-                  Distribuir a carga de forma de forma simétrica

-                  Elevação lenta e progressiva

-                  Preensão firme (evitando o risco de queda do objeto) (...)

 

 

 

 

12 – Outros níveis de intervenção              

 

* Readaptação ou reconversão profissional / adequação ergonómica e exploração do potencial de reabilitação                 

 

* Adaptação do ambiente com remoção de barreiras arquitetónicas e adequação do ambiente (ajudas técnicas, dispositivos de compensação) – adequação biomecânica e redução dos custos das tarefas (articulares e metabólicos)

 

* Intervenção psicológica – múltiplas razões justificam esta intervenção:

 

A doença crónica e a incapacidade determinam perda de capacidade produtiva, capacidade de ganho e perda de prestígio social   

 

Modificação da imagem do corpo e do auto conceito

 

Dor (crónica?), rigidez, deficiência e limitação de atividade e de participação.                

Problemas familiares, profissionais, outros.

 

- A intervenção nos domínios da ansiedade e da depressão (a patologia depressiva compromete a evolução do programa de reabilitação, reduzindo as possibilidades de uma eficaz exploração do potencial de reabilitação); a prescrição de antidepressivos também pode contribuir para reduzir o impacto da dor crónica.  

 

- Aconselhamento sexual (dor e limitação articular, imagem corporal, libido, …)

 

13 – Osteoartrite

Tendo em consideração a prevalência, importância clínica, e papel fundamental da MFR na patologia artrósica, a seguinte exposição pretende ilustrar e concretizar a adequação das estratégias da reabilitação médica e da medicina baseada na evidência neste contexto.

 

Definição - A osteoartrite (OA) é uma doença das articulações iniciada por micro e macro lesão que ativa respostas de reparo mal adaptadas, incluindo vias pró-inflamatórias da imunidade inata. Manifesta-se inicialmente como uma alteração molecular (metabolismo anormal do tecido articular), que induz modificações anatómicas e/ou fisiológicas (degradação da cartilagem, remodelação óssea, osteofitose, inflamação articular e perda da função articular normal). [1] Para além da destruição focal da cartilagem e reação do osso subcondral, o processo envolve toda a articulação, incluindo cápsula, sinovial, ligamentos e músculos adjacentes.

 

Ainda que esta entidade esteja classicamente associada a processos degenerativos e de desgaste, há uma multiplicidade de fatores que desempenham um papel importante na fisiopatologia da artrose, incluindo fatores biomecânicos, mediadores pró-inflamatórios e proteases [2]. Assim, o termo "osteoartrite", indicativo de um processo inflamatório subjacente, é mais correto que as designações de “artrose” ou “osteoartose”.

Está identifica a artrose primária e secundária.

 

Importância clínica [3]:

 

* Alta prevalência global

* Aumento da prevalência e dos fatores de risco

* Nenhuma cura conhecida

* Impacto significativo nos anos de vida perdidos devido à deficiência

* Impacto significativo sobre as comorbilidades

* Comorbilidades têm um impacto significativo na OA

* Aumento do risco de morrer prematuramente

* Diminuição na produtividade; reforma antecipada; absentismo laboral

* Encargo económico extremamente elevado (individual e social)

* História natural de progressão sem remissão conhecida

* Nenhuma intervenção comprovada ainda disponível para interromper a progressão

* Principal causa de incapacidade da pessoa idos

 

 

Articulações mais afetadas [4]:

 

* coluna cervical, dorsal e lombar;

* carpometacarpiana do 1º dedo (trapezo-metatacarpiana, rizartrose do 1º dedo)

* interfalângica proximal e distal dos dedos da mão;

* coxofemorais;

* joelhos;

* metatarsofalângica do 1º dedo.

 

Fatores de risco (intrínsecos e extrínsecos)

 

* Idade, género, fatores genéticos, lesão articular prévia, obesidade e fatores anatómicos, incluindo formato e alinhamento articulares, outras.

 

 

Manifestações clínicas – Principais elementos clínicos

 

Idade

>40 anos

Dor

1 ou mais articulações simultaneamente

Início insidioso

Intensidade variável

Características mecânicas

Rigidez

<30 minutos

Tumefação articular

Presente nalguns doentes

Sintomas constitucionais

Inexistentes

Inspeção

Crescimento ósseo +- hipertrofia sinovial

Deformidade

Atrofia muscular

Palpação

Temperatura normal

Pequena quantidade de derrame

Dor à palpação da interlinha

Dor à palpação periarticular (++joelho e anca)

Mobilização

Crepitação à mobilização

Diminuição da amplitude articular

Adaptado de Up-to-date, 2021 [5]

 

Tratamento [6]- O tratamento da osteoartrite implica um acompanhamento contínuo e personalizado, centrado nas necessidades e objetivos do doente, numa perspetiva holística e multidisciplinar.

Uma vez que as várias opções de tratamento disponíveis têm, individualmente, efeitos modestos, é também recomendável uma abordagem multimodal.

 

Assenta em 4 princípios fundamentais:

 

* Educação do doente

* Alívio sintomatológico;

* Otimizar a função;

* Limitar a progressão da doença.

 

* Terapêutica não farmacológica

 

A utilização de terapêutica não farmacológica, pelo seu perfil de segurança habitualmente mais favorável, deve ser priorizada relativamente às demais opções terapêuticas.

De entre as opções não farmacológicas, as intervenções recomendadas com forte evidência são a educação do doente (explicação adaptada relativamente à etiologia, fatores de risco, prognóstico), a capacitação do doente, encorajando ao “self-management” e o exercício (treino aeróbico e exercícios de fortalecimento muscular).

O treino propriocetivo e a perda ponderal são também recomendadas, com evidência moderada, assim como a utilização de canadianas e ortóteses, que pode ser recomendada para controlo sintomatológico.

Outras intervenções com evidência ligeira, mas que poderão ser útil para complementar as restantes intervenções, são alguns agentes físicos como o laser, eletroterapia (TENS, PENS, PEMFT) e ondas de choque, técnicas cinesiológicas, como a terapia manual e massagem, e a acupuntura.

 

* Terapêutica farmacológica

 

A terapêutica farmacológica deve ser iniciada apenas quando a utilização de intervenções não farmacológicas não obteve benefício adequado ou quando os sintomas são mais severos.

A sua utilização deve estar restrita aos períodos sintomáticos, uma vez que nenhuma intervenção altera o curso natural da doença. Os fármacos e vias de administração devem ser criteriosamente selecionados.

As classes de fármacos e vias de administração recomendados com forte evidência para controlo sintomatológico na OA são os AINEs (tópicos e orais) e o paracetamol.

Relativamente aos AINEs, deve ser sempre optar-se inicialmente pela aplicação tópica, reservando a via oral para casos de inadequado controlo com a aplicação tópica, OA sintomática de múltiplas articulações, ou no caso de articulações mais profundas (anca).

A injeção intra-articular de corticoides pode ter benefício sintomatológico a curto prazo [7] mas poderá ter efeitos nocivos na cartilagem e mesmo acelerar a progressão da OA, pelo que a sua utilização nem sempre é recomendada [6]. O Plasma Rico em Plaquetas e alguns suplementos alimentares como o açafrão, extrato de gengibre, glucosamina, condroitina e vitamina D, poderão ter algum interesse, ainda que a evidência ainda seja muito limitada. Os opioides orais e a injeção intra-articular de ácido hialurónico não estão recomendados, porque os riscos excedem os benefícios.

 

* Terapêutica cirúrgica

 

A abordagem cirúrgica pode ser ponderada quando não houve melhoria significativa com o tratamento conservador. As próteses podem ter benefício considerável, principalmente no caso das próteses totais da anca e joelho. No entanto, têm riscos também consideráveis, pelo que a sua utilização deve ser criteriosamente selecionada.

Níveis pré-operatórios de dor mais elevados, depressão e dor em múltiplas articulações estão associados a piores resultados cirúrgicos, com manutenção da dor após a cirurgia [6]. A cirurgia artroscópica para OA do joelho com meniscectomia parcial e/ou desbridamento não é recomendada porque não tem benefícios relativamente ao tratamento conservador.

 

* Os elementos de evidência

 

A título exemplificativo, apresenta-se na seguinte tabela um sumário das recomendações da AAOS relativamente à OA do joelho [7].

 

Terapêutica não farmacológica

Self-management

Recomendado (evidência forte)

Educação do doente

Recomendado (evidência forte)

Exercício terapêutico

Recomendado (evidência forte)

Treino neuromuscular

Otimização da função, velocidade da marcha (evidência moderada)

Perda de peso

Se excesso de peso ou obesos (evidência moderada)

Auxiliares de marcha

Controlo sintomático; otimização da função (evidência moderada)

Ortóteses

Controlo sintomático; otimização da função (evidência moderada)

Terapia manual

Em conjunto com o exercício (evidência limitada)

Massagem

Em conjunto com o restante programa (evidência limitada)

Laser

Controlo sintomático, otimização da função (evidência limitada)

Acupuntura

Controlo sintomático, otimização da função (evidência limitada)

TENS

Controlo sintomático (evidência limitada)

PENS

Controlo sintomático, otimização da função (evidência limitada)

PEMFT

Controlo sintomático (evidência limitada)

Ondas de choque

Controlo sintomático, otimização da função (evidência limitada)

Palminhas

Não recomendado

Terapêutica farmacológica

AINEs tópicos

Recomendado (evidência forte)

AINEs orais

Recomendado (evidência forte)

Paracetamol oral

Recomendado (evidência forte)

Corticoides intra-articulares

Benefício sintomático a curto prazo (evidência moderada)

PRP

Controlo sintomático, otimização da função (evidência limitada)

Suplementos alimentares

(glucosamina, condroitina, vitamina D)

Controlo sintomático (evidência limitada)

Opioides orais

Não recomendados

Viscossuplementação

Não recomendado

 

 

 

Elementos de funcionalidade e os instrumentos métricos

 

*Neck Disability Index (NDI) – coluna cervical

*Oswestry Low Back Pain Disability Questionnaire – coluna lombar

*Knee and Osteoarthritis Outcome Score (KOOS) – joelho

*Western Ontario and McMaster Universities Arthritis Index (WOMAC) – joelho/anca

*Hip Disability and Osteoarthritis Outcome Score (HOOS) – anca

*Functional Index of Hand Osteoarthritis (FIHOA) – mão

 

14 - Conclusão

 

 

 

15 – Referências

1. Osteoarthritis Cartilage. 2015 Apr 9. pii: S1063-4584(15)00899-7. doi:

10.1016/j.joca.2015.03.036.

2. Loeser RF. Pathogenesis of osteoarthritis. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA.

3. Osteoarthritis: A Serious Disease, Submitted to the U.S. Food and Drug Administration December 1, 2016.

4. Direcção-Geral da Saúde – Circular Normativa nº: 12/DGCG 02/07/04. Programa Nacional Contra as Doenças Reumáticas. Acessível em http://nocs.pt/wp-content/uploads/2016/04/Programa-Nacional-Doencas-Reumaticas-2004.pdf

5. Doherty M & Abhishek A. Clinical manifestations and diagnosis of osteoarthritis. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA.

6. Deveza LA. Overview of the management of osteoarthritis. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA.

7. American Academy of Orthopaedic Surgeons Management of Osteoarthritis of the Knee (Non-Arthroplasty) Evidence-Based Clinical Practice Guideline (3rd Edition). https://www.aaos.org/oak3cpg Published August 31, 2021.

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